“Uma justiça efetiva e independente é fundamental em qualquer sociedade”

Claudete Teixeira, em entrevista à Revista Business Portugal, explora o papel da justiça na consolidação da democracia portuguesa após a revolução de abril, bem como as mudanças mais significativas nas leis relacionadas com o direito da família e das crianças em Portugal e como o escritório Claudete Teixeira Advogados se adaptou às mudanças legislativas.

 

 

Claudete Teixeira, Advogada

 

Como é que a revolução de abril de 1974 impactou o panorama jurídico em Portugal, especialmente nas áreas em que o seu escritório atua, como direito da família, direito civil e direito do trabalho?

As alterações foram imensas em diversas áreas, mas, realmente, no que diz respeito ao direito da família e do direito laboral foram muito significativas. A instituição do princípio da igualdade entre os cônjuges só surgiu após o 25 de abril. Portanto, só por aqui se percebe que “esta coisa do 25 de abril” não é de somenos importância. No que diz respeito ao direito laboral basta lembrar que a instituição do salário mínimo nacional só aconteceu após o 25 abril. Mas, na verdade, praticamente tudo o que damos hoje como adquirido no âmbito laboral foram conquistas de abril, como, por exemplo, o direito ao subsídio de férias, subsídio de Natal, a criação do subsídio de desemprego, a proibição dos despedimentos sem justa causa. Ao longo dos últimos anos a legislação tem evoluído no sentido da proteção do trabalhador e da conciliação da vida pessoal e familiar com a vida laboral, mas também com a instituição de novos modelos que facilitem uma maior eficiência das empresas e flexibilização da prestação de trabalho, como por exemplo o banco de horas.

Na sua perspetiva, qual foi o papel da justiça na consolidação da democracia portuguesa após a revolução de abril? Como é que o seu escritório contribuiu para esse processo ao longo dos anos?

A justiça, uma justiça efetiva e independente, é absolutamente fundamental em qualquer sociedade. Sem justiça os direitos das pessoas, e por contraposição os seus deveres, são apenas palavras escritas. Se não existir um órgão que assegure a defesa desses direitos eles de nada valem. Portanto, as alterações legislativas profundas que surgiram após o 25 de abril só tiveram sucesso porque os tribunais estavam, e estão lá, para as fazer cumprir.

Agora, a justiça é algo complexo e faz-se de um equilibrio de forças, de poderes e de fiscalização de todos os intervenientes que nela trabalham. O papel do advogado é absolutamente fundamental para esse equilíbrio e para a verdadeira concretização da justiça. O verdadeiro garante do acesso à justiça e da defesa dos direitos das pessoas é o advogado. Antes de ser um negócio o nosso trabalho é uma missão. Por essa razão temos o dever de permitir que, mesmo os mais desfavorecidos, tenham acesso a uma advocacia de qualidade.

Considerando os últimos 50 anos desde a revolução de abril, quais foram as mudanças mais significativas nas leis relacionadas com o direito da família e das crianças em Portugal, e como é que o seu escritório se adapta às mudanças legislativas?

No direito da família destaco apenas algumas das mais impactantes, como o facto de antes do 25 de abril de 1974 não ser possível o divórcio se os cônjuges fossem casados catolicamente, e nem era possível o divórcio por mútuo consentimento. O cônjuge marido era o “Chefe de Família,” que detinha o poder marital e paternal e tinha o direito de administrar todo o património, quer se tratassem de bens comuns do casal, ou de bens próprios da mulher. A mãe solteira não beneficiava de qualquer proteção legal e os filhos ilegítimos não eram reconhecidos. Portanto, uma realidade bem diferente da que temos hoje. Atualmente a união de facto é reconhecida como uma figura jurídica geradora de direitos, temos a permissão da celebração do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a possibilidade da adoção por pessoas individuais ou por casais do mesmo sexo. E só após o 25 de abril foi criminalizada a violência doméstica. Ou seja, não só passaram a ser aceites outros modelos de família como a forma mediante a qual o homem e a mulher são vistos dentro da família, passou a ser diferente. Por fim, ressalto a mudança de paradigma no que diz respeito às crianças e ao direito das crianças, que ao longo dos anos tem vindo a colocar o foco na proteção e direitos das crianças, assumindo-se a criança como a titular dos direitos que visam proteger nos processos que a ela dizem respeito. Na nossa área a única forma de não nos tornarmos desatualizados e obsoletos é continuar a estudar. Manter a formação continua, que é o que eu faço.

Como é que tem sido a evolução do direito sucessório em Portugal desde a revolução de abril?

O Direito sucessório tem tido pouquíssima evolução ao longo dos anos. É uma área do direito que parece um pouco esquecida. Não obstante, teve duas significativas alterações após o 25 de abril. A primeira foi acabar com a figura do “filho ilegítimo”. Os filhos não nascidos dentro do matrimónio não  eram reconhecidos e não possuíam os mesmos direitos que os filhos nascidos dentro do casamento, nomeadamente no que diz respeito a direitos sucessórios. E a segunda ao considerar o cônjuge sobrevivo como herdeiro na mesma classe sucessível dos descendentes. Antes do 25 de abril o cônjuge estava na mesma classe dos ascendentes e irmãos. Agora está em pé de igualdade com os filhos.

Olhando para o futuro, quais são os desafios que antevê nas áreas em que atua, especialmente considerando o contexto social e económico em constante transformação em Portugal e no mundo?

O desafio maior, na minha opinião, é que o poder legislativo e os tribunais encontrem o equilíbrio entre a evolução das mentalidades e das novas realidades com a necessidade de não se desproteger uns para proteger os outros.

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