Não há transição digital sem competências
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) prevê cerca de 2,8 mil milhões de euros para a transição digital. O investimento será repartido por três pilares estratégicos: “escola digital”, “empresas 4.0” e “Administração Pública digital”. Para as “empresas 4.0”, estão alocados cerca de 23% dos fundos, o que representa 650 milhões de euros. O grosso do investimento vai para a Administração Pública, que receberá 58% dos fundos para a transição digital, ou seja, 1.670 milhões de euros. A “escola digital” fica com 19% dos fundos, num total de 538 milhões de euros.
Há, portanto, um maior investimento do PRR na transição digital da Administração Pública do que em igual processo no tecido empresarial. Contudo, se forem bem aplicadas, as verbas destinadas à digitalização da máquina do Estado podem melhorar o ambiente de negócios e, consequentemente, favorecer as empresas. A transição digital da Administração Pública potencia a qualidade dos serviços públicos, a simplificação dos processos burocráticos e a redução dos custos de contexto.
Numa altura em que Portugal se prepara para receber um novo pacote de fundos europeus, a eficiência da Administração Pública ganha uma importância acrescida. Há que evitar a morosidade na análise, avaliação e acompanhamento dos projetos verificada nos anteriores quadros comunitários. Isto implica clarificar a informação sobre os incentivos, agilizar as candidaturas aos concursos e otimizar o funcionamento das entidades competentes. Ora, para concretizar tudo isto, é fulcral a digitalização da Administração Pública.
No que toca diretamente à transição digital do tecido empresarial, o PRR promete requalificar 36.000 trabalhadores, apoiar 30.000 PME, criar 10 aceleradoras digitais, capacitar 4.000 empresas com formação e consultoria em Indústria 4.0 e emitir vouchers para 3.000 startups. Trata-se de um apoio de largo espectro e que vai ao encontro das principais lacunas do tecido empresarial, designadamente a falta de competências digitais.
Apenas 26% dos trabalhadores portugueses têm competências digitais na ótica do utilizador e só 12% dispõem de competências avançadas, de acordo com o Índice de Digitalização da Economia e da Sociedade 2020. Há largas franjas da população que não sabem realizar tarefas básicas como enviar um e-mail ou fazer uma videochamada. Mas a situação é ainda mais preocupante no que se refere a competências mais complexas, como o domínio da inteligência artificial, do big data ou da automação.
Por conseguinte, há que investir fortemente em programas de formação e capacitação empresarial, tendo em vista a promoção da literacia e inclusão digitais e a qualificação digital mais especializada. Este desafio deve mobilizar as empresas e as diferentes instâncias de poder, não só a Administração Central como os próprios municípios. Por estarem mais próximas das empresas e serem um fator de dinamização das economias locais, as autarquias têm um papel fundamental quer na recuperação socioeconómica pós-pandemia, quer na transição para um modelo de desenvolvimento mais digital.
No atual contexto pandémico, os apoios dos municípios são importantes para as empresas retomarem as suas atividades e relançarem o investimento. Mas, numa perspetiva mais ampla, interessa também que as autarquias promovam a qualificação dos ecossistemas empresariais locais e, desta forma, acelerem a sua transição digital. Consciente disto mesmo, a ANJE tem em curso, em parceria justamente com municípios, o programa de capacitação digital de empresas REINVENTA.
Convém, contudo, que os novos fundos não impulsionem apenas a digitalização das empresas, ou seja, a mera simplificação, otimização e automação de operações através das tecnologias digitais. Devemos ambicionar uma verdadeira transformação digital nas empresas, o que implica a alteração profunda de processos, competências e modelos de negócio com vista ao reforço da produtividade e da competitividade.