Santa Casa da Misericórdia ao serviço da Ericeira
Instituída no dia 29 de dezembro do ano de 1678 a Misericórdia da Ericeira conta com mais de três séculos de história dedicados à prática das Obras de Misericórdia, exercendo a sua ação nas freguesias da Ericeira, Encarnação, Carvoeira e Santo Isidoro no concelho de Mafra. A Misericórdia da Ericeira pode igualmente estabelecer delegações em qualquer zona desse concelho e dos concelhos limítrofes.
Há sete anos ligado a esta instituição (quatro deles como responsável máximo), João Pedro Gil, atual Provedor, explicou-nos o papel que a Santa Casa da Misericórdia da Ericeira assume no contexto atual desta vila.
O que o fez aceitar o convite para liderar a mesa administrativa desta instituição?
Quando assumi a minha função de Provedor, esta Casa tinha um passivo avultado, exatamente pela construção da unidade das residências assistidas (o Ericeira Domus), o que nos obrigou a uma série de compromissos difíceis com as entidades bancárias. Uma vez que eu estava disponível, sou católico e tento ser bom praticante, achei que tinha aqui uma oportunidade de fazer alguma coisa pelo bem do próximo e vim para cá. Conseguimos uma mesa administrativa mais ou menos estável e cumprimos o nosso papel, ou seja, aquela situação aflitiva de quase cinco milhões de dívida no princípio, hoje é de apenas um milhão e meio e encontra-se sustentada. Foi isso que me fez vir para cá, tentar ajudar esta instituição e, sobretudo, pensar naqueles que cá estão.
Inaugurado há cinco anos, o que nos pode dizer sobre o Ericeira Domus?
O Ericeira Domus é uma infraestrutura colocada à disposição da comunidade para proporcionar aos seus residentes um espaço confortável, onde se assegura a prestação de serviços de “hotelaria” com elevados padrões de qualidade, cuidados de ordem física e psicossocial, que constituam uma resposta segura às suas expetativas. Está cheia, está a funcionar bem e estamos a tentar tirar dali alguma ajuda financeira para fazer face ao resto. Realmente, a Ericeira tem crescido imenso, como sabem, para o bem e para o mal. Cada vez há mais gente a precisar, cada vez há mais gente a bater-nos à porta, sobretudo para alimentação e habitação porque o custo de vida subiu muito e, portanto, este acréscimo populacional, este acréscimo de riqueza demográfica traduz-se, também, em maior necessidade social.
A Santa Casa da Misericórdia da Ericeira oferece diversas respostas sociais: o Centro de Bem-Estar Eng.º José Frederico Ulrich (com lar e centro de dia), Serviço de Apoio Domiciliário, Arquivo-Museu e Igreja, Banco Alimentar e, mais recentemente, o Ericeira Domus.
Têm crescido os pedidos de ajuda para alimentação?
Sim, sim. Não lhe vou dizer que é todos os dias, mas todas as semanas aparece gente nova. Inclusivamente, pessoas com muita vergonha de pedir …mas que têm fome.
Serve então o Ericeira Domus para equilibrar a balança e permitir que a Instituição ajude mais pessoas, correto?
Tratando-se de um serviço mais “comercial”, vem ajudar a equilibrarmos as nossas contas, no entanto, não tanto quanto gostaríamos. Repare, já há alguma concorrência no mercado das residências assistidas e o diferencial entre uma residência assistida e um lar subvencionado, hoje em dia, pouco mais é do que mil euros. Os custos, em todo o lado, sobem e as regras do mercado não nos deixam progredir como queríamos nestas unidades ditas comerciais, no entanto, nas subvencionadas também crescem muito. Posso-lhes dizer que aqui, no Centro de Bem-Estar, o custo por pessoa ronda os 1300 euros, e não há ninguém que pague isso. Como vê existe realmente uma grande distância entre as necessidades concretas e a ajuda do Estado, que não vou dizer que é zero, mas é cada vez mais pequena.
O papel das Misericórdias tem sido muito falado. Para si, é muito importante o papel das Misericórdias nos locais onde estão inseridas?
Fundamental, aliás, nem é fundamental, é vital. Já somos bastantes Misericórdias, perto de quatro centenas, e há uma linha imaginária de Coimbra para cima, que contempla as que têm mais património, mais ricas se quiser, enquanto cá para baixo as coisas complicam-se. A da Ericeira não será a mais pobre, mas será das mais pobres, das mais pequeninas pelo menos, e, portanto, com menos património, menor zona de atuação. Foi criada pela necessidade que havia de matar a fome, de vestir as pessoas, e sobretudo, de resgatar os cativos que os mouros vinham aqui raptar e levar para Argel. O resgate dos cativos era, e é, um ato de misericórdia e esta casa tinha, no seu compromisso inicial, a obrigação de todos os anos fazer o resgate de dois cativos, dois pescadores que estivessem presos em Argel. No caso de não os haver, e queira Deus que não houvesse, então o dinheiro disponível para o resgate seria para o dote de duas jovens pobres que quisessem casar. Implantou-se ou instituiu-se em 1678, numa altura muito complicada aqui na Ericeira e no país todo, e assim continuou. Isto para dizer que nunca se porá em causa a validade da atuação de uma Misericórdia. Põe-se em causa, sim, a força com que o Estado nos ajuda. Na altura em que as coisas se complicarem muito e se verificar o desaparecimento de Santas Casas de Misericórdia, será uma tragédia nacional.
O maior desafio, enquanto Provedor, qual tem sido? Equilibrar as contas?
Já foi mais, hoje é “vender” a ideia de Misericórdia. E “vender” a ideia da Misericórdia é uma coisa que passa pela educação das pessoas, pela comunicação, pelo entendimento daquilo que as pessoas julgam ser só nossa obrigação e não delas. Esse entendimento, do que é a realidade religiosa e espiritual da instituição e a sua compreensão, aceitação e prática nas pessoas, parece ser muito difícil. Mas continuaremos, certamente, a dar de comer, a vestir muita gente, a visitar os enfermos e a acompanhar os que morrem. O meu foco já terá sido o equilíbrio financeiro, hoje será talvez conseguir arranjar uma resposta social para os mais pequeninos que já não têm infantários onde ficar.
Caso seja convidado, pretende continuar a liderar a mesa administrativa desta instituição?
Isso… se Nossa Senhora precisar de mim, estarei sempre à sua disposição. Até quando, a gente não sabe. Sim. É, nitidamente, uma missão!