O sindicalismo independente é fundamental para um estado social, democrático e livre!
Em Portugal, historicamente o sindicalismo desenvolveu-se em setores de importância estratégica e durante a ditadura foi organizado tendo por princípio a unicidade sindical, controlado por um Estado que admitia as classes sociais e os sindicatos, mas pretendia controlar os conflitos sociais impondo um sindicalismo submisso aos interesses da nação e sem direito à greve.
Após a revolução de 1974 os sindicatos politizaram-se e constituíram a CGTP, tendo a UGT surgido após uma rotura ideológica.
O sindicalismo em enfermagem seguiu este mesmo rumo e até 2017 existia 1 sindicato nacional de enfermeiros inscrito na CGTP e outros 2 inscritos na UGT.
As ideologias políticas dessas estruturas sindicais fizeram-nas reféns das forças partidárias com poderes governativos, sendo que, se por um lado tinham acesso privilegiado aos decisores, por outro ficavam submetidos à agenda dessas mesmas forças políticas.
A história recente mostra em que momentos esses sindicatos reforçam as ações de rua, agendam greves e outras formas reivindicativas com impacto mediático!
Noticias como “Greves na função pública mais do que duplicam em 2023” onde se afirma que “foram registados 764 pré-avisos de greve, um aumento de 123% face a 2022. Nesta sexta-feira decorre a greve nacional convocada pela Frente Comum, da CGTP. Sindicatos da UGT ficam fora.” (in Público, 27 outubro 2023), são demonstrativas da politização do sindicalismo.
Esta realidade fragilizou o poder do sindicalismo aos olhos dos trabalhadores em geral e dos enfermeiros em particular, sendo que o afastamento dos trabalhadores do sindicalismo foi promovido também, sobretudo na administração publica, pela aplicação dos acordos coletivos e dos seus benefícios a todos os trabalhadores, sindicalizados e não sindicalizados.
Ora, se recebiam exatamente os mesmos benefícios, para quê estarem sindicalizados?
Importa referir que a profissão de enfermagem é constituída maioritariamente por mulheres, cerca de 82%, com maior representatividade na faixa etária dos 31 aos 50 anos. Ou seja, nenhuma destas enfermeiras vivenciou a ditadura, nem as maiores lutas sindicais da profissão realizadas entre 1975 e 1988, não têm por isso memória das ações sindicais com resultados importantes para a melhoria das condições de trabalho e sociais dos enfermeiros.
Foi neste enquadramento que constituímos a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros – ASPE, em 2017, um sindicato de nova geração e de baixo custo para os associados, focado exclusivamente na resolução dos problemas dos enfermeiros e que recorre às novas tecnologias para assegurar serviços de proximidade e ajustados à individualidade de cada associado.
Era uma época de grande agitação e revolta dos enfermeiros, em pleno movimento dos Enfermeiros Especialistas de Saúde Materna e Obstétrica que resultou nesse ano no reconhecimento dos especialistas com a atribuição de um subsídio de função.
Importa não esquecer que em 2017 a remuneração ilíquida de um enfermeiro, antes de impostos, era ainda de 1201, 48€ e assim se manteve inalterada até 2020, data em que sofreu um aumento de 0,3%.
Foram 6 anos, de 2014 a 2019, com 0,00% de aumento salarial!
Nessa altura os enfermeiros tinham uma carreira com 2 categorias, mas que, como nunca foi aberto concurso para enfermeiro principal, todos estavam integrados numa única categoria. Na prática, os enfermeiros tinham legalmente reconhecida uma carreira especial de enfermagem, mas foram reduzidos a uma carreira geral, sem progressão e sem reconhecimento da diferenciação profissional.
Com momentos altos e outros menos bons, o desequilíbrio criado pelos novos sindicatos resultou na sequência das Greves Cirúrgicas em 2018 e 2019, convocadas pela ASPE e o SINDEPOR, na revisão das carreiras em 2019, recuperando a diferenciação hierárquica em 3 categorias, reintegrando as categorias de Enfª Chefe e Enfº Supervisor que estavam estagnadas a aguardar a sua extinção.
Estas carreiras, limitam a 25% a progressão para a categoria de enfermeiro especialista, uma inconstitucionalidade no entender da ASPE e aprovam uma tabela remuneratória que promove inversões remuneratórias, mas têm a virtude de clarificar e reforçar o conteúdo funcional de cada categoria e de ser a primeira carreira da administração publica em que o acesso a qualquer categoria não depende da integração na categoria inferior. Uma mudança de paradigma que ainda não está totalmente assumida mas que visa promover a circulação inter-instituições sem perda do percurso profissional anterior e assegurar aos enfermeiros emigrados a possibilidade de regressar sem ter que ingressar na base da carreira.
Em 2018 os enfermeiros recuperam o regime de 35 horas por semana que lhes tinha sido “roubado” e com a Lei do Orçamento do Estado, complementada com legislação do Governo em 2022, recuperaram a progressão remuneratória correspondente ao tempo de serviço desde 2004 independentemente do regime contratual. Este descongelamento das carreiras a todos os enfermeiros resultou na recuperação de 1 ou 2 posições remuneratórias na tabela em vigor. Foi um processo tardio, difícil e com muitas situações mal resolvidas que exigem um acompanhamento casuístico por parte dos sindicatos.
Em 2021, passados mais de 20 anos os enfermeiros recuperaram a possibilidade concorrer a categorias superiores e foi autorizado o recrutamento para 522 postos de trabalho para a categoria de enfermeiro gestor e 1383 postos de trabalho à categoria de enfermeiro especialista. Houve muitas irregularidades e vazios legais que prejudicaram os enfermeiros, mas recuperou-se a procura por formação pós-graduada, a vontade de buscar mais conhecimento e a esperança num futuro melhor.
Há ainda tanto para fazer!
Sabemos bem que o SNS padece de carência crónica de recursos em cuidados de enfermagem e que há necessidade de flexibilizar a contratualização de horas de cuidados aos enfermeiros que estejam na disposição de aumentar o seu horário semanal, contudo não podemos continuar a aceitar que a organização do tempo de trabalho se processe na mais gritante ilegalidade, ignorada por todos os agentes que direta ou indiretamente são responsáveis pelos atropelos legais diários aos enfermeiros.
Os Enfermeiros, são o maior grupo profissional do SNS e o único que não é beneficiário de qualquer Acordo Coletivo de Trabalho global entre qualquer entidade sindical e as entidades públicas empresariais. Coisas simples como o número de dias de férias continuam a diferenciar negativamente uns enfermeiros em relação a outros!
Fechou-se um ciclo e estamos no fim de mais uma campanha eleitoral, onde todos querem agradar a quem vote neles! Os programas dos partidos quase não falam de enfermeiros e quando os referem escrevem generalidades que não os comprometem com nada.
A ASPE trabalha com propostas fundamentadas e com todas as forças político partidárias. Não nos importa quem será o nosso futuro interlocutor, já reunimos com todos os partidos com assento parlamentar e nenhum pode afirmar que desconhece a situação dos enfermeiros.
Por isso, pouco importa com quem teremos que negociar a aplicação de uma tabela remuneratória justa e equitativa com as outras profissões da saúde, um ACT global que regule as relações laborais, minimize os abusos constantes e que crie condições diferenciadas, com referência à idade e à penosidade do trabalho realizado, para acesso à aposentação
Acreditamos que é o trabalho regular, independente, honesto e respeitoso com todos os parceiros que reforçará o poder representativo dos sindicatos.
Os sindicatos não podem ser transformados em armas de arremesso político, que hoje reivindicam e amanhã fazem um silencio conveniente!
Os enfermeiros precisam confiar no seu sindicato!
E o Governo e os empregadores devem receber os sindicatos como parceiros sociais que são e que assumem a responsabilidade por contribuir para as soluções e os resultados, sem nunca esquecer quem representam.
O sindicalismo independente é fundamental para um Estado social, democrático e livre!
É assim que o sentimos e o fazemos!