Relações Bilaterais: Embaixador da República de Cabo Verde
Entrevista a Eurico Correia Monteiro, Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República de Cabo Verde em Portugal.
É o representante da Embaixada da República de Cabo Verde em Portugal, tendo assumido as suas funções em janeiro de 2017. Como têm sido estes dois anos em Portugal?
Estudei em Portugal na Universidade Clássica de Lisboa, Faculdade de Direito, de 1979 a 1984. Depois disso já visitei Portugal uma dúzia de vezes, pelo que já tinha uma ideia muito precisa do país. Os cabo-verdianos, em geral, gostam de Portugal. Reconhecemo-nos em muita coisa e partilhamos vastos interesses e sentimentos, com particular realce para o desporto e mais concretamente o futebol. Por isso são muito boas as impressões que tenho do país, tanto do ponto da sua geografia física, como também das instituições e da população. Sinto-me bem, perfeitamente integrado no geral e neste mundo mais específico da diplomacia.
Descreva as relações entre Cabo Verde e Portugal.
São muito boas. Eu dizia ainda, no sábado passado, num encontro com a Comunidade cabo-verdiana, em Sintra, presidido pelo Presidente da República, Dr. Jorge Carlos Fonseca, e com a presença do Presidente da Câmara Basílio Horta. São tão boas que é uma tarefa muito ingrata conseguir melhorá-las. E é muito vasta, abrange quase todas as áreas e com um envelope financeiro, num programa (PEC 2017-2021) de 4 anos, superior a 120 milhões de euros. Formação, saúde, infraestruturas, administração pública, justiça, finanças, agricultura, ambiente, cultura, mar, turismo, emigração, investigação, etc. São muitos os protocolos firmados entre os dois Estados. Só na última cimeira entre os dois Chefes de Governo, e que teve lugar em Lisboa em abril deste ano, foram assinados 12 protocolos de cooperação.
Em relação ao investimento empresarial, o que tem de melhor Portugal a oferecer a Cabo Verde e vice-versa?
Tem muito, por várias razões, pela proximidade, pela amizade entre os povos, pela afinidade cultural e pela língua. Um fator importante para o investimento, para além da dimensão do mercado e dos custos, é a confiança. Um empresário português conhece, tem a obrigação de conhecer melhor Cabo Verde do que qualquer outro, pela história. E tem razões para confiar. Cabo Verde também sabe que, de uma forma geral, pode confiar nos investidores portugueses. E se existirem problemas, o que sempre pode ocorrer, a resolução de contencioso está facilitada por uma certa convergência normativa, procedimental e institucional, e pela amizade e proximidade. Áreas com o turismo, novas tecnologias, energia, economia azul e serviços de uma forma geral, têm grandes potencialidades e Portugal tem registado nesses setores avanços muito significativos. Mesmo analisando a questão sob a perspetiva do mercado em sentido estrito, é preciso notar que Cabo Verde já tem um fluxo turística de quase 800 mil turistas por ano, com necessidades de consumo bem identificadas, que também fazemos parte da CEDEAO que é o mercado comum da costa ocidental africana, com perto de 400 milhões de pessoas, num território com mais de 5 milhões de quilómetros quadrados. Para além do acordo que temos com os USA para exportação de uma grande quantidade de produtos no quadro do AGOA (The African Growth and Opportunity Act)
No dia 6 de julho inauguraram o Centro Cultural de Cabo Verde, em Lisboa. O que significa para a Embaixada a comemoração deste momento?
Muito. Trata-se da maior comunidade cabo-verdiana na Europa e a segunda no mundo, só suplantada em termos numéricos pelos Estados Unidos da América. E para Cabo Verde a cultura ocupa uma posição muito especial, sabe? Um país pequeno com cerca de 1 milhão de pessoas, entre residentes e emigrantes, só se afirma no mundo se for portador de uma identidade cultural muito forte. Não nos diluímos no mundo, apesar de nele nos integrarmos perfeitamente, por que temos uma forte identidade cultural, história de séculos, língua materna, tradições, religião, música, dança e costumes muito vincados. Somos fulas, portugueses, mandingas, judeus, balanta e ingleses, um pouco americano também, somos tudo isso e nada disso, por isso somos outra coisa, única. No cruzamento entre continentes resultou um cruzamento de raças e de culturas, por isso somos ponte, espaço aberto e horizonte, adaptamo-nos com facilidade.
O Centro Cultural de Cabo Verde deve responder a isso, ser um espaço de oportunidades para a afirmação e projeção do país na sua riqueza cultural, mas espaço aberto para a interculturalidade, para o diálogo sistemático com outras manifestações culturais contemporâneas, sem esquecer a história, mas atuando em segmentos que demonstrem qualidade, técnica, sofisticação, para lá da cultura popular, sem diminuir a sua importância. Portugal está bem situado para esse papel do CCCV, pela geografia, mas também pela história e pela sua dinâmica cultural.