Esclerose Múltipla: Diagnóstico e Tratamento

A esclerose múltipla é uma doença crónica e autoimune do sistema nervoso central, que se caracteriza pela ocorrência de inflamação e neurodegenerescência no cérebro e medula espinhal. Embora não se tenha ainda identificado a causa, há evidência de uma interação entre genes que predispõem para doenças autoimunes, e fatores ambientais, como certas infeções víricas, tabagismo, défice de vitamina D. Esta interação leva a uma desregulação do sistema imunitário, da qual resulta lesão da mielina, substância que recobre as fibras nervosas, as quais sofrem também danos, com perda axonal e neuronal.

A esclerose múltipla é mais frequente na mulher, surge habitualmente entre os 20 e os 40 anos, sendo a causa mais frequente de incapacidade por doença neurológica não-traumática no adulto jovem. Numa percentagem pequena de casos pode manifestar-se em idade pediátrica, representando um desafio de diagnóstico e de terapêutica, e mais raramente iniciar-se após os 50 anos. Estudos epidemiológicos recentes estimam uma prevalência de 64.4/100.000 em Portugal, o que aponta para cerca de 7.000 doentes.

Pela possibilidade de ocorrerem lesões em locais variados do sistema nervoso, os doentes podem apresentar uma multiplicidade de sintomas – motores (ex. perda de força e do equilíbrio), défices visuais, visão dupla, perda da sensibilidade, formigueiros, alterações urinárias – todavia nenhum deles específico da doença. Sintomas emocionais (ansiedade, depressão), fadiga, e alterações cognitivas, como lentificação do processamento da informação, défice de atenção e de memória, são também frequentes e contribuem para o impacto negativo na qualidade de vida.

Perante a suspeita de esclerose múltipla, é necessário fazer exames complementares e conjugar com os dados clínicos, tendo por base critérios de diagnóstico internacionais, já que não há nenhum marcador específico, sendo de realçar a importância do diagnóstico precoce. A ressonância magnética é o exame complementar mais importante, permite identificar, localizar e caracterizar as lesões desmielinizantes. O estudo de líquido cefalorraquidiano para identificação de biomarcadores, e os potenciais evocados, contribuem também para o diagnóstico.

Quanto à evolução, a maioria dos doentes apresenta surtos (novos sintomas; agravamento dos já existentes) que alternam com fases de recuperação/remissão total ou parcial, podendo nalguns casos haver progressão clínica. A forma surto-remissão é a mais frequente, seguindo-se a secundária progressiva. Mais raramente a progressão dá-se desde o início – formas primárias progressivas.

Em todas as formas de evolução pode haver sinais de que a doença está ativa (agudizada), sobretudo se ocorrem surtos e/ou se a ressonância magnética mostra lesões novas / aumentadas / a captar contraste. Embora não curável, a esclerose múltipla é uma doença tratável com uma panóplia alargada e crescente de medicamentos – imunomoduladores / imunossupressores – fruto dos avanços notáveis da investigação científica. O tratamento específico da doença deve ser iniciado precocemente e inclui medicamentos autoinjetáveis, orais e anticorpos monoclonais, com mecanismos de ação inovadores, atuando em distintos alvos do sistema imunitário, e diferentes perfis de eficácia, segurança e monitorização. Os resultados são muito esperançosos no sentido de parar a doença (ausência de surtos, de progressão da incapacidade, estabilidade das lesões e do volume cerebral). Compete ao neurologista avaliar o doente no seu todo para identificar o(s) medicamento(s) mais indicado(s) e tomar uma decisão partilhada com o doente. Forma da doença, grau de incapacidade, imagem, idade, estilo de vida, planeamento familiar, comorbilidades, etc., são fatores importantes nessa decisão.

O tratamento inclui ainda o controlo dos surtos, geralmente com corticoides, e dos sintomas, por exemplo para reduzir a espasticidade, melhorar a função da bexiga, controlar a ansiedade. As intervenções de reabilitação e o exercício físico são também determinantes para controlo dos défices, prevenção de complicações e melhoria da qualidade de vida.

Os doentes com esclerose múltipla beneficiam de orientação por equipas multidisciplinares com outros especialistas além dos neurologistas, enfermeiros, neuropsicólogos, assistentes sociais. No nosso País a maioria dos hospitais, sobretudo os de maior dimensão, possui consultas específicas com perfil de cuidados diferenciado e com participação em projetos de investigação e em ensaios clínicos internacionais.

Acredita-se que seja possível num futuro próximo curar a doença, identificando-a o mais cedo possível e atuando precocemente com fármacos de alta eficácia. Atrasos no diagnóstico e no tratamento têm custos para o doente, para a sociedade e para os sistemas de saúde.

Professora Doutora Maria José Sá

Presidente do Grupo de Estudos de Esclerose Múltipla (GEEM)

Assistente Graduada Sénior de Neurologia

Responsável pelo Grupo de Doenças Desmielinizantes / Neuroimunologia

Serviço de Neurologia, Centro Hospitalar e Universitário São João, Porto

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