Tratamento de hérnias abdominais novas abordagens e avanços tecnológicos
As hérnias abdominais (ou, mais correctamente, hérnias da parede abdominal) constituem a patologia abdominal mais frequentemente operada em todo o Mundo. Tratam-se de doenças muito frequentes, quer na população adulta quer nas crianças, e particularmente comuns no sexo masculino.
Uma hérnia abdominal pode ser definida como um orifício ou fragilidade nos músculos abdominais que permite a passagem de um órgão ou estrutura abdominal (mais frequentemente, parte do intestino ou de gordura do interior do abdómen) através desse mesmo orifício, originando assim sintomas. Estes são, habitualmente, a dor ou o desconforto nesse local e a presença de um “inchaço” ou “saliência”.
Existem vários subgrupos de hérnias abdominais, sendo as mais frequentes as hérnias inguinais (localizadas próximo das virilhas e genitais), as umbilicais, as epigástricas e as hérnias incisionais (hérnias que surgem em cicatrizes de incisões cirúrgicas abdominais pré-existentes).
O diagnóstico de uma hérnia é relativamente simples e dispensa, habitualmente, a realização de exames sofisticados. Um bom exame clínico por parte do médico de família ou de um cirurgião geral é habitualmente suficiente.
Quanto ao seu tratamento, qualquer hérnia só pode ser definitivamente corrigida com cirurgia. Por este motivo, após o diagnóstico o doente deverá ser avaliado por um cirurgião geral (preferencialmente com diferenciação em cirurgia da parede abdominal), onde será então equacionada a cirurgia.
Salvo casos raros, todas as hérnias (particularmente se sintomáticas) devem ser operadas. Esta é a única forma de correção que permite resolver os sintomas, evitar complicações futuras (nomeadamente de estrangulamento da hérnia) e melhorar a qualidade de vida.
Relativamente às técnicas cirúrgicas tradicionais a maioria implica, de forma genérica, a realização de uma incisão sobre o local da hérnia, a reintrodução do conteúdo da hérnia na cavidade abdominal e o encerramento reforçado do orifício herniário com uma malha ou rede (também conhecida como prótese). Estas técnicas, genericamente conhecidas como hernioplastias abertas, apesar de eficazes, revestem-se de algumas limitações, nomeadamente risco de complicações na cicatrização, infecção, recuperação pós-operatória mais demorada, dor crónica e, em alguns casos, probabilidade acrescida de falência e reaparecimento da hérnia (conhecido como recorrência herniária). Estas complicações podem, em alguns casos, revelar-se extremamente difíceis de solucionar, com enorme impacto na qualidade de vida do doente e despesas consideráveis associadas aos seus tratamentos.
Neste sentido, surgiram nas últimas décadas outras técnicas, algumas das quais minimamente invasivas, que vieram procurar dar resposta a algumas das limitações acima referidas. Embora tecnicamente mais sofisticados, alguns destes procedimentos permitiram assegurar claros benefícios para o doente, nomeadamente, na diminuição da probabilidade de recorrência herniária, na redução do risco de infecção, no encurtamento do tempo de recuperação e na redução da dor pós-operatória.
Mais recentemente, com o advento e generalização da tecnologia robótica na cirurgia geral (e não só), foi possível proporcionar ainda mais vantagens para o doente com hérnia abdominal. Para além de ser uma cirurgia minimamente invasiva, a robótica confere ao cirurgião uma capacidade acrescida de precisão cirúrgica, proporcionando assim excelentes resultados pós-operatórios.
Os avanços e inovação na área da cirurgia da parede abdominal não se limitaram à introdução de novas técnicas. Nos últimos anos surgiram também novos materiais, em particular na constituição das redes, que permitem assegurar a realização de cirurgias com excelentes resultados e enorme segurança clínica. Estas redes são colocadas com o intuito de fortalecer a reparação da hérnia e diminuir assim o risco de recorrência. De entre os materiais mais utilizados referem-se o poliester, o polipropileno ou, mais recentemente, o PVDF (fluoreto de polivinilideno). Este último parece ser bastante promissor no que diz respeito à capacidade de conferir maior conforto pós-operatório e na possibilidade de visualização da rede em futuras ressonâncias magnéticas (algo até então extremamente difícil de se alcançar).
Contrariamente a algumas crenças infundadas e desinformação, os materiais utilizados na confecção das malhas são hoje em dia extremamente seguros e não há qualquer evidência de grandes riscos associados à sua presença no organismo. Relatos como “rejeição” ou “alergia” às redes são fundamentalmente anedóticos e destituídos de sustentação científica credível.
Pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que a cirurgia de correção de hérnias abdominais é uma das áreas que conheceu maiores avanços e inovações na última década, quer pela implementação e consolidação de diversas técnicas cirúrgicas e tecnologias, quer pela introdução de materiais que permitem ao cirurgião oferecer a melhor solução a cada doente. Este rápido crescimento e diferenciação levou inclusivamente à criação de uma competência cirúrgica reconhecida pela União Europeia de Médicos Especialistas (UEMS) e que assegura a certificação na diferenciação em cirurgia da parede abdominal. Na mesma medida, foi criada em 2019 a Sociedade Portuguesa de Hérnia e Parede Abdominal que visa precisamente ajudar a divulgar, valorizar e apoiar a formação dos cirurgiões portugueses nesta área.
O cirurgião de parede abdominal moderno deve, desta forma, afirmar-se como factor diferenciador na área da cirurgia geral e procurar oferecer assim um tratamento cirúrgico de excelência à medida de cada doente, em função das características da hérnia e das especificidades do próprio doente.