“Ou fazemos a reestruturação efetiva do SNS ou ele implode!”

Lúcia Leite, Presidente

Todos os anos, no dia 12 de maio, comemoramos o Dia Internacional do Enfermeiro e todos os anos mostramos aos cidadãos com responsabilidades políticas e gestionárias o potencial de competências gerais e especializadas que são desaproveitadas e bloqueadas no Serviço Nacional de Saúde.

Há mais de 20 anos que os sucessivos Governos apresentam e defendem reformas para resolver a falta de Médicos de Família, as dificuldades de acesso a cuidados de saúde de proximidade, a sobrelotação dos serviços de urgência, os atrasos nas consultas e as listas de espera para exames de diagnóstico e cirurgias.

Mas o facto é que, tantos milhões de euros, tantas políticas, pseudorreformas e discursos eloquentes depois, os problemas não se resolveram e até com o envelhecimento da população e com a desestruturação das equipas de saúde provocada pela Covid-19, se agravaram. Considero mesmo que estamos num ponto crítico de não retorno – ou fazemos a reestruturação efetiva do SNS ou ele implode!

Em 2005, com a “Reforma dos Cuidados de Saúde Primários”, anunciou-se que o cidadão passava a estar no centro do sistema de saúde, criaram-se as Unidades de Saúde Familiares (USF), retirando-se o foco nos cuidados hospitalares. Pretendia-se com esta reforma dar ênfase à assistência primária e à prevenção, promovendo uma maior acessibilidade, qualidade e eficiência dos serviços de saúde.

Mas não aconteceu! Porque, apesar de todas as tentativas de reorganização, mantivemos uma estrutura assistencial piramidal em que, ao contrário do que se afirma, o centro do sistema é o médico, com a agravante de ser a única porta de entrada no SNS. Ora sendo o Médico de Família um “bem precioso”, não podemos continuar a impedir o acesso a cuidados de saúde disponíveis só porque não são cuidados médicos.

É urgente mudar de paradigma! A solução passa por uma estrutura em rede, onde todos os profissionais devem ter o mesmo nível de importância e oportunidade de colocar as suas competências ao serviço dos cidadãos.

Defendo que a primeira linha de acesso aos cuidados de saúde de proximidade deve ser assegurada pelo Enfermeiro de Família que, numa 1ª observação, identifica as necessidades da pessoa ou da família, avalia a prioridade de atendimento, e assegura a resposta em articulação com os restantes profissionais das USF ou de outras equipas de saúde, de modo a promover a resposta mais adequada e mais oportuna em tempo útil.

A vigilância do desenvolvimento infantil e a vigilância da saúde reprodutiva são áreas de promoção da saúde que podem perfeitamente ser asseguradas por enfermeiros especialistas que monitorizam o padrão normal, asseguram os programas de rastreio e identificam necessidades de cuidados médicos ou de outros profissionais. A gestão da doença crónica pode ser realizada pelos Enfermeiros de Família em articulação com o médico do utente de modo garantir um acompanhamento personalizado sem consumir recursos desnecessários.

O futuro do SNS passa por reconhecer aos Enfermeiros o seu espaço de atuação e aos cidadãos o direito a aceder a cuidados de saúde apropriados às suas necessidades, no tempo que o próprio considere aceitável. Se libertarem os Médicos de Família das consultas que podem ser realizadas por outros, das burocracias que validam os atos de outros, das tarefas organizativas para as quais não são vocacionados, nem os mais preparados, teremos Médicos de Família para todos!

A Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros – ASPE, a que presido, apresentará em breve ao Governo e à Direção Executiva do SNS, IP, uma proposta de reorganização das USF, que promove o aumento da acessibilidade, da sustentabilidade e eficiência do SNS, rentabilizando a capacidade instalada.

A melhor forma de reconhecerem e valorizarem os enfermeiros é darem-lhes a oportunidade e as condições para colocarem ao serviço do SNS o melhor que sabem fazer – CUIDAR, gerindo e organizando os recursos existentes!

A ASPE agradece a todos os enfermeiros por nunca terem deixado de acreditar no SNS!