Brincar para aprender ou aprender a brincar?

É um absurdo pensar que, por detrás de avanços tecnológicos incríveis que aconteceram nas últimas décadas, a educação das nossas crianças está a sofrer grandes desafios. O conceito de tecnologia ou internet é hoje uma trivialidade. Torna-se, assim, fundamental entender que são as nossas crianças que já trazem essa mudança intrínseca na sua forma de entender e se relacionar com o mundo em que vivem.

 

Marco Miguel, Optometrista Shamir Optical

 

É assim que surge, nos dias de hoje, um crescente interesse na comunidade científica em estudar esta mudança de paradigma na educação. Atrevo-me, contudo, a dizer que estamos perante uma mudança na educação, na vida social e na vida evolutiva do ser humano na sua mais profunda conceção.

O professor já não é o dono absoluto da informação. As crianças sabem como procurar a informação, ou seja, quando elas têm interesse, não precisam esperar que alguém lhes ensine ou guie e isto pode ter tanto de bom como de promíscuo. A aprendizagem torna-se, assim, volátil e o aluno torna-se alguém passivo, não havendo espaço para diálogo ou criatividade. Isto enfatiza o facto de que há hoje um défice significativo de perfis profissionais à altura das necessidades das empresas atuais. Não podemos mais formar jovens desta forma. Trata-se de inovar com inteligência – e aqui incluo a inteligência artificial, que veio para ficar e nos ajudar –, mas, também, de “inteligência real” onde a criatividade, o trabalho em equipa, a resolução de conflitos, o pensamento crítico, as capacidades de liderança e de inovação são habilidades que as empresas devem procurar nos seus candidatos.

Fica clara, por isso, a conclusão de que, para ter excelentes adultos, deveríamos estar preocupados em dar o máximo possível para desenvolvermos as nossas crianças.

É preciso haver a coragem de mudar o paradigma entre a escola, a família e a comunidade, e a palavra brincar torna-se estruturante. Faz parte do nosso comportamento e ajuda imenso na espontaneidade, na criatividade, e, essencialmente, na relação emocional.

Vivemos hoje num mundo digital e as novas tecnologias, desta era digital, forçaram o corpo a outras funções não expetáveis. A criança precisa de mexer o corpo, necessita de ser ativa, de ganhar autonomia, explorar, descobrir e arriscar. Temos de pensar muito bem como é que se gere o conceito de tempo, quer ao nível da família quer da escola, onde as crianças passam demasiadas horas.

A criança está muito desligada do mundo natural e, hoje, assistimos a problemas muito sérios de obesidade ou sedentarismo infantil. Estão a criar-se doenças complexas, físicas como mentais. Há um decréscimo notório nas últimas décadas do ato de brincar e um aumento muito pronunciado de atividades sedentárias, que levam as crianças a terem problemas de ansiedade, depressão, excesso de peso, diabetes, doenças respiratórias, cardíacas e ou de visão.

No que diz respeito à visão, a OMS espera que pelo menos metade da população mundial seja míope até 2050 e que o principal fator se deva à falta de exposição à luz solar natural. Enquanto nos primórdios o ser humano fazia da visão de longe uma ferramenta para se alimentar ou se proteger de potenciais predadores ou condições climatéricas adversas, hoje, devido à digitalização, está a perder a capacidade natural de ver ao longe, ficando míope. Nas nossas crianças, existem vários problemas adjacentes a doenças visuais, sejam eles fatores de autoconfiança, aprendizagem, fatores sociais e individuais que condicionam a eficiência dos mesmos. É fundamental estar atento e rastrear – tendo em conta que 80% da informação sensorial vem das perceções que nos chegam recebidas pelo órgão da visão – a inclusão das tecnologias no novo paradigma das crianças e estas novas formas de brincar e aprender trazem-nos essa preocupação acrescida. Será, por isso, fundamental um bom aconselhamento oftalmológico para se gerir estas possíveis alterações visuais.

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