Afinal, qual é o problema de doer a cabeça…?

A frustração e impotência apoderam-se da Rita (personagem fictícia) ao ouvir, mais uma vez, este tipo de comentários… não fora estar enjoada e com vontade de se enfiar num buraco escuro e silencioso (onde ninguém saiba da sua existência) à espera que o martelo pneumático que lhe expande o crânio resolva desaparecer, até conseguiria pensar numa resposta adequada. Ou, talvez, não. Até a Rita tem dificuldade em perceber como nuns dias só deseja eclipsar-se e noutros nada de errado se passa e ela consegue, como qualquer vulgar cidadão, viver o seu dia plenamente.  

Pois, a Rita tem uma doença. Invisível. Intermitente. Imprevisível. Incurável. Incapacitante. Uma doença que lhe rouba tempo, que a impede de conseguir planear, de conseguir gerir a sua vida e que lhe dá dor, angústia e a empurra para a incompreensão e solidão.

Esse é o problema da Rita, que está completamente sozinha, no meio da multidão – 1 em cada 7 pessoas, 1 em cada 5 mulheres – sofre de Enxaqueca, que é 2ª mais importante causa, a nível mundial, entre todas as doenças, de anos vividos com incapacidade. E torna-se a primeira, se considerarmos apenas os indivíduos com menos de 50 anos de idade. E a enxaqueca nem sequer é o tipo de dor de cabeça mais intenso – título que pertence a uma cefaleia rara, a cefaleia em salvas, cuja prevalência é de 0.1% da população – nem tão pouco o mais frequente, a cefaleia de tensão episódica, que afeta 20 a 30% da população, que é ligeira, transitória e não induz incapacidade – aquela a que as pessoas chamam a “dor de cabeça normal”, que relacionam com o cansaço, falta de sono ou ansiedade.

Mas a enxaqueca é o tipo de dor de cabeça mais impactante, em termos sociais e económicos, tendo sido estimado em 2012 que, só na Europa, a enxaqueca teria um custo anual de 111 mil milhões de euros, 70% dos quais exclusivamente atribuíveis à perda de produtividade no trabalho e/ou escola, associados às crises. Numa amostra de cerca de 3500 trabalhadores de 11 empresas portuguesas, o custo anual das dores de cabeça e enxaqueca foi estimado em 2 milhões de euros.

 E o sofrimento da Rita, de repente, passa a ser um problema de todos.

Agora, que a Rita já captou a sua atenção, saiba que a Rita tem, durante 2 a 3 dias, 2 a 3 vezes por mês, um mal-estar indiscritível que se caracteriza por uma dor intensa, incompreensível e uma prostração que a torna lenta, infeliz, inquieta, torna-se para ela difícil pensar, decidir, agir…. mexer-se piora tudo, tudo à sua volta a agride – a luz parece que se espeta nos olhos, qualquer ruído ecoa estrondosamente na sua cabeça, os cheiros agravam o enjoo permanente e ela só quer desaparecer, até que tudo passe. Às vezes, antes da dor, começa a ver um brilho ofuscante de um lado da visão, que cresce e cintila e desfoca as imagens até que mais de metade do mundo desaparece da sua visão e ela começa a contagem decrescente de 20 minutos até que se abata a desgraça, que dura dias. Às vezes, estas crises aparecem associadas a noites mal dormidas, dias cansativos, mudanças no tempo, na menstruação… E a Rita sofre. Com dor. Com a angústia de saber que deveria estar a trabalhar, a namorar, a dançar, a fazer exercício, a ajudar o filho nos TPCs – e a nada disto tem direito. E que os colegas, namorado, amigos, treinador, filho – não percebem a Rita. E a Rita vai ter que desmarcar o cinema, na sexta, para trabalhar até mais tarde e amanhã, em vez de ir ao treino, tem que tratar da roupa, que não conseguiu nem ontem, nem hoje. E os amigos vão deixando de contar com ela nos jantares…. ela não combina saídas ou férias porque sabe que pode estragar tudo a todos, sem querer. No trabalho, sente que tem que dar mais noutros dias, porque há dias “temporariamente fora de serviço”… e a Rita não se pode dar ao luxo de se deitar tarde, de ficar sem comer, de apanhar calor… e a vida da Rita encurta-se, com o tempo que lhe é roubado pela doença, e pelo medo da doença.

Rita, esta doença tem tratamento. Por favor, fale com o seu médico.

A Sociedade Portuguesa de Cefaleias e a MiGRA Portugal, com a ajuda da Rita Redshoes e do Paulo Diehl e Pedro Patrício, da Unlimited Content, produziram um videoclipe de uma música cujo objetivo é transmitir o impacto da Enxaqueca na vida dos doentes., disponível em https://www.youtube.com/watch?v=GY7fJj6lgpE.

Professora Doutora Raquel Gil-Gouveia

Diretora do Serviço de Neurologia do Hospital da Luz de Lisboa

Coordenadora do Centro de Cefaleias do Hospital da Luz de Lisboa

Presidente da Sociedade Portuguesa de Cefaleias

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