Saber usar os fundos europeus

 

Carlos Carvalho Presidente da ANJE – Associação Nacional de Jovens Empresários

 

 

É inegável que Portugal tem um historial de aplicação inadequada ou inócua de fundos europeus. Como sabemos, muitos projetos com financiamento comunitário tinham à partida uma relação custo-benefício duvidosa e acabaram por gerar escasso retorno económico e social para o país. Em alguns casos, houve decisões pouco transparentes, derrapagens de custos, atrasos nas obras, impactos ambientais indesejáveis, despesismo e erros de gestão financeira.

Percebemos, assim, que a eficácia dos fundos europeus depende, não apenas do volume de recursos alocados, mas sobretudo da capacidade de planeamento e execução dos projetos. Para maximizar o impacto dos fundos, é indispensável visão estratégica, celeridade decisória, transparência e agilidade processual, qualidade de gestão e escrutínio político. Caso contrário, Portugal tenderá a reincidir nos erros do passado e a atrasar-se na convergência com a Europa.

No caso das empresas, importa alterar procedimentos e mentalidades no toca aos fundos. Os incentivos comunitários não devem ser usados para gestão corrente, mas sim para alavancar investimentos, expandir atividades, melhorar desempenhos, ampliar resultados. Ou seja, o financiamento europeu tem de servir como fator de aceleração empresarial, potenciando os recursos e capacidades das empresas.

A mesma premissa é válida para o Estado. Os fundos europeus não devem ser usados para suprir necessidades de gestão corrente dos serviços públicos, mas sim para melhorar a sua eficiência e qualidade. De resto, os decisores públicos deviam procurar desenvolver o país sem recurso às ajudas comunitárias, pois estas não vão durar para sempre. Portugal parece por vezes viciado no dinheiro que vem de Bruxelas, o que é contraproducente e revela falta de visão estratégica.

É verdade que Portugal recuperou de décadas de isolamento internacional, atrasos estruturais e subdesenvolvimento económico e social graças à poderosa alavanca que são os fundos europeus. As famílias viram as suas condições de vida e bem-estar melhorar substancialmente. O tecido empresarial desenvolveu-se, ganhou competitividade e capacidade de inovação. O Estado modernizou as infraestruturas e equipamentos públicos, reforçou a coesão social e territorial, investiu na qualificação, ensino, ciência e inovação e promoveu a sustentabilidade ambiental.

Tudo isto devemos à política de coesão da UE e à solidariedade entre Estados-membros. Mas, com os problemas e dissensões que o projeto europeu enfrenta hoje, há o sério risco de a política de coesão perder peso e dos fundos para os países de convergência, como Portugal, deixarem de fluir tão generosamente. Nessa altura, vamos olhar para trás e lamentar não termos traduzido em mais riqueza, qualidade de vida, recursos e competitividade económica o dinheiro vindo da UE. Mais: o país continuará impreparado para convergir com a Europa ou até para ser economicamente sustentável sem o respaldo dos fundos.

É consciente de tudo isto que Portugal deve focar-se, agora, na correta e atempada execução do PRR. O Plano de Recuperação e Resiliência não pode ser mais uma oportunidade perdida de desenvolvimento estrutural do país, designadamente no que se refere aos fatores críticos enfatizados nos Relatórios Letta e Draghi: produtividade, competitividade e inovação.

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