“Os enfermeiros não são números, cuidam de pessoas”

Lúcia Leite, Presidente

   A Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) foi constituída, em 2017, para representar os profissionais de enfermagem. Em entrevista à Business Portugal, Lúcia Leite, Presidente, dá a conhecer as reivindicações dos enfermeiros e destaca a urgência em repor a justiça e reconhecer efetivamente empenho e dedicação destes profissionais.

Com a crise profunda do sindicalismo em Portugal, porquê constituir mais um sindicato?
Fomos levados a acreditar que os sindicatos eram desnecessários! Com a evolução técnica e científica as condições de vida das pessoas mudaram muito e fomos todos acreditando que vivíamos num Estado de Direito, numa sociedade respeitadora dos direitos dos cidadãos, onde a lei e os princípios éticos e constitucionais eram suficientes para proteger os trabalhadores de práticas abusivas e ilegais. Contudo, o mundo do trabalho alterou-se e a era da inteligência artificial coloca-nos desafios novos, inimagináveis na era industrial!
Questões como a desigualdade salarial, a qualidade do emprego e das condições de trabalho, a flexibilidade de horários, o teletrabalho ou as políticas de retenção de trabalhadores são exemplo de situações, onde a voz dos representantes sindicais é fundamental para produzir soluções sob medida e equilibradas.
A ASPE nasce precisamente do descontentamento com o sindicalismo tradicional, ultrapassado, refém de interesses político-partidários e corporativos das centrais sindicais, que não se inibem de usar as legítimas reivindicações dos trabalhadores e os próprios trabalhadores como instrumentos! A ASPE não é mais um sindicato!
A ASPE é O SINDICATO de enfermeiros de nova geração, que recorre às novas tecnologias para estar à distância de um clique dos seus associados, onde praticamente todos os processos foram desmaterializados e com muito baixo custo de funcionamento para se manter independente de qualquer organização política ou sindical.
Não é só na organização e no valor baixo da quota que a ASPE é um sindicato diferente! A ASPE pugna por se constituir como um sindicato implacável na defensa dos seus associados, mas consciente do seu papel social na construção de soluções junto dos empregadores e do Governo. Para nós, os sindicatos têm que evoluir constituindo-se como verdadeiros parceiros sociais, credíveis e confiáveis quer para trabalhadores, quer para empregadores.

Sentem que apesar do discurso público de enaltecimento à classe, os sucessivos governos têm vindo a ignorar as pretensões e problemas dos enfermeiros?
Os enfermeiros têm vindo a ser recorrentemente prejudicados e esquecidos em termos de progressão e valorização salarial. O facto é que os Governos, apesar de publicamente reconhecerem a importância dos enfermeiros, criam sistematicamente situações de desigualdade e de atropelo aos direitos dos seus próprios trabalhadores. Em Portugal, a legislação tem vindo a ser produzida de forma avulsa e potenciou, por exemplo que, enfermeiros posicionados numa determinada categoria, mas com menos antiguidade, ficassem beneficiados, em termos remuneratórios, em relação a outros, detentores da mesma categoria, mas com mais antiguidade. Promoveram-se inversões remuneratórias e desigualdades territoriais incumprindo os princípios constitucionais!
Outra situação que se arrasta incompreensivelmente é: dos 49.911 enfermeiros do SNS, mais de 50% nunca progrediram na tabela remuneratória, alguns há mais de 15 anos mantendo-se na primeira posição remuneratória, como se tivessem acabado de sair da Universidade. Além disso, o valor base da tabela remuneratória mantem-se praticamente inalterado há mais de dez anos.

Se fizermos a análise comparativa, ao longos dos últimos 22 anos, entre a evolução do Ordenado Mínimo e o Ordenado Base de um Enfermeiro real (com 22 anos de serviço, com curso de Mestrado em Gestão e Administração de Serviços de Saúde e pós-graduação em Supervisão Clínica, contratado ao abrigo do Código do Trabalho e com horário fixo), podemos verificar que a diferença salarial é de 233 euros em 2022. Mas como um ENFERMEIRO para exercer a sua profissão está obrigado a pagar a quota da Ordem dos Enfermeiros a diferença fica nos 224 Euros.

A pandemia e a reorganização/criação de novos serviços veio mostrar que a carência de enfermeiros no SNS?
Os enfermeiros não são números, cuidam de pessoas! Os sucessivos governos foram retirando autonomia às entidades empregadoras, sejam as ARS ou as Entidades Públicas Empresariais que se veem pressionadas entre continuar a prestar um serviço, sem poder contratar e sem poder oferecer melhores salários. Esta é a realidade que os enfermeiros enfrentam diariamente: alterações de horário sem acordo, horas extraordinárias todas as semanas, horas a mais não pagas, descansos não gozados, ameaças constantes, incumprimentos legais grosseiros, perseguições a quem não se deixa subjugar e até “castigos” para servir de exemplo. Na verdade, há uma grande carência de enfermeiros no SNS, mas também há má gestão da força de trabalho que, na maioria das vezes, está orientada aos indicadores de produção e não às efetivas necessidades dos doentes!
A ASPE defende uma reforma profunda do SNS, verdadeiramente centrada nos cidadãos e nas suas necessidades, que rentabilize a capacidade instalada e as competências dos seus profissionais, designadamente dos enfermeiros que estão bastante desaproveitadas.

Considera que com a atual solução governativa será finalmente a hora para que todos os enfermeiros do país tenham os mesmos direitos?
Com uma maioria na Assembleia da República, António Costa e o Partido Socialista não terão desculpas para continuar a adiar a correção das injustiças e o Acordo Coletivo de Trabalho com os enfermeiros!
As normas da Lei do Orçamento de Estado de 2018 foram produzidas para se aplicarem a todos os trabalhadores do Estado e não acautelaram as especificidades da carreira dos enfermeiros e a sua aplicação resultou em 0€ de valorização remuneratória para a maioria dos enfermeiros. A Região Autónoma da Madeira (RAM) através da publicação de decretos legislativos regionais é a única que até ao momento corrigiu as injustiças e iniquidades para os enfermeiros decorrentes do descongelamento da carreira determinado pela LOE de 2018.
A RAM, fruto do esforço conjunto dos sindicatos (ASPE, SINDEPOR e SERAM), do Conselho de Administração do SESARAM, do Governo Regional e da sua Assembleia Regional, reconheceu a necessidade de clarificação de diversas especificidades e assumiu a correção de injustiças, ambiguidades e omissões decorrentes da legislação. A RAM consagrou ainda, a título excecional, a atribuição de RELEVANTE na avaliação de desempenho aos enfermeiros do SESARAM, EPE, no biénio de 2019-2020, reconhecendo que a pandemia por Covid-19 exigiu um elevado esforço dos profissionais, nomeadamente os enfermeiros. Sendo esta uma matéria da exclusiva responsabilidade da Assembleia da República e estando em causa o princípio constitucional de “(…) para trabalho igual salário igual” e uma discriminação territorial dos restantes enfermeiros que trabalham no SNS, a ASPE tem em curso a petição “Enfermeiros reclamam descongelamento da carreira e avaliação de desempenho igual aos Enfermeiros da Região Autónoma da Madeira”, que já recolheu mais de 11.430 assinaturas.
Neste momento, aguardamos a tomada de posse do Presidente da Assembleia da República para entregar a petição, que depois de admitida terá que ser discutida em plenário da AR.
TODOS OS ENFERMEIROS estiveram presentes para cuidar dos portugueses e este é o momento para REPOR A JUSTIÇA e RECONHECER efetivamente o seu empenho e dedicação. Por isso, apelamos a todos os portugueses que apoiem a exigência por justiça para todos os enfermeiros e assinem a nossa petição em www.aspe.pt

https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT109928&fbclid=IwAR0lTj3c1vf48eypBsC2kQ-W4HhOOybgbq2X8YxGTLs-F2sEbyHYSiIM7Fo

 

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