Resistir à recessão

Assistimos, em Portugal e na Europa, a um aceso debate sobre o que pode fazer a política orçamental para contrariar o impacto simultaneamente recessivo e inflacionista deste choque de proporções dramáticas.

António Saraiva, Presidente da CIP

Dizem os mais cautelosos que a prioridade é combater a inflação e que os esforços dos governos para contrariar uma recessão cada vez mais provável serão inglórios ou mesmo contraprodutivos. Medidas orçamentais, nomeadamente de caráter transversal, comprometeriam os resultados da política monetária para conter a inflação e levariam a medidas ainda mais restritivas por parte do Banco Central Europeu, ou seja, taxas de juro ainda mais altas.

Por outro lado, políticas orçamentais expansionistas poriam em risco a sustentabilidade das finanças públicas.

O caminho a tomar seria, então, o de recorrer a medidas temporárias e direcionadas às famílias em maior risco, e deixar os mercados funcionar.

Reconheço a dificuldade em combater, simultaneamente, a inflação e a recessão. Estou consciente das limitações financeiras dos Estados. Mas entre o voluntarismo irrealista e a inação vai uma distância. A política económica importa, podendo e devendo ser manejada de forma a contrariar evoluções indesejadas.

Tanto o Conselho de Finanças Públicas como a Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República afirmam, nas suas análises, que a política orçamental, em 2023, será restritiva pró-cíclica, apesar do impulso orçamental expansionista conferido pelo PRR. Esta política contribuirá, pois, para ampliar os efeitos da deterioração da atividade económica.

Não creio que seja a política adequada.

Face a três objetivos de política – combate à inflação, contrariar a recessão e salvaguardar a sustentabilidade das finanças públicas – a opção deveria ser a de procurar conciliá-los, num exercício que, reconheço, não é fácil. Esquecer um dos objetivos, desistir pura e simplesmente de uma política que sustente, tanto quanto possível, a atividade económica face ao crescente risco de uma recessão não será, certamente, a solução mais avisada.

É certo que o Orçamento consagra medidas com algum impacto positivo sobre as empresas, refletindo alguns dos compromissos expressos no Acordo de Competitividade e Rendimentos.

Noto, contudo, a timidez destas medidas, que traduz a grande relutância na ativação da política fiscal, quer na resposta a esta crise, quer no sentido de a tornar estruturalmente mais favorável à competitividade empresarial.

A principal vertente em que o Orçamento do Estado pode contrariar as pressões recessivas que se fazem sentir será o investimento público e o estímulo ao investimento privado, recorrendo aos fundos europeus, nomeadamente através do PRR e do Portugal 2030.

Temos, pois, razões de sobra para olhar para a execução destes programas em 2023 com a máxima atenção e exigência.

Concluo ainda pela importância de um acompanhamento atento da evolução da atividade económica em 2023, com recurso às medidas que se revelem adequadas para resistir a novas pressões recessivas sobre a economia portuguesa. Este é um orçamento para um ano de grande incerteza, devendo ser executado com grande determinação e eficácia, nomeadamente, no que respeita ao investimento, mas também com a flexibilidade e capacidade de adaptação que as circunstâncias determinarem.

António Saraiva, Presidente da CIP

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