Sustentar e viver melhor

Miguel Guimarães, Bastonário da Ordem dos Médicos

O tema da sustentabilidade da Saúde e, em particular, do SNS é recorrente. Temos de ter em linha de conta pelo menos três dimensões. A primeira dimensão relaciona-se com o benefício direto para os doentes e indireto para as economias familiares e os cofres do Estado. Como demonstrado por estudos realizados, sempre que tratamos os doentes em tempo clinicamente aceitável, o regresso ao trabalho é mais rápido, a qualidade de vida do doente aumenta e a sociedade fica reforçada nas suas múltiplas vertentes. Só por via da diminuição do absentismo recuperamos cerca de metade do Orçamento Geral do Estado para a Saúde. A segunda dimensão relaciona-se com a prevenção da doença e a promoção da saúde e da literacia/educação. Esta dimensão, não só contribui para a sustentabilidade e estabilidade do SNS a médio prazo, como permite também transformar de forma equilibrada o próprio sistema de saúde, no sentido de servir melhor as pessoas doentes e dar mais conforto e qualidade de vida às nossas pessoas mais velhas. O papel do exercício físico e da qualidade da alimentação, da engenharia e arquitetura das cidades (cidades que caminham e cidades 15 minutos) que permitem mais e melhor mobilidade física, protegendo o ambiente, constituem contributos essenciais para a sustentabilidade, a qualidade de vida e viver sem ou com menos carga de doença. Por outro lado, o papel da literacia em saúde permite, por um lado evitar ou mitigar algumas doenças e, por outro, melhorar a correta utilização dos serviços de saúde com ganho substancial para a organização e capacidade de resposta do SNS.
A terceira dimensão envolve objetivos e medidas concretas relacionadas com a implementação de um novo modelo de gestão, que permita mais autonomia das unidades de saúde e promova a eficiência centrada numa governação clínica robusta, liderança médica forte e trabalho em equipa multidisciplinar e multiprofissional. A sustentabilidade envolve a existência de médicos e profissionais de saúde motivados e devidamente valorizados, que permita concretizar objetivos e implementar novas ideias e projetos capazes de desenvolver e criar valor para a saúde dos cidadãos, em que a sustentabilidade e a qualidade caminham lado a lado. A integração de cuidados entre hospitais, cuidados de saúde primários, continuados, paliativos e de proximidade, constitui uma mais-valia para os doentes e para as unidades de saúde. O acesso a cuidados de saúde em tempos clinicamente aceitáveis constitui, desde logo, o núcleo primário da própria sustentabilidade, que significa, a curto prazo, ter mais pessoas saudáveis e menos doentes. O papel de cuidar e evitar contaminar o ambiente inclui um conjunto de medidas sustentáveis e saudáveis, em que emerge a utilização de dispositivos médicos de uso único reprocessados (DMUUr) e o combate ao desperdício de uma forma geral. A transformação digital, incluindo o processo clínico único, a verdadeira telemedicina entre médicos e médico-doente, a existência de vias verdes para doenças graves e para tornar a referenciação mais eficiente, a utilização da Inteligência Artificial, a existência de aplicações digitais capazes de monitorizar alguns indicadores de algumas doenças à distância, constituem passos fundamentais, para incorporar a evolução tecnológica e científica, respeitando o humanismo, com amplo benefício para os doentes e para a sustentabilidade e atividade do SNS. Investir em investigação e inovação como parte integrante do trabalho normal dos médicos e outros profissionais, permite-nos ser mais competitivos e capazes de concretizar e negociar custos de forma mais eficaz, e contribuir para eliminar barreiras excessivas na adoção da verdadeira inovação terapêutica e tecnológica. Concretizar o uso eficiente da informação, evitar a duplicação e a medicina defensiva, valorizar indicadores de qualidade em saúde, promover uma cooperação mais eficiente entre os diferentes setores da saúde, constituem outras medidas importantes para a modernização e sustentabilidade do SNS. Finalmente, são vitais medidas concretas para equilibrar a demografia e envolver as pessoas nas políticas de saúde. Para acreditar é preciso confiar. É preciso conhecer e entender os objetivos. É preciso ver acontecer. É preciso sentir que quem governa se importa com a nossa saúde e nos apoia na doença. Uma missão que o Governo tem de saber cumprir.

Miguel Guimarães,

Bastonário da Ordem dos Médicos

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