Quais são as alergias mais comuns em Portugal e como tratá-las?

Em Portugal, diversas doenças alérgicas afetam uma parcela significativa da população. No Dia Mundial da Alergia, celebrado a 8 de julho, conversámos com a renomada imunoalergologista, Ana Morête, Presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC). A entrevista revela as alergias mais comuns em Portugal, destacando a importância do tratamento e abordando questões relacionadas à prevalência e influência das alterações climáticas nas doenças alérgicas.

Dr.a Ana Morête, Presidente

O Dia Mundial da Alergia celebra-se a 8 de julho. A data da Organização Mundial da Saúde (OMS) visa alertar as pessoas sobre a importância do tratamento das alergias. Quais são as alergias mais comuns em Portugal?

Asma alérgica, rinite alérgica, conjuntivite alérgica, dermatite atópica, alergia a alimentos e alergia a medicamentos.

De um modo simplificado, o que são as alergias?

A doença alérgica resulta sempre de uma resposta exagerada do nosso organismo a determinadas substâncias, o que desencadeia uma série de sintomas e sinais que levam às diferentes manifestações desta doença.

As reações alérgicas são diferentes de doente para doente, podem afetar diferentes órgãos alvo e apresentar diferentes graus de gravidade. Por exemplo, se o contacto com um pólen afetar o órgão alvo nariz, então o doente apresenta sintomas como salvas de espirros, comichão no nariz, rinorreia e obstrução nasal – sintomas de rinite, e consoante a intensidade dos sintomas ela pode ser ligeira moderada ou grave.

Por outro lado, se tiver uma alergia alimentar ao leite, por exemplo, o contacto com este alimento, vai provocar uma reação reprodutível (isto é que acontece sempre) que pode atingir a pele e provocar urticária, o trato gastrointestinal e provocar vómitos ou em alguns doentes esta reação alérgica pode ser muito grave, atingir vários órgãos alvo ao mesmo tempo como a pele, mucosas, sistema respiratório, sistema cardiovascular, sistema gastrointestinal, o que constitui um episódio de anafilaxia ou choque anafilático e que se não for tratado rapidamente pode levar à morte.

Qual é a prevalência estimada das diferentes doenças alérgicas em Portugal?

De uma forma geral, estima-se que até um quarto da população portuguesa apresente alguma forma de manifestação da doença alérgica. Estudos epidemiológicos estimam uma prevalência global de rinite de 25%, asma de 10%, alergia alimentar e medicamentosa até 5% da população, anafilaxia e a alergia aos venenos de himenópteros (abelhas e vespas) entre 1 e 2%.

As doenças alérgicas abrangem de uma forma geral todas as faixas etárias ou verifica-se um predomínio mais acentuado nos mais novos?

A doença alérgica é transversal a todas as faixas etárias, podendo afetar desde o recém-nascido ao doente idoso.

Dependendo da doença alérgica em questão, a distribuição consoante as faixas etárias é diferente. Por exemplo em Portugal, estima-se uma prevalência de rinite de 21,5% a 24% em crianças, 27% em adolescentes, 26,1% nos adultos e 29,8% no idoso.

Já a alergia alimentar, por exemplo, afeta até 5% das crianças e aproximadamente 2% dos adultos.

Quais são os principais alergénios em Portugal?

São os aeroalergénios, os medicamentos, os alimentos e os venenos dos himenópteros (abelhas e vespas).

Os principais aeroalergénios são os ácaros do pó, os pólenes de gramíneas, de árvores (Oliveira, Plátano e Bétula) e as ervas, como a parietária e o plantago. Em relação aos ácaros e aos pólenes temos disponível no site da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica SPAIC (www.spaic.pt) o mapa acarológico de Portugal e o mapa polínico com toda a informação sobre as principais espécies, períodos de polinização, que são uma valiosa ferramenta para os doentes.

Quanto aos fármacos, os mais comumente implicados são os anti-inflamatórios não esteroides, os antibióticos e os anestésicos. Em relação aos alimentos, qualquer um pode induzir reação alérgica, mas os mais frequentemente implicados são o leite, ovo, trigo, peixe, amendoim, frutos secos, frutos frescos e marisco. É mais prevalente na idade pediátrica. Na criança a maioria das alergias é transitória e principalmente causada pelo leite, ovo, trigo. Algumas persistem na idade adulta, sendo mais comum a alergia ao peixe, marisco, frutos secos e frutos frescos.

Por definição, a doença alérgica é uma doença inflamatória crónica. A medicação é temporária ou é para toda a vida?

Nos doentes alérgicos, o sistema imunológico desenvolve uma resposta exagerada que implica uma atuação em cascata de diferentes mediadores imunológicos, como os anticorpos, células de defesa como os linfócitos e uma grande quantidade de substâncias como citocinas, histamina, entre outras. Este processo conduz à inflamação no órgão/órgãos em que está a decorrer, por isso se o doente mantém o contacto com as substâncias a que é alérgico, necessita de ter uma abordagem terapêutica continuada.

Há alergénios fáceis de evitar, como os animais de companhia, mas já com os pólenes na primavera, a evicção é muito mais complicada.

Uma visita médica a um imunoalergologista vai permitir ao doente conhecer a sua alergia e abordá-la. Instituir uma série de medidas preventivas para impedir a natural evolução desta doença crónica, indicar os medicamentos mais adequados, e quando utilizá-los e, quando indicado, propor ao doente as vacinas antialérgicas.

Há algum tratamento desenvolvido especificamente para as doenças alérgicas?

Sim, a imunoterapia específica com alergénios, vulgarmente designada de “vacinas antialérgicas”. São a única alternativa para mudar a forma de pensar do sistema imunológico do alérgico, permitindo reeducá-lo a tolerar os alergénios aos quais está sensibilizado. Não se traduz na cura da doença alérgica, mas sim num grande controlo, normalmente com grande redução da necessidade de medicação para o doente estar controlado e também, sobretudo, a diminuição da probabilidade de ganhar novas sensibilizações e impedindo evolução natural da doença alérgica.

E ao nível dos custos para os utentes, houve, há ou haverá algum tipo de comparticipação do Estado português para os tratamentos das doenças alérgicas? 

Na sequência de ações desenvolvidas pelas várias Direções da SPAIC, algumas com o apoio de associações de doentes, temos tido várias vitórias, como a comparticipação a 100% das canetas autoinjetoras de adrenalina, desde outubro de 2020.

Já em relação às vacinas antialérgicas, estas foram no passado comparticipadas a 50% mais de 30 anos, no entanto e de uma forma absolutamente inexplicável essa comparticipação foi revogada em agosto de 2011. Desde então e até ao presente que esta lamentável decisão e situação se mantém, não obstante inúmeros e sucessivos contactos institucionais da SPAIC com a DGS, ACSS e Infarmed, sendo Portugal o único país de toda a União Europeia com esta política no acesso a este tipo de tratamentos antialérgicos.

A Direção da SPAIC, apresentou uma petição à Assembleia da Républica, no sentido de ser urgentemente reposta a comparticipação dos tratamentos de imunoterapia específica (vacina anti-alérgica) no nosso país. Pode consultar a petição aqui: https://participacao.parlamento.pt/initiatives/3332 .

As alterações climáticas estão na ordem do dia. Há alguma correspondência entre este efeito e as doenças alérgicas?

O constante aumento das temperaturas resultante da poluição (combustíveis fósseis e acumulação de gases com efeito de estufa), leva ao aquecimento do planeta, por exemplo julho de 2021 foi registado como o mês mais quente nos últimos 142 anos.

Estas alterações climáticas são complexas, promovem ainda mais a poluição exterior, períodos mais longos de exposição aos pólenes e maior suscetibilidade a infeções, aumentando a expressão, duração e gravidade da doença alérgica.

A SPAIC, de que é Presidente desde o início deste ano, foi fundada em julho de 1950. Que balanço faz destes 73 anos de existência e que papel principal assume no presente e prevê assumir num futuro próximo?

A SPAIC tem tido uma expansão assinalável nas últimas décadas, em paralelo ao aumento da prevalência das doenças alérgicas, sendo-lhe reconhecido um papel relevante nas áreas da alergia, asma e imunologia clínica em Portugal.

A atuação das anteriores Direções da SPAIC consolidaram e projetaram a nossa sociedade, demonstrando o nosso enorme potencial de crescimento, ampliação do campo de atuação e valorização pela população, comunidade médica e científica.

A atual Direção da SPAIC, pretende continuar a contribuir para a melhoria contínua do desenvolvimento científico-profissional dos associados da SPAIC, de acordo com os seus diferentes perfis e considerando as tendências atuais. É também nosso foco potenciar o crescimento e notoriedade da SPAIC, quer a nível nacional quer internacional, investindo nas parcerias com sociedades congéneres, colaborar com as associações de doentes com patologia imunoalérgica e consolidar o modelo de comunicação digital e mediático da SPAIC, promovendo a presença nas redes sociais da sociedade e posicionado a SPAIC como referência em matéria de alergologia.

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