Digitalização e paridade de género: o futuro da advocacia

Em 1918 as mulheres viram garantido o direito de acesso à advocacia através da publicação de um diploma e, apesar de ser um processo lento e gradual, “é notória a presença cada vez mais forte das mulheres”. Dulcinda Guarita, Advogada e Partner da SCA Global Sociedade de Advogados, nunca sentiu, por parte dos seus sócios, qualquer tratamento diferenciado por ser mulher e assumir um cargo de liderança, como nos confidencia em entrevista à Revista Business Portugal.

A Dulcinda Guarita licenciou-se em Direito em 1995 pela Universidade Autónoma de Lisboa e exerce a atividade de advocacia desde 1997. Porquê a área do Direito?

Junto “dos meus mais próximos”, sempre me identificaram como uma pessoa de convicções. Reporto-me à altura da minha vida em que ainda não equacionava ser advogada. Se acredito, vou até ao fim, não desisto. Defendo, argumento e, preferencialmente, só dou o discurso por concluído quando sinto que fui suficientemente convincente. Essa satisfação interior foi-me suscitando a vontade de a transpor para a vida profissional.

Não menos determinante na escolha desta área, foi a atração que sinto em acolher e defender as causas alheias como se fossem as minhas. Em complemento, o facto de nutrir um especial interesse pela leitura e pela escrita, levou-me a encarar o Direito como uma forma de corporizar em termos profissionais, todas estas características pessoais. Para mim, sempre foi um objetivo prioritário exercer uma profissão em que me sentisse realizada.

A independência pessoal e profissional da mulher permitiu-lhe passar a exercer profissões que durante séculos foram referenciadas como sendo exclusivamente masculinas, como a Advocacia. Na sua perspetiva que características emocionais foram determinantes para essa conquista?

Existem caraterísticas emocionais e intelectuais, divergentes nos homens e nas mulheres.  Empatia, afetuosidade e intuição, são algumas das caraterísticas muito presentes na mulher. Naturalmente empática, a mulher coloca-se no lugar dos outros com muita facilidade, o que contribui para uma lúcida escolha da estratégia a seguir em cada processo.

Também a afetuosidade é imprescindível para, numa primeira fase, conquistar a confiança dos Clientes. Por fim, a intuição, esta perceção instintiva que faz parte da mulher, tem-se revelado fundamental na resolução de determinados litígios judiciais e extrajudiciais.

A base de dados Pordata de 2021, indica que as mulheres ultrapassaram em 30 anos os homens, em profissões que eram culturalmente masculinas, como a advocacia. Enquanto mulher e advogada é um orgulho ver esta crescente mudança de mentalidades?

É um privilégio viver numa época em que mudanças de mentalidade estão a ocorrer velozmente. Simultaneamente um orgulho em, espero, estar a contribuir para que tal aconteça. O facto de as mulheres estarem a ultrapassar os homens em determinadas profissões, não é por si só positivo. Esta realidade só assume destaque porque um dia, o cenário foi o contrário. O que é de louvar é a tendência de deixar de existir essa imparidade.

No meu caso em concreto, nunca senti por parte de nenhum dos meus três sócios, todos eles homens, qualquer tratamento diferenciado em relação à minha pessoa, pelo facto de ser mulher e assumir um cargo de liderança. De igual modo, na SCA 75 por cento dos seus elementos são mulheres.

Desde 2010 que é sócia da SCA Global Sociedade de Advogados e atua nas áreas de contratos, família e sucessões, imobiliário, penal, recuperação de crédito e atos notariais do advogado. Após várias experiências na área, sentiu necessidade de abraçar um novo projeto?

A minha integração na SCA Global não se revelou um novo projeto, antes uma nova fase de um mesmo desafio que já decorria.

O projeto profissional a que me propus iniciou-se em 1997, altura em que abri um escritório em Loures, exercendo advocacia em prática isolada e de forma ininterrupta. Foi assim que com apenas 25 anos abracei o meu projeto. Com o volume de trabalho em crescendo, era imperioso arranjar uma solução que me permitisse aumentar a minha capacidade de reposta, de me apoiar numa estrutura mais coesa, de consolidar e fortalecer as minhas apetências e aptidões, tudo com vista a prestar um serviço ao Cliente, mais estruturado e abrangente.

Após conhecer os meus atuais sócios, rapidamente percebemos que partilhávamos os mesmos objetivos profissionais e encarávamos o exercício da advocacia com o mesmo sentido de responsabilidade e seriedade. Seguiu-se a formalização da intenção.

Constituída em 2000, a SCA é uma sociedade multidisciplinar que presta apoio geral e transversal, abarcando a grande maioria das valências do direito, na procura de resposta às necessidades dos Clientes. Qualidade que se traduz na antiguidade de muitos beneficiários, a maioria PME´s líderes nos segmentos em que se inserem, que confiam no vosso trabalho?

Não obstante o apoio jurídico que prestamos, transversal às diversas vertentes do Direito, consideramos que para oferecer um serviço de excelência como é o nosso lema, é fundamental uma estrita organização interna que passa por, entre outros aspetos, canalizar cada um dos seus membros para determinadas áreas do direito, com vista a uma tendente especialização prática de cada um de nós, o que vem sucedendo.

Estes nossos esforços têm produzido os seus resultados e sem dúvida que a melhor forma de avaliarmos a qualidade do nosso trabalho é reconhecermos a antiguidade da carteira de Clientes que temos. A fidelização dos nossos Clientes, traduz o seu grau de satisfação.

Essa realidade deixa-nos congratulados, pois saber que empresários de sucesso depositam em nós a confiança necessária e encaram-nos como parceiros na sua vida empresarial, é a melhor recompensa que podemos ter.

Em 2015 a SCA passou a ser o membro português da ABL – Alliance of Business Lawyers, integração que lhe permite garantir, em qualquer parte do mundo, o mesmo serviço personalizado e otimizado. Manter ligações estreitas com escritórios de advogados, nacionais e internacionais é sinónimo de prestígio?

É um facto. Quando a ABL, uma associação de sociedades de advogados de todo o mundo, nos convidou para sermos os seus únicos representantes em Portugal, foi uma honra. Desde então a SCA Global tem mantido relações de proximidade e parcerias, recorrendo variadíssimas vezes a esta estrutura, não só para acompanhar os seus Clientes de uma forma mais abrangente e personalizada em qualquer parte do mundo, como também para apoiar os restantes membros da ABL sempre que os seus serviços nos são solicitados.

Em 2017 a ABL realizou uma conferência internacional em Lisboa, tendo a SCA Global sido a anfitriã, recebendo advogados de todo o mundo.

Mais recentemente, e num claro reconhecimento do trabalho que temos vindo a desenvolver, a SCA, na pessoa de um dos seus sócios, passou a fazer parte do Conselho Executivo da ABL.

Consciente dos desafios que Portugal sistematicamente enfrenta, a SCA tende a procurar soluções simples, objetivas e imediatas. Que mudanças foram necessárias aplicar com a chegada da pandemia?

A reorganização do trabalho com vista à minimização do risco de transmissão de infeção da doença COVID-19, com a rapidez que se impunha, implicou um esforço conjunto. Internamente, foram asseguradas todas as medidas de higiene, etiqueta respiratória e distanciamento físico, designadamente através de distribuição de álcool-gel, da disponibilização de máscaras quer aos seus membros quer a Clientes e Colegas que compareciam, não obstante as reuniões com estes se realizassem por videoconferência, sempre que possível. Investimos nas condições técnicas e informáticas necessárias, para corresponder ao apelo dos Tribunais em realizar diligências judicias à distância. Recorremos ao teletrabalho com 90 por cento dos nossos colaboradores e aplicamos horários desfasados entre aqueles que obrigatoriamente tinham de se deslocar ao escritório, sendo que nessas alturas assegurávamos transporte particular para essas deslocações de forma a excluirmos o uso de transportes públicos.

Felizmente em Portugal, muitas mulheres são exemplos de Liderança de sucesso com cargos de Direção nas Organizações e grande exemplos de Empreendedorismo nacional. A digitalização e paridade de género serão cenário reais da advocacia do futuro?

Ninguém fica impune ao poder da digitalização. A advocacia, de hoje, de amanhã, não é exceção e tem sido alvo de mudanças dantescas, como resultado. A tecnologia digital veio e irá facilitar a prática da advocacia em todas as suas vertentes. Hoje, e seguramente ainda mais no futuro, temos plataformas digitais extremamente eficazes que contribuem para o exercício da advocacia cada vez mais à distância, mas garantindo a necessária segurança no sistema judiciário.  

Quanto à paridade de género, apesar de o mundo judicial estar preenchido de elementos femininos, reconheço que a igualdade de género, principalmente na progressão da carreira, nos rendimentos auferidos, no acesso a cargos de topo, ainda é um problema. Portugal encontra-se abaixo da média da União Europeia em termos de paridade de géneros. As normas culturais e sociais, surgem como barreiras à incrementação da paridade de géneros. É notória, no entanto, a presença cada vez mais forte das mulheres. Este é um processo lento e gradual que dará a curto prazo os seus frutos, promovendo a igualdade de género e o combate à discriminação.

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