“Para mim, esta profissão, sem emoção não existe”

Com uma carreira marcada pela defesa de causas complexas e de grande relevância social, a Advogada Filipa Fraga Gonçalves alia conhecimento técnico a uma abordagem humanista.

 

Filipa Fraga Gonçalves, Advogada

 

De que forma a sua experiência como monitora de toxicodependentes e fundadora da associação ‘Crescer’ influenciou a sua abordagem como advogada, especialmente em áreas sensíveis como Família e Menores?

Quando co-fundei a associação “Crescer”, tinha terminado o estágio de Advocacia há pouco tempo. No entanto, o comportamento humano sempre me fascinou e propus-me para além de ajudar na parte jurídica, fazer trabalho de rua. Fi-lo, com muito orgulho e imensa gratidão, porque trabalhar fora da nossa zona de conforto dá-nos uma perspetiva de vida única. Este flagelo atinge todas as classes sociais, desde as infâncias mais sofridas às mais felizes. Não quero afirmar, nem poderia, que os problemas que os jovens têm, são responsabilidade dos pais. Mas afirmo com toda a certeza, que a falta de demonstração de interesse pela vida dos filhos tem uma forte probabilidade de se refletir na sua vida futura. E, infelizmente, tal reflete-se cada vez mais na vida destes jovens, com o crescimento do crime e da violência no nosso país. Presentemente, o Direito da Família e Menores e o Direito Penal, andam de “mãos dadas”. Portanto, esta vivência no terreno, só me deu mais certezas que as áreas onde queria trabalhar tinham de envolver pessoas e emoções, apesar do sofrimento que tantas vezes absorvo. Mas para mim, esta profissão, sem emoção não existe.

Quais foram os principais desafios que enfrentou ao iniciar a sua prática de forma independente e que competências considera que contribuíram para o seu sucesso?

Estagiei numa sociedade de advogados e poderia ter ficado, mas não era feliz com a falta de autonomia e independência que ali iria ter. Por outro lado, queria dedicar-me às áreas de Família e Menores, bem como Crime, que não eram tratadas nesta sociedade e, desta forma, com 23 anos decidi queria ser dona do meu tempo e dos temas a tratar. A instabilidade financeira que advém desta opção, é uma constante ainda hoje, mesmo com uma carteira de clientes tão vasta. Basta lembrarmo-nos da pandemia em que a advocacia foi uma das profissões mais atingidas, ao nível monetário e com falta de apoios sociais. No entanto, acumulo outras funções como mediadora de conflitos e procuradora bancária, que também são uma fonte de rendimentos. Mas para aqui chegar, foram anos de coragem, foco e muita persitência. Acreditei sempre que o meu trabalho iria dar frutos, mas consciente que é preciso estudar muito e fazer sacrifícios, para vingarmos num trabalho digno.

Quais as qualidades que uma líder feminina deve possuir para se destacar em cargos de direção na advocacia e em outras áreas? Como tem aplicado essas qualidades como Vogal do CRLisboa?

Qualquer líder, independentemente do seu género, não impõe, dialoga, percebe quais as necessidades dos outros e onde se pode diferenciar. Não há nada que veicule melhor a liderança do que o exemplo. Colocando a liderança no feminino, acrescentaria o saber ouvir e daí partir para a objetividade de simplificar o que é complexo, mas acima de tudo sabermos fazer-nos respeitar como mulheres, em qualquer área que exerçamos. Somos diferentes e, por isso, começa por nós o auto-respeito, no Direito ou em qualquer área profissional. No CRL aplico estas qualidades, em prol da equipa, aprendendo com colegas que sabem mais do que eu e com respeito pelos princípios que regem este órgão tão importante da Ordem dos Advogados.

Que conselhos daria a jovens advogados, especialmente mulheres, que pretendem alcançar cargos de liderança e empreender na advocacia?

Respeitem a deontologia da nossa profissão, trabalhem nas áreas que vos façam felizes, mas não fechem as portas ao desconhecido que pode ser uma agradável surpresa. Estudem, façam formações, mas tenham a capacidade de desligar. Façam-se respeitar pelo cliente e respeitem os colegas. Ouçam e observem mais do que falam. Nos pequenos pormenores, pode ganhar ou perder-se uma ação. Para se trabalhar bem, tem de haver dedicação e fazer uma tarefa de cada vez, com eficácia. Assim, com planeamento e organização, conseguimos fazer muitas coisas bem feitas em tempo útil, mas não ao mesmo tempo e é isto que, ao contrário do que dizem, as mulheres conseguem fazer melhor, porque acumulam a parte profissional e familiar de forma natural. Por último, lembrem-se que aplicar a Lei nem sempre é fazer Justiça. Aquela é essencial para alcançarmos esta e só quando aqui chegamos, cumprimos a nossa missão.

You may also like...