Enfermagem na Era da Modernidade!

Enfº Sérgio Serra, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da ASPE

 

“O cuidar autêntico não pode ser reduzido ao que se mede …”

 

A profissão de enfermagem, na sua essência mais profunda, transcende a mera técnica para se inscrever numa matriz de resistência humanista. Não se esgota na repetição dos gestos codificados, nem se dilui na impessoalidade dos sistemas. Pelo contrário, afirma-se como um ato revolucionário, que desafia a lógica da mecanização dos cuidados, insurgindo-se contra a objetificação do corpo e a fragmentação da existência. Num tempo saturado por algoritmos e registos desprovidos de alma, a profissão de enfermagem ergue-se como um contraponto radical, restituindo ao cuidar a sua dimensão mais autêntica: a de um encontro singular entre seres humanos!.

Surpreendentemente, ou talvez não, muitos ainda não saberão que o Enfermeiro não é um mero executor de protocolos, mas antes um arquiteto da dignidade humana. Atravessa fronteiras invisíveis, decifra silêncios e escuta o indizível!. Enquanto a sociedade persiste na redução da saúde a um jogo de estatísticas, ele recorda que cada utente é um universo, uma narrativa irrepetível que não pode ser reduzida a simples códigos ou números. Neste gesto de acolhimento, resgata a essência do cuidar e inscreve-se no coração das mais ínfimas relações humanas!.

Seria pois um erro crasso que se encarasse esta profissão como sendo um mero serviço. Se assim fosse, desvanecer-se-ia na exaustão dos turnos, no peso das madrugadas infindas, na solitude que acompanha tantas vigílias!. No entanto, a profissão de enfermagem persiste como um ofício de iluminação: não cura apenas as feridas visíveis, como toca no que é invisível — na angústia do diagnóstico, no medo silencioso, na vulnerabilidade absoluta de quem se entrega aos cuidados alheios. O Enfermeiro sabe como ninguém que a dor não é meramente biológica, mas também existencial e que o gesto mais poderoso pode ser aquele que, sem palavras, se faz realmente sentir.

Acredito também que esta profissão se situa numa intersecção singular. Não pertence integralmente a nenhuma instituição ou estrutura formal, mas habita um espaço de transição, onde se cruzam a fragilidade e a esperança!!. Cada doente não é um ficheiro clínico, um número de internamento ou um caso a ser resolvido, mas antes uma constelação de experiências, de memórias e de anseios. E é neste preciso ponto que a profissão de enfermagem se torna uma arte: um ofício que escuta, que compreende, que devolve a dignidade aos que dela mais necessitam. Uma grandeza cuja prática reside no olhar que percebe para além do sintoma, na escuta que transcende a dor manifesta, na compreensão de que a saúde não se define apenas pelo equilíbrio dos sinais vitais, mas também pelo reconhecimento integral do ser humano. Na sua essência o Enfermeiro ambiciona ser um tradutor das experiências mais indizíveis da condição humana, um leitor de gestos e um decifrador de silêncios!!.

 

 

 

 

Que fique bem claro aos eventuais leitores mais desatentos que a arte do cuidado não se aprende nos compêndios nem se ensina nos moldes convencionais. Não é uma competência linear, mas antes um saber que se refina na observação atenta, na experiência vivida, no confronto com a complexidade do sofrimento humano. O Enfermeiro não é apenas um agente de saúde, mas também um narrador de histórias por contar, um guardião do tempo suspenso entre a esperança e a incerteza. E, nesse espaço intermédio, redefine o significado de cura, compreendendo que esta nunca é um ato isolado, mas antes uma relação continuada de presença e de entrega.

Num mundo profundamente obcecado pela quantificação, onde o valor de um gesto parece medir-se pela sua eficiência imediata, a profissão de enfermagem reafirma uma verdade inegável: o cuidar autêntico não pode ser reduzido ao que se mede porque sabe que a transformação mais profunda não acontece apenas no corpo, mas também na alma, na relação com o mundo, na reintegração do ser humano na sua totalidade!!. Razões suficientes para que possa afirmar que esta profissão não pode ser subjugada a uma lógica meramente instrumental. Representa o limiar entre a vida e a morte, o espaço onde a fragilidade se encontra com a coragem, onde o sofrimento se torna, paradoxalmente, um ponto de reconstrução!. E é neste silêncio denso que a verdadeira arte do cuidar se manifesta: no toque que protege, no olhar que acolhe, na palavra que devolve serenidade!.

Além de tudo isto, esta abordagem da profissão de enfermagem constitui um pilar essencial para a redefinição da gestão dos serviços de saúde. Estou absolutamente convicto que um sistema que reconhece e valoriza esta dimensão humana não se limita apenas a fortalecer os cuidados prestados, como também a própria eficiência do serviço prestado. Quando se integra a sensibilidade do cuidar nas práticas de gestão, os processos tornam-se mais ágeis, a comunicação entre equipas aprimora-se e a excelência dos cuidados de saúde transcende significativamente as métricas convencionais.

Uma profissão exigente e notável que, por ser profundamente dinâmica e adaptativa às realidades emergentes da nossa contemporaneidade, se encontra numa constante metamorfose!. No seu aparente silêncio, ela carrega uma revolução silenciosa: a de recordar ao mundo que o ser humano não é um conjunto de funções a serem monitorizadas, mas antes um ser pleno de histórias, de emoções e de experiências inigualáveis.

 

Enfº Sérgio Serra, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da ASPE.

 

 

 

 

 

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