Políticas públicas para a leitura: o Plano Nacional de Leitura

Rui Couceiro - editor

A Psicologia Cognitiva da Leitura diz que os livros contribuem para a criação de democratas, de cidadãos. De facto, ler é uma ferramenta para a liberdade e ajuda a compreender melhor o mundo. Por outro lado, a leitura pode constituir também um meio para o crescimento económico e social. São, por tudo isso, da maior importância as políticas públicas para a leitura. A legislatura vai a meio e o governo apresentou recentemente uma nova fase do Plano Nacional de Leitura para o decénio 2017-2027, o PNL 2027. Uma das iniciativas mais relevantes é a realização de um novo estudo sobre a leitura em Portugal, que sucederá ao de 2007.

No entanto, o mercado do livro (e o da imprensa escrita também, certamente) adianta algumas possíveis conclusões. Quando a crise estalou, em 2008, o mercado do livro não escolar deu um trambolhão. Em 2007, venderam-se cerca de 14 milhões de livros no nosso país. Em 2016, apenas 11 milhões. Este ano, mesmo com mais otimismo e confiança por parte dos consumidores, talvez nos fiquemos pelos 10 milhões ou nem cheguemos aos dois dígitos. Ou seja, não errarei se disser que o mercado português do livro não escolar, no espaço de uma década, terá encolhido quase 30%. Pelo meio, faliram editoras, distribuidoras e livrarias. E generalizou-se o uso dos smartphones e da internet móvel, ou seja, o acesso fácil e imediato à informação. Em dez anos, as vendas de livros em papel diminuíram muito e não há nenhum dado que demonstre que os portugueses passaram a recorrer mais às bibliotecas, nem a descarregar milhares de livros digitais (os e-books representam nem 1% das vendas de livros em Portugal).

Infelizmente, e embora o português seja a quinta língua mais falada no mundo (e na internet) e se estime que em 2100 possa ter mais 150 milhões de falantes, a indústria cultural do livro não apresenta por cá a pujança que vemos noutros países – ou pelo menos uma situação como a que se vive em Inglaterra. Há dias, o diretor geral da cadeia britânica de livrarias Waterstones disse que comprar a empresa (e muito haveria a dizer sobre a sua interessante gestão) é um bom negócio para eventuais investidores, face a apostas noutras áreas do retalho, dado que «os compradores de livros tendem a continuar a comprar livros mesmo que parem de comprar máquinas de lavar roupa». Por cá não é assim. Por outro lado, soube-se há dias que os alunos portugueses do 4.º ano estão na posição 30 entre 50 no que toca à literacia de leitura. Na Europa, são dos piores, suplantados apenas por meia dúzia de países.

Em 2007, no referido estudo do recém-criado PNL constatava-se o aumento do uso do telemóvel, aspeto que demonstra o quão distantes estamos da realidade que analisava. Há dez anos, ler era a sexta entre nove práticas culturais realizadas em casa pelos portugueses. Navegar na Internet não estava entre as práticas mais comuns e ainda se lia mais do que se viam filmes e séries, o que duvido que aconteça em 2017. Parece-me, portanto, que também a simples perceção dos dias de hoje antecipa muitas das tendências que o novo estudo sobre a leitura em Portugal vai trazer.

Numa entrevista, a nova comissária do PNL, Teresa Calçada, disse que a leitura não está na moda, «porque hoje vive-se o tempo de forma demasiado rápida e autoimposta para que possa dar espaço à leitura. O mundo de hoje é contrário à natureza da leitura, porque é algo que não acontece nem facilmente nem depressa». De facto, à entrada de 2018, «damos por nós hipermodernos, polivalentes, aparelhados de tecnologia como uma central ambulante, multifuncionais mas sempre mais dependentes (…), vivendo as coisas sem poder refletir sobre elas». Este retrato certeiro dos dias de hoje, tirado por José Tolentino Mendonça, sistematiza a certeza de que o modo de ler mudou. Não no sentido de os livros terem passado a ser lidos digitalmente, já o percebemos, mas de terem passado a enfrentar a concorrência de dispositivos móveis, sobretudo dos smartphones, que permitem acesso fácil e rápido a informação e a infindáveis outras valências. E esse aspeto, associado à crise, terá feito do livro um objeto menos necessário.

Se viajarmos em transportes públicos, percebemos com facilidade que muito pouca gente opta por ler livros. Grande parte das pessoas utiliza os smartphones, consumindo rápidas informações e acontecimentos mais ou menos importantes, que constantemente reclamam atenção no ecrã. As redes sociais e muitas aplicações funcionam como bombas de dopamina para os nossos cérebros. Habituam-nos a interagirmos incontáveis vezes por dia com aqueles pequenos aparelhos. O cérebro impele-nos a buscar continuamente a recompensa da resposta, do gosto, da interação, do acontecimento, da novidade, da proximidade. Que vontade temos, então, jovens mas também menos jovens, de pegar nos obsoletos objetos de papel e de dedicar-lhes atenção? Que capacidade de concentração temos para parar e ler? Onde anda a leitura por prazer, esse prazer mediato que nos é dado por intermédio do livro? Espero que o novo PNL traga respostas para estas e outras perguntas, porque a realidade ameaça tornar o leitor num bicho exótico e é imperioso salvá-lo e permitir que se reproduza.

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