A importância da prevenção em podologia na pessoa com diabetes
Na diabetes e nas diversas formas de que se revestem as suas complicações, a prevenção deveria ter sempre um lugar destacado. Dada a elevada prevalência de diabetes na nossa população (número de pessoas com diabetes por 100 mil habitantes) seria de esperar mais conhecimento no público em geral e mesmo nas pessoas afetadas pois a maioria das famílias terá algum parente com diabetes.
Uma das complicações mais temidas e gravosas desta doença é o “pé diabético” porque pode levar a uma amputação de membro inferior ou parte dele. As amputações são em regra precedidas por uma lesão ulcerosa muitas vezes não percebida pelo doente. É reconhecido que as amputações podem ser reduzidas em 50 a 85% através de medidas de prevenção, educação (informação) do doente e do pessoal cuidador, de tratamento atempado das úlceras e de uma vigilância regular.
Como profissional do CHUP-HSA onde há 35 anos “nasceu” a 1ª Consulta Multidisciplinar de Pé Diabético, aprendi a valorizar a prevenção e a educação /informação, neste âmbito. Para sublinhar a importância da Prevenção transcrevo parte do prefácio para uma pequena brochura destinada aos profissionais de saúde (pequena, mas muito valiosa) intitulada “Diretivas Práticas sobre o Tratamento e a Prevenção do Pé Diabético“. O prefácio com autoria da Drª Maria Beatriz Serra- fundadora da CMPD, começa com uma história: Um jovem operário, diabético desde os oito anos de idade, voltou a calçar as botas de trabalho depois do descanso do almoço. Elas eram pesadas, grossas, e com biqueira de aço, tal como se usa na construção civil. Calçá-las, era rotina no seu dia a día de operário mas, nesse dia, a ponta da biqueira de uma, ficara pousada sobre uma chapa aquecida. O interior da biqueira ficara escaldante mas ele não o sentiu. Só no fim do dia viu a meia molhada pelas flictenas (bolhas) dos dedos entretanto rebentadas. No dia seguinte e todo o resto da semana , continuou a trabalhar. Nunca a dor da infeção que se desenvolvia o perturbou. Sofreu uma amputação transmetatarsiana (da parte anterior do pé) e esteve longos meses sem trabalhar. Nunca lhe tinham explicado que a diabetes poderia insensibilizar os pés e o risco que isso significava para si.
Esta é uma história real ocorrida há muitos anos. Mas muitas outras parecidas já sucederam depois. Poderiam ter sido evitadas? Na verdade, sim.
Um grande número de pessoas com diabetes vai perdendo informação sensitiva vinda dos pés e com o tempo deixa de sentir que os pés lhe pertencem “…olha, vê os pés, mas não os sente mais seus que os sapatos..”.A equipa de saúde ( médico, enfermeiro, farmacêutico, podologista, ) pode evitar esta perda no esquema corporal mental do diabético com neuropatia periférica se desde cedo na doença e por rotina, no rastreio de possíveis complicações, vigiar esse foco perigoso. É muito importante que durante a consulta se fale no assunto, se peça ao utente que retire sapatos e meias para observar bem o pé e investigar se já existe insensibilidade ou isquemia. E aproveita-se para “fazer educação” *.
As complicações da diabetes no Pé ocorrem a nível das seguintes áreas: Vias nervosas , com diminuição ou perda da sensibilidade (como no caso acima descrito). O doente não sente que algo lhe magoa os pés. Circulação arterial, pode ocorrer diminuição de aporte de sangue ao pé, dificultando a cura de uma ferida (arteriopatia) e Deformação do pé, que pode provocar feridas em resultado da fricção com o calçado.
Os sintomas de Neuropatia podem manifestar-se por sensação plantar de picada de alfinetes, de caminhar sobre algodão ou de pés dormentes. Os sintomas de Arteriopatia são dôr na barriga da perna ao caminhar. Dôr no pé mesmo em repouso, que alivia quando o põe fora da cama.
Importa realçar que a ausência de sintomas não significa que os pés estejam saudáveis, uma vez que podem sofrer neuropatia, arteriopatia ou mesmo ter uma úlcera sem qualquer sintomatologia-
Daí a importância nos Cuidados diários com o pé :
Olhar bem os pés, incluindo entre dedos, em local com boa luminosidade, com ajuda de um espelho ou por outra pessoa. Lavar diariamente com água tépida, não colocar os pés de molho. Secar bem entre dedos, por absorção e não fricção, com tecido macio. Nunca colocar os pés em fontes diretas de calor (sacos de água quente, aquecedores ou lareiras ). Para aquecer os pés usar apenas meias de algodão ou de lã, macias. Mesmo no verão deve usar meias que devem ter cor clara para facilitar visibilidade de alguma lesão, não devem ter elástico forte nem costuras salientes No caso de elástico cortar ou afrouxar com o ferro; se costuras salientes usar a meia do avesso. Aplicar creme hidratante em todo o pé (não entre dedos). Limar semanalmente as unhas com lima de cartão; não usar muito curtas nem demasiado crescidas. Evitar objetos cortantes (tesoura, alicate, corta-unhas). Não usar produtos químicos nem pensos para retirar calosidades. Deve procurar podologista com experiência em pé diabético ou enfermeiro de família para tratar, detetar a causa e ajudar a resolver adequadamente.
Perante uma lesão procurar sempre ajuda de um profissional e não a tratar por si só. 70% das lesões são causadas por calçado inadequado. Assim, na hora de escolher o calçado deve ter-se em atenção alguns aspetos: a largura do sapato deve ser igual à largura do pé; a altura da biqueira deve ter mais 3 mm que o dedo mais alto; deve haver espaço de 1 cm adiante do pé depois de calçado (nº acima). Preferir fecho de velcro ou cordões para ajustar ao pé e evitar fricção em zonas salientes. Usar calçado em pele, com sola de borracha e redução de costuras interiores. Os sapatos devem ser comprados ao final do dia, com o pé mais dilatado. Os sapatos novos devem usar-se gradualmente, com inspeção frequente do pé para certificar que não existem zonas de vermelhão ou bolhas. Ao calçar, verificar sempre o interior dos sapatos para excluir que qualquer objeto tenha entrado inadvertidamente. E naturalmente, reforçar sempre o lembrete para Não Fumar, evitar o Excesso de Peso , manter a Diabetes Controlada.
Para finalizar uma nota esperançosa: os pés são o suporte do nosso corpo, se os tratarmos bem eles são nossos amigos.