Tratamento de hérnias abdominais novas abordagens e avanços tecnológicos

As hérnias abdominais (ou, mais correctamente, hérnias da parede abdominal) constituem a patologia abdominal mais frequentemente operada em todo o Mundo. Tratam-se de doenças muito frequentes, quer na população adulta quer nas crianças, e particularmente comuns no sexo masculino.

 

Dr. Ricardo Souto, Cirurgião Geral com Mestrado em Cirurgia da Parede Abdominal Coordenador da Unidade de Cirurgia da Parede Abdominal do Hospital de Cascais Cirurgia da Parede Abdominal na Clínica Cirúrgica de Carcavelos Fellow do European Board of Surgery – Abdominal Wall Surgery Vogal da Direcção da Sociedade Portuguesa de Hérnia e Parede Abdominal

 

Uma hérnia abdominal pode ser definida como um orifício ou fragilidade nos músculos abdominais que permite a passagem de um órgão ou estrutura abdominal (mais frequentemente, parte do intestino ou de gordura do interior do abdómen) através desse mesmo orifício, originando assim sintomas. Estes são, habitualmente, a dor ou o desconforto nesse local e a presença de um “inchaço” ou “saliência”.

 

 

Existem vários subgrupos de hérnias abdominais, sendo as mais frequentes as hérnias inguinais (localizadas próximo das virilhas e genitais), as umbilicais, as epigástricas e as hérnias incisionais (hérnias que surgem em cicatrizes de incisões cirúrgicas abdominais pré-existentes).

O diagnóstico de uma hérnia é relativamente simples e dispensa, habitualmente, a realização de exames sofisticados. Um bom exame clínico por parte do médico de família ou de um cirurgião geral é habitualmente suficiente.

Quanto ao seu tratamento, qualquer hérnia só pode ser definitivamente corrigida com cirurgia. Por este motivo, após o diagnóstico o doente deverá ser avaliado por um cirurgião geral (preferencialmente com diferenciação em cirurgia da parede abdominal), onde será então equacionada a cirurgia.

Salvo casos raros, todas as hérnias (particularmente se sintomáticas) devem ser operadas. Esta é a única forma de correção que permite resolver os sintomas, evitar complicações futuras (nomeadamente de estrangulamento da hérnia) e melhorar a qualidade de vida.

Relativamente às técnicas cirúrgicas tradicionais a maioria implica, de forma genérica, a realização de uma incisão sobre o local da hérnia, a reintrodução do conteúdo da hérnia na cavidade abdominal e o encerramento reforçado do orifício herniário com uma malha ou rede (também conhecida como prótese). Estas técnicas, genericamente conhecidas como hernioplastias abertas, apesar de eficazes, revestem-se de algumas limitações, nomeadamente risco de complicações na cicatrização, infecção, recuperação pós-operatória mais demorada, dor crónica e, em alguns casos, probabilidade acrescida de falência e reaparecimento da hérnia (conhecido como recorrência herniária). Estas complicações podem, em alguns casos, revelar-se extremamente difíceis de solucionar, com enorme impacto na qualidade de vida do doente e despesas consideráveis associadas aos seus tratamentos.

Neste sentido, surgiram nas últimas décadas outras técnicas, algumas das quais minimamente invasivas, que vieram procurar dar resposta a algumas das limitações acima referidas. Embora tecnicamente mais sofisticados, alguns destes procedimentos permitiram assegurar claros benefícios para o doente, nomeadamente, na diminuição da probabilidade de recorrência herniária, na redução do risco de infecção, no encurtamento do tempo de recuperação e na redução da dor pós-operatória.

 

 

 

Mais recentemente, com o advento e generalização da tecnologia robótica na cirurgia geral (e não só), foi possível proporcionar ainda mais vantagens para o doente com hérnia abdominal. Para além de ser uma cirurgia minimamente invasiva, a robótica confere ao cirurgião uma capacidade acrescida de precisão cirúrgica, proporcionando assim excelentes resultados pós-operatórios.

Os avanços e inovação na área da cirurgia da parede abdominal não se limitaram à introdução de novas técnicas. Nos últimos anos surgiram também novos materiais, em particular na constituição das redes, que permitem assegurar a realização de cirurgias com excelentes resultados e enorme segurança clínica. Estas redes são colocadas com o intuito de fortalecer a reparação da hérnia e diminuir assim o risco de recorrência. De entre os materiais mais utilizados referem-se o poliester, o polipropileno ou, mais recentemente, o PVDF (fluoreto de polivinilideno). Este último parece ser bastante promissor no que diz respeito à capacidade de conferir maior conforto pós-operatório e na possibilidade de visualização da rede em futuras ressonâncias magnéticas (algo até então extremamente difícil de se alcançar).

Contrariamente a algumas crenças infundadas e desinformação, os materiais utilizados na confecção das malhas são hoje em dia extremamente seguros e não há qualquer evidência de grandes riscos associados à sua presença no organismo. Relatos como “rejeição” ou “alergia” às redes são fundamentalmente anedóticos e destituídos de sustentação científica credível.

 

Pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que a cirurgia de correção de hérnias abdominais é uma das áreas que conheceu maiores avanços e inovações na última década, quer pela implementação e consolidação de diversas técnicas cirúrgicas e tecnologias, quer pela introdução de materiais que permitem ao cirurgião oferecer a melhor solução a cada doente. Este rápido crescimento e diferenciação levou inclusivamente à criação de uma competência cirúrgica reconhecida pela União Europeia de Médicos Especialistas (UEMS) e que assegura a certificação na diferenciação em cirurgia da parede abdominal. Na mesma medida, foi criada em 2019 a Sociedade Portuguesa de Hérnia e Parede Abdominal que visa precisamente ajudar a divulgar, valorizar e apoiar a formação dos cirurgiões portugueses nesta área.

 

 

O cirurgião de parede abdominal moderno deve, desta forma, afirmar-se como factor diferenciador na área da cirurgia geral e procurar oferecer assim um tratamento cirúrgico de excelência à medida de cada doente, em função das características da hérnia e das especificidades do próprio doente.

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