“Acredito no modelo de liderança colaborativa e na inteligência coletiva”

Helena Ferro de Gouveia assume-se uma pessoa de pessoas, empática, comunicadora assertiva, que coloca o máximo empenho em tudo o que faz. Em entrevista à Revista Business Portugal, salienta que o seu modelo de liderança assenta numa lógica colaborativa, através de uma comunicação clara do que se pretende, com o intuito de envolver as equipas e de as valorizar.  

Helena Ferro de Gouveia, Administradora Lusa e GMG, Head of Communication Grupo Bel

    

Quem é a Helena Ferro de Gouveia? O que a inspira e motiva diariamente enquanto mulher? Quais são as palavras que a definem a sua essência? Como consegue criar um equilíbrio entre a esfera pessoal, social e profissional?

Defino-me como Mulher, Mãe e Profissional que põe paixão em tudo o que faz. Um dos meus poemas preferidos de Herberto Helder é precisamente sobre a paixão grega: “Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios, quando alguém morria perguntavam apenas: tinha paixão?”. A paixão de criar, de me concentrar nas oportunidades e não nos problemas, de provocar mudanças positivas e repartir os créditos pelas equipas é o que me inspira e motiva dia após dia. Na minha essência diria que sou uma “pessoa de pessoas”, empática, uma comunicadora, assertiva e que põe o empenho máximo em tudo. A conciliação da vida familiar e pessoal com a profissional nem sempre foi fácil, sobretudo quando as minhas filhas eram pequenas, valeu-me o apoio incondicional do pai delas, um feminista, da minha mãe e uma organização rigorosa. Sou muito disciplinada e organizada, o que me permite gerir os “ladrões de tempo”, mas combino-o com flexibilidade. Mantive sempre a rotina de ter tempo para os meus amigos, para assistir a um concerto ou a uma ópera, ou para fazer o que dá prazer como saltar de paraquedas.


Como descreve o seu percurso? Viveu algum tempo na Alemanha, que mais-valias lhe trouxeram os anos em que experienciou uma vida naquela que é a principal economia europeia e que tem um peso diplomático muito forte?

Vivi duas décadas na Alemanha e regressei a Portugal há cinco anos. Sei que fui uma privilegiada, porque tive a oportunidade de trabalhar numa organização multicultural, com pessoas de mais de cem países e onde havia mais de 30 línguas oficiais. Dei durante esse período umas duas voltas ao mundo podendo trabalhar em todos os continentes com excepção do australiano e fiz “n” formações de excelência. O que me trouxe a Alemanha? Rigor, trabalhar com exigência e standards de qualidade, zero desculpas, a procura constante de soluções que sirvam o bem comum e da organização, o acesso a pessoas/locais/viagens/conferências que de outra forma não teria. E o ter uma visão de mundo e do mundo não periférica.

 

Helena Ferro Gouveia é Head of Corporate Communications no Grupo Bel há cerca de três anos. Quais os principais desafios com que se defrontou na liderança do departamento de comunicação de um grupo que tem crescido e diversificado o seu portfólio de áreas de negócio, sendo hoje uma referência?

O Grupo BEL tem vindo a tornar-se num grupo empresarial de referência adotando as melhores práticas internacionais em questões ambientais – a nossa frota é parcialmente elétrica há vários anos e caminhamos para a electrificação   total – e género, de combate à corrupção e com uma constante preocupação com o bem-estar dos seus colaboradores. Sofreu neste processo as normais “dores de crescimento” e é este é o principal desafio do departamento que lidero e que assenta na compreensão das quatro competências de liderança que todas as organizações necessitam: dar sentido ( interpretar/traduzir os desenvolvimentos e a evolução da empresa), construir relação (materializar a máxima que as empresas são o resultado das suas pessoas), inovar e visionar (mais do que olhar apenas para o que somos, importa olhar para o que queremos ser, que pegada queremos como organização). Tenho uma equipa fantástica a trabalhar comigo, porque acredito no modelo de liderança colaborativa e na inteligência coletiva.

 

A Helena assume que a sua principal preocupação são as pessoas, porque as empresas são feitas de pessoas. Como define a sua liderança? Como motiva as suas equipas?

Pense nas empresas que mais admira, é o que eu costumo fazer, e nelas há um traço comum: vestir a camisola. Como é que isso se consegue? Não é liderando como um cavaleiro num alazão branco que veio salvar tudo e todos, não acredito na figura do homem ou da mulher providencial. Consegue-se liderando de forma colaborativa, respeitando os colaboradores, olhando para os seus perfis e competências e colocando-os na função adequada, elogiar publicamente e dar feedback menos positivo apenas a quatro olhos, dar o exemplo, indicar o caminho, corrigir. Diria que a minha liderança assenta numa comunicação clara do que se pretende, do envolver as equipas e as valorizar e, sobretudo, também em muito sentido de humor.

Deixe-me só fazer uma nota adicional a autoridade informal, que é conquistada e não imposta, é muito mais poderosa que a autoridade formal. Entender isto facilita a vida a qualquer gestor, que mais do que gestor quer ser um líder e lidar com a mudança, como sabemos quem não muda morre.

A liderança no feminino centra-se na capacidade de resolução de problemas de forma criativa e inovadora, autoconfiança, espírito de iniciativa, influência e resiliência, sem esquecer o poder da comunicação e a inteligência emocional. Revê-se nestas palavras e características?

Revejo. As mulheres líderes são aquilo que na psicologia social se chama “líderes transformacionais”.  Porquê? Porque declaram objetivos futuros, planeiam o caminho para os alcançar, inovam e conquistam pela confiança, não pela imposição. Os atuais estudos sobre liderança sugerem que o estilo de liderança mais adequado para as organizações modernas é a transformacional. Parece paradoxal, mas as mulheres ocupam o pódio das melhores alunas, já são a maioria em algumas licenciaturas como a de Medicina ou de Direito, há vários estudos da Forbes que mostram que empresas lideradas por mulheres têm melhor desempenho e, no entanto, persistem os telhados de vidro, o Pay Gap e as múltiplas discriminações. Importa continuar com políticas públicas de discriminação positiva, vulgo “lei das quotas”, mas importa também que os CEO’s e Conselhos de Administração integrem mais mulheres como executivas, não apenas por uma questão de igualdade, mas por uma razão muito mais prosaica: porque é bom para a organização.

 

Assume funções na administração da Agência LUSA, é especialista em Comunicação, analista de Assuntos Internacionais, e agora também é comentadora da CNN Portugal. Conhecida pela sua enorme capacidade de liderança, demarca-se ainda pelo seu poder de análise. Todas estas vivências e desafios fazem-na sentir uma mulher/profissional realizada?

Muito realizada pessoal e profissionalmente, mas também agradecida a um conjunto de mulheres e homens que me fizeram crescer, quer na Alemanha quer em Portugal. Agora tento replicar sendo mentora de mulheres. As horas e horas de leitura, estudo, reflexão e de leitura de relatórios – leio tudo, até as notas de rodapé – assim como aquilo que chamo de “conhecimento do terreno) – graças às viagens – conferem-me uma vantagem competitiva. Acontece-me falar sobre determinado tema e não o ter apenas, leia-se este apenas entre aspas, nos livros, mas ter estado no país X ou Y e ter falado com os locais, com as organizações locais, o que dá a qualquer analista uma Weltanschauung mais profunda, ou pelo menos diferenciada.

A 26 de agosto assinala-se o Dia Internacional da Igualdade Feminina. Existem cada vez mais casos de sucesso de mulheres de negócios e empreendedoras. Mas, na sua opinião, o caminho continua a ser bastante dificultado para as mulheres ascenderem a cargos de topo? Há preconceitos sociais que são importantes quebrar? Que caminho ainda falta traçar?

A resposta a esta pergunta daria assunto não para uma, mas várias teses de doutoramento. São 41,5% de um total de cerca de 2,8 milhões de empregos no universo das empresas comerciais em Portugal, mas no que toca à liderança apenas 27% das mulheres ocupam esses cargos nas empresas nacionais. As disparidades de género agravam-se em empresas de grande dimensão, bem como em setores como o tecnológico, da construção e da energia.

A presidência do conselho de administração das sociedades anónimas é ocupada por mulheres em apenas 16,4% dos casos, que corresponde aos mesmos valores registados em 2019. E os cargos de direção-geral são ocupados por mulheres em apenas 13,1% dos casos, mais 1,7 p.p. do que em 2019.

Ou seja, as mulheres — embora possuam os níveis mais elevados de escolaridade — representam menos de um terço dos cargos mais altos das empresas. E a evolução registada parece não seguir uma trajetória rumo à paridade. Além disso, quanto maior é a dimensão da empresa em análise, menor a paridade em cargos de alta responsabilidade. Há identificadas pelo menos 37 barreiras à liderança feminina, burkas invisíveis que ainda persistem. Tal como os obstáculos passados que as mulheres tiveram que enfrentar, os atuais não são menos desconcertantes, dolorosos e stressantes. Sendo verdade que as alterações institucionais e as normas culturais se arrastam atrás das realidades sociais, importa acelerar a mudança por uma questão de justiça e igualdade, por ter impacto por exemplo nas taxas de natalidade (falta de apoio social adequado a mães e pais, oportunidades de carreira e proteção financeira para mães e pais que cuidem dos filhos) e por ser bom para a própria organização. Importa educar para aquilo que se pode apelidar como preconceito de género de segunda geração, que é a principal causa da sub-representação das mulheres na liderança. Este preconceito ergueu barreiras poderosas mas subtis, as tais burkas invisíveis. Exemplo? As mulheres ainda são consideradas “demasiado emocionais” para tomarem decisões difíceis, ou se um homem é assertivo é visto como um líder, uma mulher autoconfiante é tida por arrogante, abrasiva ou mesmo uma cabra.

 

A Helena Ferro Gouveia é um verdadeiro exemplo daquilo que é uma mulher líder e empreendedora. Que palavras gostaria de deixar àquelas que sonham fazer um percurso semelhante, mas que podem ter medo de arriscar?

Preparar-se, estudar, ser autoconfiante, aprender com os erros, apoiar outras mulheres sempre, e acreditar que não apenas é capaz, mas que merece.

 

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