A visão das crianças portuguesas em perspetiva!
O ditado diz que “de pequenino é que se torce o pepino”, o que quer dizer que é de pequenino que se criam bons hábitos. Mas, o que são bons hábitos quando falamos da saúde da visão? Qual é o estado da visão das crianças e jovens para percebermos o que devemos manter e o que podemos e devemos alterar?
Em 2020, o investigador Andrzej Grzybowski et al fez uma revisão de vários estudos realizados entre 2013 e 2019, com recurso a refração sob cicloplegia, e encontrou a seguinte prevalência da miopia em termos globais: a Ásia é o continente onde se encontra uma maior prevalência da miopia (60%) em comparação com a Europa (onde se regista 40%). Alguns estudos que relatam medições não cicloplégicas reportam taxas de prevalência de miopia excecionalmente altas em crianças em idade escolar no Leste Asiático (73%) e taxas elevadas na América do Norte (42%). Por outro lado, é encontrada uma baixa prevalência, inferior a 10%, em crianças africanas e sul-americanas.
Se olharmos para o retrato da visão das crianças em Portugal, encontramos poucos dados, no entanto, uma investigadora portuguesa (Amélia F. Nunes et al.) realizou, em 2022, um estudo em Portugal sobre a prevalência de anisometropias em crianças e jovens, no âmbito do qual encontraram uma prevalência de 28,8% de erros refrativos, sendo que, destes, apenas 52% estavam compensados. Quanto ao erro refrativo mais comum, destaque-se a Hipermetropia (14,6%) e a Miopia (6,5%). Este estudo sugere que, para já, em Portugal, o crescimento da miopia ainda não atingiu valores alarmantes, contudo devemos tomar medidas para os manter baixos.
Mas, o que sabemos sobre a miopia? Sabemos, por exemplo, que se trata de um erro refrativo multifatorial, sendo que não se consegue isolar um único fator responsável pelo aumento deste erro e impedir a sua progressão. Estudos sugerem que a falta de atividades ao ar livre, com exposição à luz solar, e o excesso de atividades em visão de perto, são algumas das principais causas do aumento deste defeito. Outro dado que, à luz dos conhecimentos atuais, é importante ter em consideração é que uma não compensação da miopia ou uma má compensação pode despoletar níveis superiores de miopia. De acordo com os resultados do estudo realizado em 2022, em Portugal, é evidente a necessidade de um rastreio mais sistemático da visão das crianças.
Além deste cuidado sistemático, do diagnóstico precoce e da vigilância contínua, é importante que as crianças voltem a passar mais horas em atividades ao ar livre. Sabemos, no entanto, que o ritmo em que vivemos não permite a implementação das melhores práticas.
Temos, por isso, enquanto sociedade, e envolvendo todos os atores desta equação – pais, professores, poder político e indústria – procurar as melhores estratégias e soluções para desenvolvermos adultos saudáveis e com um forte contributo na força laboral do amanhã.
O momento para atuar é agora, o mais cedo possível. É importante optar por soluções holísticas, que respeitem a individualidade da criança, que sejam eficazes, seguras, ergonómicas, estéticas e que tenham em conta que a miopia é multifatorial.
É crucial termos presente que uma vigilância assídua pode interferir na capacidade visual que a criança terá na vida adulta e, por isso, é urgente uma boa articulação entre rastreios optométricos e oftalmológicos. É hora de trabalharmos, no presente, o futuro da saúde visual das nossas crianças!