Compromisso e luta pela dignidade dos Enfermeiros Portugueses

A Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) tem-se destacado na defesa dos direitos e da valorização dos profissionais de enfermagem em Portugal. Em entrevista, a Enfª Lúcia Leite, Presidente da ASPE, considera imperativo garantir condições de trabalho justas e dignas e salários adequados a estes profissionais que desempenham um papel central no atendimento à população.

 

 

Enf.ª Lúcia Leite, Presidente

 

 

A ASPE foi constituída em 2017 com o objetivo de representar os profissionais de enfermagem legalmente inscritos na Ordem dos Enfermeiros. Que balanço faz destes sete anos de existência da ASPE?

Em 2017, um pequeno grupo de enfermeiros, cansados de observar a degradação paulatina das condições laborais dos enfermeiros portugueses e de suportar os muitos anos de ineficiência por parte das habituais estruturas sindicais, à data incapazes de responder às reais necessidades da profissão, entenderam dar um passo em frente e construir uma associação sindical que procurasse responder aos problemas reais da profissão, suportados em ações mais exigentes e competentes e que tivessem como principal foco os interesses reais da profissão e dos seus profissionais.

Importa realçar que este grupo estava, absolutamente, consciente que este era um desafio único e, extremamente, difícil de concretizar. Mas, mesmo estando conscientes de todas as adversidades que teriam de enfrentar, havia a necessidade de se passar das palavras aos atos!

A ASPE é o primeiro sindicato de nova geração, que foi constituído para contrariar a representatividade sindical tradicional, muitas vezes, subjugada aos interesses político-partidários e organizados em centrais sindicais com ligações muito próximas aos poderes e contrapoderes ao governo em funções. Hoje, apesar de terem sido constituídos mais três sindicatos depois da criação da ASPE, continuamos a ser o único que se mantém fiel à separação de poderes, o que nos diferencia dos demais e nos dá mais liberdade, isenção, força e representatividade.

Porém, constituir um sindicato sem apoios externos é uma grande aventura! Em sete anos, fizemos tudo do zero, criámos os Estatutos e os Regulamentos, estruturámos os serviços, estudámos o enquadramento legal, definimos o rumo e a visão das condições de trabalho necessárias à profissão, para os enfermeiros projetámos as ações reivindicativas e CRESCEMOS! Este ano, mudámos de sede e melhorámos as condições de trabalho para as nossas quatro colaboradoras dos serviços administrativos, dispomos de um Gabinete Jurídico com duas Advogadas, praticamente em dedicação exclusiva, com larga experiência em contencioso judicial na defesa dos nossos associados. CRESCEMOS muito como organização, mas o que mais nos orgulha é poder afirmar que a presença da ASPE fez sempre a diferença em todos os momentos que contribuíram para melhoria das carreiras de enfermagem.

E que momentos gostaria de destacar?

Em 2017, a profissão estava estagnada em resultado de uma alteração de carreira em 2009 que colocou todos os enfermeiros numa categoria única. Nesse ano, participámos na nossa 1ª manifestação a 15 de setembro, apoiámos o Movimento ESMO, em 2018 apresentámos uma proposta de carreira com três categorias e, após, muitas ações de luta individuais e conjuntas com outros sindicatos, de que destaco a Marcha Branca e as duas Greves Cirúrgicas, conseguimos, em 2019, voltar a ter uma carreira pluricategorial, com conteúdo funcional reforçado para cada categoria.

Para este resultado, foi importante o reconhecimento prévio do exercício especializado com a atribuição de um suplemento remuneratório que, apesar de valor diminuto em relação às responsabilidades assumidas, assegurou o reconhecimento da diferenciação. Também o processo de descongelamento das carreiras com a Lei do Orçamento de Estado de 2018 trouxe grandes desafios para se conseguir harmonizar os mesmos direitos aos enfermeiros do SNS contratados ao abrigo do Código do Trabalho, só conseguido em 2022. Atualmente, apesar de estarmos em negociação com o Governo para proceder à 3ª alteração das carreiras que corrija as omissões, incoerências e prejuízos causados pela redação legislativa de 2019 e valorize a tabela remuneratória para todas as categorias, podemos afirmar que os enfermeiros são os únicos trabalhadores da administração pública, cujo recrutamento pode ser feito diretamente para qualquer categoria. Um paradigma adaptado aos desafios futuros que vão exigir flexibilidade e dinâmica na contratação e captação de enfermeiros experientes. Tem sido um caminho árduo, onde nem sempre se consegue justiça relativa entre enfermeiros! Mas não desistimos perante as adversidades!

 

 

 

 

Que importância assume a Enfermagem em geral e o papel do Enfermeiro, em particular, na prestação de cuidados de saúde numa sociedade com necessidades crescentes e cada vez mais envelhecida?

Os enfermeiros são os profissionais de saúde que promovem a adaptação das pessoas às suas situações de saúde/doença, no seio da família, dos vários contextos de vida e na comunidade em que se encontram inseridas, o que os coloca numa posição de pivot na gestão e articulação com a equipa multiprofissional de saúde.

Com o envelhecimento da população, o aumento dos anos de vida com doença e o incremento das dependências físicas e das alterações cognitivas a necessidade de cuidados de enfermagem é essencial na vida de cada um de nós. Mais do que de tratamentos, vamos precisar com o avançar da idade, de apoio nas atividades de vida diária, de orientação e suporte aos cuidadores informais e de quem nos cuide com respeito, atenção e sentido ético apurado – ou seja, vamos precisar de enfermeiros!

Uma realidade que é transversal a todas as geografias mundiais, tal como a carência de profissionais de enfermagem!

Portugal, tem de abandonar rapidamente o sistema de saúde centrado no tratamento e no médico, para uma organização onde as pessoas e as suas necessidades sejam o foco de atenção. Qualquer pessoa com sintomas de doença ou desconforto precisa de ser atendida em tempo útil, até para que se possam prevenir complicações futuras, mas não necessariamente por um médico! Um enfermeiro está preparado para avaliar a situação, orientar, gerir o regime terapêutico ou encaminhar a pessoa para o profissional mais qualificado para responder às necessidades identificadas.

Apostar na promoção da saúde e na prevenção da doença também tem de ser um desígnio nacional! Muito em breve, até os países mais ricos, onde Portugal não está incluído, vão declarar incapacidade financeira para manter sistemas de saúde universais e a baixo custo para os doentes. Prevenir as doenças e dependências é a solução, mas isso implica o compromisso da sociedade com estilos de vida saudáveis.

A valorização do Enfermeiro, à semelhança de outros profissionais de saúde, está na ordem do dia. Que medidas se tornam prementes adotar no sentido da revisão da carreira e que impacto poderiam vir a ter no Serviço Nacional de Saúde (SNS)?

A luta pela valorização da carreira de enfermagem é uma batalha antiga e que não se pode perder nesta fase! Mais que o incremento salarial justo e em paridade com os restantes profissionais de saúde, os enfermeiros querem justiça nas progressões, condições de trabalho dignas e que garantam que o SNS deixa de perder profissionais motivados e qualificados. Os enfermeiros portugueses são dos mais procurados em todos os cantos do mundo pela sua competência e dedicação, por isso a única forma de reter em Portugal os nossos enfermeiros será o Governo trabalhar para que eles se sintam valorizados.

Que mensagem final gostaria de dirigir ao público em geral e aos Enfermeiros?

Uma sociedade que não reconhece adequadamente os seus enfermeiros, que os sujeita a condições de trabalho desumanas e que ignora as suas reivindicações é uma sociedade que trai os seus próprios princípios de justiça e bem-estar.

Aos enfermeiros quero deixar uma palavra de esperança, que acabe com o conformismo que aceita uma posição secundária dentro do setor da saúde, e os una em torno da defesa dos seus interesses e da profissão.  Juntem-se à ASPE e venham reforçar a luta por condições trabalho mais justas e o reconhecimento do valor real da profissão.

 

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