“Pessoas que cuidam de pessoas”

Guadalupe Simões, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP), alerta para os constrangimentos sentidos por estes profissionais de saúde.

Guadalupe Simões, Dirigente

 

Num artigo de opinião redigido por si pode ler-se que, em média, os enfermeiros perderam 17% do poder de compra entre 2010 e 2022. Este é um motivo pelo qual é tão difícil para o SNS reter (e atrair) profissionais qualificados?

A perda do poder de compra não é um problema exclusivo dos enfermeiros, mas, no que diz respeito à saúde, esta situação origina a saída dos profissionais de enfermagem do SNS para outros sectores, nomeadamente para o sector privado e para o estrangeiro. Acrescento ainda que os aumentos salariais propostos pelo Governo não vão colmatar este problema devido, por um lado, à inflação que registamos este ano e face também à  previsibilidade de todos os dados que hoje são conhecidos de inflação  para o próximo ano, todos os trabalhadores da Administração Pública (incluindo os enfermeiros) vão continuar a perder poder de comprar e, portanto, é legítimo que as pessoas procurem melhores condições de vida, ainda que isso signifique a degradação do SNS pela ausência dos recursos necessários para responder ao aumento das necessidades das pessoas em cuidados de saúde.

 

Ao longo dos últimos meses têm sido vários os profissionais de saúde, em unidades um pouco por todo o país, a apresentar declarações de escusa de responsabilidades por considerarem que não estão reunidas as condições necessárias para exercerem a sua profissão. Considera que atualmente atravessamos uma crise na saúde?

O SNS encontra-se perante vários desafios que são reconhecidos por todos os parceiros nesta área e um dos maiores problemas é a acessibilidade das pessoas aos cuidados de saúde. Esta situação não é de agora, mas tem-se vindo a agravar nos últimos anos, principalmente pela falta de investimento na área da saúde e na melhoria dos equipamentos e instalações. Consequentemente, neste momento, os profissionais encontram-se impossibilitados de desenvolver investigação e formação dentro do SNS.

Pode parecer estranho, tendo em conta, o que é anunciado pelo Governo (o aumento de recursos humanos na saúde, também de enfermeiros), mas estes números não são suficientes e basta olharmos para o facto de Portugal ter, hoje, uma população mais envelhecida e que requer mais horas de cuidados de enfermagem. A título de exemplo, na pandemia, as pessoas ficaram com medo de recorrer às instituições hospitalares e aquilo que se verifica atualmente é que chegam, cada vez mais, doentes e com situações clínicas mais degradadas. Esses pedidos de escusa são um alerta para todas estas situações.

 

Agora que Manuel Pizarro é o novo Ministro da Saúde, quais são as suas perspetivas para o futuro do sector?

O que sabemos é que temos um processo negocial a decorrer de acordo com um protocolo que foi assinado entre o SEP e o Ministério da Saúde e que este deveria ter terminado em setembro pelo facto de terem havido mudanças na equipa ministerial isso não aconteceu, mas foi agora agendada uma reunião para o dia 2 de novembro e o que se exige é que o processo seja concluído rapidamente para que ainda tenha impacto orçamental no ano de 2022, como compromisso assumido pelo Governo. Depois, na perspetiva da necessidade de reter profissionais e enfermeiros no SNS, temos que avançar rapidamente para a alteração do Decreto-Lei nº71/2019, a carreira de enfermagem, que foi imposta pelo Governo e pela anterior equipa ministerial e que, pasme-se, não cumpre sequer as regras de construção de carreiras que é uma lei do PS de 2008 com sérios e graves problemas no que respeita ao desenvolvimento profissional dos enfermeiros. Portanto, após estas negociações importa avançar para a alteração da carreira.

 

Apesar de todos os obstáculos inerentes ao exercício desta profissão, acredita que vale a pena lutar pelos direitos dos profissionais de saúde, nomeadamente, dos enfermeiros?

Sim! Estamos a falar de uma profissão em que “pessoas cuidam de pessoas” e estas não podem cuidar melhor se não tiverem condições para o fazer, pois corremos o risco de continuar a fazer mínimos quando na realidade se exige máximos.

Está demonstrado que ter enfermeiros em número suficiente nos serviços permite reduzir fatores de risco, mas isso não se aplica só no SNS. A nossa preocupação passa também por outros contextos de trabalho onde estão inseridos os enfermeiros, designadamente no sector social e também no sector privado onde o trabalho dos enfermeiros não tem sido valorizado apesar dos protocolos estabelecidos entre o Estado e estas organizações para dar respostas em cuidados de saúde aos mais velhos.

You may also like...