Um olhar sobre os desafios dos imigrantes em Portugal
Em entrevista à Revista Business, a Advogada Vanessa Navarro partilha esclarecimentos valiosos sobre os desafios enfrentados pelos imigrantes que vivem no nosso país, devido à paralisação dos processos de renovação de títulos de residência e outras questões burocráticas.
Como especialista em Direito Imigratório, como é que avalia a situação atual da Agência para Integração Migração e Asilo em Portugal, considerando os desafios enfrentados pelos imigrantes devido à paralisação dos processos de renovação de títulos de residência e outras questões burocráticas?
A AIMA foi criada com a proposta de solucionar diversos problemas deixados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sendo o principal deles a longa espera dos imigrantes pelo Título de Residência, agravado pela Pandemia da Covid-19. Embora, se tenha notícia de algumas medidas adotadas pelo Governo, através da Agência para Integração Migração e Asilo, para estruturar o sistema de análise dos pedidos de manifestações de interesse, na prática os problemas continuam. No dia 9 de maio, foi veiculada a notícia de que a AIMA vai criar uma plataforma para que os imigrantes com manifestações de interesse possam atualizar os seus documentos antes da entrevista nos balcões de atendimento, uma medida para iniciar os agendamentos em larga escala, com a finalidade de regularizar imigrantes que estão a espera de resposta da manifestação de interesse. Neste sentido, a Agência passou a notificar por email os candidatos ao título de residência com manifestações de interesse mais antigas, aqueles que estão há mais de dois anos à espera da análise do pedido.
A AIMA está a conceder um prazo de dez dias úteis para que os imigrantes paguem a taxa de emissão do cartão (autorização de residência), para só depois de processado o pagamento terem as entrevistas agendadas, isso se os documentos apresentados pelos requerentes estiverem em condições para a concessão do título, ou seja, o imigrante que já está em situação difícil ainda tem que conseguir dinheiro para pagar o cartão, sem ter a certeza de que irá receber o documento. À semelhança deste procedimento, há cerca de dois meses, a Agência disponibilizou o Reagrupamento Familiar para crianças entre 5 e 15 anos, da mesma forma os imigrantes tiveram que pagar a taxa da emissão da autorização de residência e até hoje continuam sem agendamento. O que se vê é uma total falta de respeito para com os imigrantes, que vivem à espera de uma resposta da AIMA para poderem ter uma vida digna. Para quem não sabe sem o título de residência, o Imigrante não consegue ter vida normal no país, tem problemas para trabalhar, estudar, viajar, para terem acesso aos abonos concedidos pela Segurança Social, ou para ter livre acesso ao SNS. Trata-se de uma situação vergonhosa, que precisa de solução imediata, pois a forma como os imigrantes estão a ser tratados em Portugal é desumana e inaceitável.
Sabemos que milhares de imigrantes estão com os seus documentos de residência vencidos e enfrentam dificuldades para renová-los. Quais são as principais causas por trás dessa paralisação dos processos pela AIMA e como é que isso tem impacto na vida dos imigrantes?
Na minha ótica, o maior problema é a falta de recursos humanos suficiente, capaz de atender a demanda dos pedidos formulados pelos milhares de migrantes que chegam de forma irregular a Portugal. É inegável que o atraso na análise dos pedidos também se deve à Covid-19, quando o serviço do SEF ficou paralisado e os pedidos de manifestação de interesse foram acumulando sem resposta, gerando grave impacto na vida dos imigrantes, que sem título de residência não conseguem ter uma vida digna. É uma forma de escravidão, as pessoas gastam as suas economias para vir viver em Portugal, iludidos com a promessa de terem uma vida melhor, e ao chegar aqui passam por uma situação talvez mais difícil do que a que se encontravam no seu país de origem, sem emprego, sem apoio da família e de amigos.
Diante desse caos, quando se espera da AIMA agilidade nos processos, constatamos que a preocupação do Governo está em salvaguardar o pagamento dos cartões, para depois disponibilizar datas para as entrevistas, isso é inadmissível, mas o fato é que neste momento quem puder pagar o cartão vai ter agendamento mais rápido que outros que não podem pagar. Conforta-nos saber que foram assinados protocolos entre a AIMA e a Ordem dos Advogados e a Ordem dos Solicitadores, para a contratação de pessoal capacitado para trabalhar na Agência, porém não sabemos quando isso será colocado em prática. Neste contexto, o Tribunal Administrativo tem recebido diversas ações para cumprimento pela AIMA dos prazos da análise das manifestações de interesse e só através de decisão judicial estavam a conseguir agendamento. Ou seja, somente quem pode pagar um advogado está a conseguir ter agendamento à entrevista.
Enquanto isso, famílias inteiras vivem angustiadas, sem saber o que fazer. Esse cenário precisa mudar.
Além dos problemas enfrentados com a AIMA, também temos observado uma sobrecarga no Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), que tem assumido algumas responsabilidades relacionadas à imigração. Como é que essa sobrecarga tem afetado a eficiência dos processos de imigração em Portugal?
Com a criação da AIMA, algumas funções que antes eram concentradas no SEF, foram distribuídas entre a PJ, entre o IRN, e outros órgãos, que receberam funcionários públicos do SEF para trabalhar nas suas instalações, a fim de tratar de situações específicas, como por exemplo a Renovação Automática do Título de Residência.
Acredito que a sobrecarga talvez tenha ocorrido porque a plataforma criada para renovação dos títulos de residência não suporta a quantidade de acessos, devido ao número de imigrantes a tentar utilizar a plataforma ao mesmo tempo, imagino que isso possa ter causado um bloqueio, tanto que alguns imigrantes passaram a tentar a renovação pela plataforma do antigo SEF, que ainda existe e que às vezes processa um pedido ou outro.
Quais são as principais dificuldades que os imigrantes enfrentam ao lidar com a burocracia portuguesa para regularizar a sua situação no país? E quais seriam as possíveis soluções para agilizar esses processos e evitar situações de crise como a que estamos presenciar atualmente?
As dificuldades são diversas, mas a principal é conseguir todos documentos exigidos pelo Governo para comprovar que o imigrante tem condições de permanecer no país, entre esses documentos o mais difícil de conseguir é o Atestado de Residência, que é fornecido pela Junta de Freguesia. Para que a Junta forneça o documento, que não é gratuito, é necessário comprovar que o imigrante vive na freguesia, mas como a maioria vive em quartos, porque não conseguem alugar casa, devido a falta de casas a preços acessíveis, e também porque lhes são exigidos documentos que ainda não possuem, as Juntas de Freguesia não concedem o Atestado. A forma de suprir é o imigrante levar duas testemunhas, dois portugueses que vivam na mesma freguesia, para testemunhar que conhecem o cidadão e que ele vive no local indicado, e conseguir essas duas testemunhas para o imigrante é um grande problema. A consequência dessa burocracia é que muitos imigrantes tem sido enganados, pagam a pessoas para lhe concederem falsos Atestados, e assim vão vivendo, tentando vencer a burocracia. Entendo que se a entrada do imigrante passasse a ser mais criteriosa, poucos viriam nas condições que têm vindo, ou seja, ilegalmente e com poucos recursos financeiros.
Diante do cenário caótico atual, com imigrantes a enfrentar incertezas em relação à manutenção dos seus empregos e à sua capacidade de circular entre Portugal e os seus países de origem, quais são as medidas urgentes que as autoridades portuguesas deveriam adotar para resolver esses problemas?
Em novembro de 2023, o Governo promulgou o Decreto-Lei nº. 109/2023, publicado no Diário da República nº. 228/2023, prorrogando diversos prazos que, alegando que a Pandemia da Covid-19 teve impacto significativo no atendimento público, o que resultou num aumento de pendencias em matéria de concessão e de renovação de autorizações de residência. Por esse motivo, e procurando também acautelar a transição de competências em matéria administrativa, no âmbito da reestruturação do sistema português de controlo de fronteiras, aprovada pela Lei nº. 73/2021, que originou a criação da AIMA, o Governo precisa prorrogar novamente o prazo dos documentos vencidos, inclusive a CPLP, e a segunda medida é punir empresas que demitam funcionários por estarem com os seus títulos vencidos, bem como permitir o acesso dessas pessoas nos Aeroportos, porque não conseguem viajar com os documentos vencidos.
Qual tem sido o papel do VN Advocacia e Consultoria para auxiliar os imigrantes que enfrentam essas dificuldades?
Estamos a orientar as pessoas a imprimir o Decreto-Lei e a andar com ele para mostrar caso sejam questionados em qualquer lugar, porque estão com os títulos vencidos, porque inevitavelmente se deparam com pessoas desinformadas que criam problemas.
Considerando o Dia do Advogado, que mensagem gostaria de transmitir aos imigrantes que estão a enfrentar dificuldades devido à situação atual e quais são as suas perspetivas para uma resolução satisfatória desse impasse?
A minha mensagem é para que não percam a esperança, uma vez que estão no país e que com certeza não foi fácil chegar até aqui, que continuem a acreditar que a situação vai melhorar, ainda que a longo prazo, com a contratação de Advogados e Solicitadores para analisar os processos. A tendência é que, nos próximos anos, os processos de regularização venham a ser mais céleres. Por fim, agradeço o convite da revista para falar de um tema tão atual, importante e relevante para a vida da sociedade portuguesa, especialmente quando estamos a comemorar o Dia do Advogado, é uma honra poder contribuir com esclarecimentos. E em defesa dos imigrantes, que são necessários para o país, contribuem com a sua força de trabalho e com os impostos, e por isso merecem respeito e dignidade para viver.