Ainda vamos a tempo de inverter o cenário!

O grande desafio do país é o do crescimento económico, alicerçado em acréscimos sustentados de produtividade, quer laboral quer dos materiais, tendo em conta a sustentabilidade do planeta, que em ambos os casos rondam dois terços da média europeia.
Nas duas últimas décadas, o nosso país divergiu face ao nível de vida médio europeu, tendo sido ultrapassado por cinco países que aderiram mais tarde à União Europeia. Na década de 2000 fomos ultrapassados pela República Checa, Eslovénia e Malta e na década de 2010 pela Lituânia e Estónia. Portugal continuou a divergir no ano 2020 e este ano de 2021 será ultrapassado por mais dois países: a Hungria e a Polónia, segundo as previsões de outono da Comissão Europeia. Apesar de em 2022 as previsões apontarem para uma ligeira convergência, em 2023 seremos ultrapassados pela Roménia – recuando para a 22ª posição e tornando-nos, assim, o 6º país mais pobre da União Europeia, apenas acima da Letónia, Eslováquia, Croácia, Grécia e Bulgária. Este cenário concretizar-se-á se Portugal não conseguir elevar rapidamente o ritmo de crescimento face aos pares europeus. Creio que, com ambição e políticas públicas adequadas, ainda vamos a tempo de inverter este cenário. Para isso, temos de atuar sobre a questão central da produtividade, que conduz à necessidade de mais investimento, em capital físico e em capital humano, isto é, na (re)qualificação das pessoas. Precisamos de investir em tecnologia, inovação e I&D, que constituem importantes determinantes de ganhos de produtividade e criação de valor. Precisamos de continuar a promover a partilha de conhecimento entre o Sistema Científico e Tecnológico e as empresas. Os indicadores do European Innovation Scordeboard continuam a demonstrar que há ainda muito a fazer. A baixa qualificação dos ativos (empregados e empregadores), que era já um enorme desafio pré-pandemia, surge agora com relevância acrescida, para dar resposta à dupla transição digital e climática e aos processos de inovação. Com redobrada preocupação, as qualificações são ainda mais baixas no caso da indústria transformadora, o que é muito penalizador tendo em conta a necessidade da reindustrialização do país. Precisamos de uma estratégia de valorização do sector industrial que permita inverter o baixo peso da indústria transformadora no VAB e no investimento (nomeadamente no IDE), que muito condiciona um crescimento económico robusto e duradouro.
A AEP apresentou em 2020 um Programa Estratégico para a Valorização da Indústria Portuguesa, intitulado: Portugal Industrial 5.0 (PT i 5.0), que estabelece a meta de, numa década, aumentar o peso do VAB industrial no VAB total da economia a uma média de um ponto percentual ao ano, concretizada através da atuação em cinco dimensões de capacitação:
• Tecnológica (Inovação, I&DT).
• Competências (Formação e (Re)qualificação).
• Eficiência Empresarial (Produtividade, Competitividade, Internacionalização, Comercialização e Marketing).
• Financeira (Capitalização e Diversificação das Fontes).
• Capacitação das Entidades Associativas de Apoio à Indústria.
Esta é claramente uma estratégia acertada, pelo impacto muito significativo:
• Na criação de emprego (por cada emprego criado na indústria transformadora são criados três em serviços agregados).
• No aumento do investimento em tecnologia inovadora.
• No aumento da intensidade exportadora da economia, sendo por excelência um sector de bens transacionáveis internacionalmente.
• Na melhoria do saldo externo, pelo aumento de exportações e, simultaneamente, pela substituição (competitiva) de importações.
• Na promoção da circularidade e descarbonização da economia, tendo em vista o desafio da transição climática.
• Na redução da dependência de alguns mercados externos relativamente a determinadas matérias-primas e produtos, que hoje se revela um enorme constrangimento, face às perturbações nas cadeias de fornecimento globais, onde estamos a assistir a um acréscimo brutal de preços, que agravam os custos de produção e que, no limite, impedem as empresas de laborar.
O PT i 5.0 envolve um montante global de dez mil milhões de euros, que deve ser co-financiado pelo Quadro Financeiro Plurianual – não tendo sido no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), terá de o ser no Portugal 2030. Defendo, ainda, que devemos promover em Portugal um evento de grande dimensão inteiramente dedicado à indústria transformadora, pela capacidade que este sector tem de produzir um enorme efeito de arrastamento a montante e a jusante da sua atividade. Naturalmente, uma boa eficácia de um programa estratégico para a indústria exige, em complementaridade, uma envolvente favorável ao desenvolvimento dos negócios. Dos contactos permanentes que tenho com as empresas e nos inquéritos mensais que realizamos na AEP, entre os principais constrangimentos reportados destacam-se: a enorme carga fiscal; a elevada e crescente burocracia; as dificuldades de acesso ao crédito; os incipientes instrumentos para resolver o problema da baixa capitalização das empresas; a baixa qualificação dos ativos e a crescente falta de mão-de-obra especializada; a morosidade e complexidade da Justiça e do seu funcionamento; e a legislação laboral rígida e desajustada a um mercado de trabalho em acelerada transformação. Neste último ponto, sublinho o alerta que a OCDE, no seu Economic Outlook de dezembro, dirigiu a Portugal: “Importa evitar uma reversão das reformas introduzidas no mercado de trabalho no passado, sob pena de se comprometer uma recuperação sustentável. (…) O governo deverá ainda evitar (…) um rápido aumento do salário mínimo nacional, que (…) agravaria os custos da mão-de-obra, baixando a competitividade a longo prazo”.
É, pois, desejável que as políticas públicas atendam às preocupações dos empresários e aos alertas das instituições internacionais.
Ao contrário do que sucede com o PRR, o Portugal 2030 terá de priorizar o tecido empresarial privado – quem fundamentalmente cria riqueza e emprego, exporta e contribui para o equilíbrio externo e orçamental.
Terá também de apoiar o movimento associativo empresarial, que desenvolve diversas iniciativas para a promoção da internacionalização e melhoria da competitividade das empresas. Atendendo a que nos últimos 15 anos o nosso país tem vindo a aumentar o número de micro e pequenas empresas, é cada vez mais necessário um tecido associativo capacitado para o seu apoio de proximidade.

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