“Os enfermeiros emergem como peças-chave no Sistemas de Saúde”
Há 35 anos, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) desenha uma história marcada por conquistas significativas e desafios crescentes. Numa entrevista com Guadalupe Simões, dirigente nacional do SEP, exploramos a evolução do sindicato e como enfrenta questões prementes, desde as mudanças na carreira da enfermagem até aos desafios globais na saúde. Face a uma pandemia e mudanças no panorama da saúde, a liderança do SEP discute as vitórias do passado e os objetivos para garantir um futuro sólido para os enfermeiros em Portugal.
Considerando a vasta história do SEP desde a sua criação em 1988, e o seu papel fundamental na defesa dos direitos dos enfermeiros, como a dirigente nacional vê a evolução e os principais marcos do sindicato ao longo destes 35 anos?
Até à última alteração, ocorrida em 2019, as diversas mudanças na carreira da enfermagem sempre se traduziram em benefícios para os enfermeiros. Estes ganhos incluem melhorias nos direitos de dias de férias e nos aspetos salariais, por exemplo.
Com a crescente oferta privada de serviços de saúde e as complexidades globais na área da saúde, como o SEP pretende enfrentar os desafios atuais, não apenas nas questões salariais, mas também na regulamentação das condições de trabalho dos enfermeiros, no ensino de enfermagem e na reorganização dos serviços de saúde?
Entre as conquistas destacadas do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses encontra-se o regulamento do exercício profissional, publicado em 1996. Este regulamento define conceitos cruciais, como a identidade do enfermeiro e do enfermeiro especialista, além de estabelecer a autonomia na prática da profissão de enfermagem. Reconhece ainda os enfermeiros como parte integrante da comunidade científica da saúde e determina que a entidade patronal é responsável pelo especial risco ao qual os enfermeiros estão sujeitos, tanto no setor público quanto no privado. Diante da crescente presença do setor privado em Portugal, procuramos que este risco seja reconhecido, refletindo na melhoria das condições de trabalho dos enfermeiros. Por conseguinte, propomos alterações nos contratos coletivos de trabalho e instrumentos de regulamentação coletiva, visando aprimorar as condições laborais e remuneratórias no setor. Notamos que, embora predominante, o setor privado mantém práticas retrógradas, como a extensão das horas de trabalho (40 horas), em desacordo com a tendência europeia de redução das horas semanais de trabalho para conciliação entre vida pessoal e profissional. Este aumento representa um desafio e coloca em causa a segurança dos cuidados prestados aos pacientes.
Considerando a globalização dos problemas de saúde, como o SEP vê o papel dos enfermeiros não apenas a nível nacional, mas também na esfera internacional?
A pandemia destacou a inevitabilidade na propagação de vírus e doenças, alertando para a possibilidade do surgimento de novos desafios relacionados às alterações climáticas. Neste contexto, os enfermeiros desempenham um papel vital como profissionais de saúde mais próximos da comunidade, oferecendo uma visão holística das pessoas e concentrando-se na saúde familiar. O envelhecimento da população, uma realidade tanto em Portugal como no resto do mundo ocidental, apresenta um cenário desafiador. Com um aumento significativo de pessoas idosas, muitas delas a enfrentar múltiplas condições de saúde, a necessidade de cuidados domiciliares torna-se imperativa. Os enfermeiros, com as suas competências, desempenham um papel crucial na promoção da saúde e na prestação de cuidados de manutenção que permitam que estas pessoas continuem a desenvolver as suas atividades diárias. Contudo, é preocupante observar a diminuição do número de enfermeiros, conforme alertado pela Organização Mundial da Saúde. Este declínio compromete a acessibilidade aos cuidados de saúde, exigindo medidas urgentes, como a contratação e formação de mais profissionais de enfermagem, não apenas em Portugal, mas a nível global. A situação em Portugal é agravada pelo abandono da profissão, muitas vezes devido às condições de trabalho precárias. A falta de estratégias eficazes para reter estes profissionais gera preocupações para o futuro. Enfrentamos um desafio que transcende o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, tornando-se uma preocupação para todas as populações. Além do envelhecimento da população, observamos indicadores alarmantes, como a prevalência de diabetes em idades mais jovens, apontando para a possibilidade de um aumento nos sinais e sintomas da doença em idades adultas precoces. Diante deste cenário, os enfermeiros emergem como peças-chave no Sistema de Saúde. Devem ser percebidos pelas populações como garantia de acessibilidade a cuidados de saúde de qualidade.
O SEP destaca a sua forma de fazer sindicalismo, caracterizada pela proximidade aos enfermeiros e pela construção coletiva de propostas. Como o sindicato promove a participação ativa dos enfermeiros na discussão de propostas e quais são os benefícios desta abordagem para a profissão?
Considerada uma vantagem, defendemos o sindicalismo e marcamos presença em todas as Instituições de Saúde em Portugal, seja através dos dirigentes sindicais ou dos delegados sindicais. Esta presença contínua permite-nos compreender os problemas reais enfrentados pelos enfermeiros nos locais de trabalho e discutir propostas para superar esses desafios. Este compromisso com o sindicalismo é uma tradição que remonta à criação do SEP, sendo uma extensão do legado dos Sindicatos da Zona Sul que se transformaram num sindicato nacional. Mantemos este compromisso mesmo após as recentes eleições, onde novos corpos dirigentes estão prestes a iniciar um novo mandato de quatro anos.
Dada a preocupação crescente com a resistência microbacteriana, qual é a sua visão sobre a criação de ambientes seguros e a prestação de cuidados em casa para minimizar este problema?
Recentemente, um relatório da OCDE reforçou que Portugal continua a ser um dos países com maior prescrição de antibióticos. Isso dificulta a identificação de infeções nosocomiais devido à adaptação aos tratamentos. Para assegurar ambientes seguros, tanto aos profissionais que atuam nestes ambientes como aos pacientes, é crucial priorizar o cuidado domiciliário. Defendemos que esta deve ser uma prioridade, exigindo mais enfermeiros não apenas para aumentar as visitas domiciliárias, mas também para proporcionar cuidados eficazes, o que implica mais tempo disponível em cada visita.
O SEP mencionou várias conquistas ao longo dos anos, desde carreiras específicas até à redução da jornada de trabalho para 35 horas semanais. Quais são os objetivos futuros que estão no horizonte?
Uma das nossas principais reivindicações é a revisão da carreira de enfermagem. A carreira publicada em 2019 não valoriza adequadamente a profissão, especialmente os enfermeiros especialistas, pois as posições remuneratórias são as mesmas para especialistas e generalistas, desconsiderando as competências especializadas adquiridas. Procuramos valorizar a profissão como um todo, com ênfase nos enfermeiros especialistas. Além disso, continuamos a pressionar e exigir pela admissão e contratação de mais enfermeiros. Outra questão crucial para os enfermeiros é a necessidade da organização da vida pessoal, especialmente considerando a predominância da desregulação nos horários de trabalho. Isto leva a longas horas extraordinárias, prejudicando a previsibilidade do término do trabalho diário, afetando ainda mais enfermeiras, muitas das quais são jovens, que precisam de conciliar o trabalho com responsabilidades familiares, incluindo o cuidado dos filhos.