“O autoconhecimento é uma competência essencial para uma boa liderança”

Num mundo cada vez mais acelerado, o cuidado com a saúde mental tornou-se essencial. Para entender melhor os desafios emocionais da vida moderna e as estratégias para promover o bem-estar, conversámos com Luísa Machado, Psicóloga Clínica com uma vasta experiência na área. Nesta entrevista, a empreendedora e responsável clínica, partilha insights sobre o autoconhecimento e a importância da terapia no desenvolvimento pessoal.

 

Luísa Machado, Psicóloga Clinica

 

No seu percurso profissional como Psicóloga Clínica, quais foram os maiores desafios que enfrentou e como os superou? Que conquistas destacaria como as mais significativas no seu trajeto?

No meu percurso profissional, os maiores desafios têm sido a adaptação a contextos diversos e a gestão das expetativas das pessoas em relação ao processo terapêutico. Superar estas dificuldades envolveu uma constante atualização dos meus conhecimentos, procura por supervisão e apoio de colegas, além da confiança na minha prática clínica. Trabalhar com pessoas significa lidar com uma ampla variedade de emoções, histórias de vida e resistências, o que exige uma abordagem flexível. Adicionalmente, um dos maiores desafios é enfrentar a falta de reconhecimento da relevância do trabalho psicológico, tanto no contexto social como em certos círculos institucionais. Para enfrentar essas adversidades, sempre procurei basear a minha prática em evidências científicas e manter um compromisso ético e profissional rigoroso.

Outro desafio significativo é a dificuldade em conciliar a personalização do atendimento com a necessidade de uma gestão eficaz do tempo e dos recursos. Muitas pessoas chegam com expectativas desajustadas sobre a rapidez dos resultados, e parte do trabalho envolve ajudá-las a compreender que a mudança é um processo gradual.

As conquistas mais significativas incluem o sucesso de terapias complexas e a criação de um ambiente acolhedor na clínica, onde as pessoas se sentem seguras para explorar as suas questões. Saber que consigo proporcionar um espaço onde as pessoas podem sentir-se compreendidas e encontrar novos caminhos para o seu bem-estar é, sem dúvida, uma das maiores recompensas do meu percurso.

Gerir uma clínica de psicologia envolve competências que vão além do conhecimento técnico. Como tem sido a sua experiência enquanto empreendedora e gestora de um espaço de saúde mental?

Enquanto empreendedora e responsável clínica, a experiência tem sido desafiadora, mas também enriquecedora. A gestão de um espaço exige flexibilidade entre as competências de liderança, organização e estabilidade psicoemocional para ter o suporte de profissionais confiáveis e equilibrados. Esses elementos são cruciais para garantir uma administração bem-sucedida e lidar com os desafios quotidianos. Além disso, gerir uma clínica não significa apenas garantir a sustentabilidade do negócio, mas também assegurar que os serviços prestados são de elevada qualidade e acessíveis. A transparência nos processos internos e a coerência de valores com a equipa têm sido fundamentais para alcançar esse equilíbrio e manter um serviço de excelência. Adicionalmente, a exigência de um mercado, cada vez mais, voltado para a produtividade e para métricas quantificáveis apresenta um desafio adicional, pois a psicologia não pode ser reduzida a resultados imediatos ou a uma abordagem padronizada. A humanização do atendimento e a personalização do cuidado são pilares que defendo e que exigem uma constante adaptação na gestão do espaço clínico.

O estigma em torno da saúde mental continua a dificultar a procura de apoio. Quais são as estratégias mais eficazes para desmistificar a saúde mental na sociedade portuguesa e encorajar mais pessoas a procurarem ajuda profissional? Que papel desempenha a comunicação e a educação nesta mudança?

O estigma continua a ser uma barreira considerável para a procura de ajuda. As estratégias mais eficazes para desmistificar este tema envolvem a promoção da educação e da comunicação, abordar a saúde mental de forma simplificada e normalizar a procura de apoio profissional. A sensibilização, tanto na sociedade como em ambientes profissionais e educacionais, tem um papel crucial nesta mudança, sendo essencial instigar as pessoas a entender que cuidar da saúde mental é tão importante quanto cuidar da saúde física.

De que forma os fatores individuais e contextuais influenciam a expressão e a gestão dos problemas de saúde mental? Como a cultura, a educação e as experiências pessoais moldam a forma como cada pessoa lida com o sofrimento psicológico?

A forma como cada pessoa expressa e gere a sua saúde mental resulta da interação entre fatores individuais e contextuais. A nível individual, elementos como a personalidade, a regulação emocional, as crenças e as estratégias de coping influenciam a maneira como se interpretam e enfrentam desafios, sejam eles internos ou externos. No campo contextual, a cultura, a educação e as experiências de vida desempenham um papel determinante na construção da identidade emocional e na predisposição para procurar apoio. A cultura estabelece normas sobre o que é emocionalmente aceitável, o que pode levar à normalização, repressão ou até considerar patológico. Numa sociedade onde a vulnerabilidade emocional é estigmatizada, pode existir uma maior resistência na procura de ajuda, enquanto contextos mais abertos ao debate sobre saúde mental tendem a facilitar o acesso ao acompanhamento psicológico. Na educação, o impacto está especialmente na forma como as competências emocionais são desenvolvidas desde a infância. Pessoas que aprenderam a identificar e a regular as suas emoções tendem a lidar melhor com dificuldades, onde o ambiente escolar e familiar proporcionaram esse estímulo, enquanto aquelas que cresceram em ambientes que desvalorizam o bem-estar psicológico podem enfrentar mais desafios na gestão emocional. Além disso, as experiências pessoais e o meio envolvente, incluindo as relações interpessoais e as condições socioeconómicas, influenciam diretamente a saúde mental. Conseguir ter uma rede de apoio estruturada e acesso a recursos adequados, pode facilitar a adaptação a momentos de maior vulnerabilidade, enquanto a ausência desses fatores pode agravar o sofrimento psicoemocional. Assim, a compreensão da saúde mental exige uma abordagem integrada, que tenha em conta tanto as características individuais como os fatores externos, evitando simplificações e considerando a complexidade de cada caso.

Enquanto líder e psicóloga, como avalia o impacto do autoconhecimento na gestão de equipas e na tomada de decisões estratégicas? Acredita que é uma competência essencial para empreendedoras e líderes?

O autoconhecimento é uma competência essencial para uma boa liderança, pois permite ao líder compreender as suas próprias limitações, motivações e comportamentos, fornecendo uma base sólida para a tomada de decisões. Ao reconhecer essas dimensões pessoais, o líder consegue adaptar a sua abordagem de forma mais ajustada às necessidades da organização e da equipa, sendo mais eficaz na gestão das suas funções. Na gestão de equipas, o autoconhecimento ajuda a identificar as capacidades individuais e as interações dentro do grupo, permitindo um equilíbrio entre os recursos da organização e o potencial da equipa. Para as pessoas empreendedoras, essa competência é igualmente crucial, pois permite avaliar a viabilidade de uma ideia e ajustá-la conforme as condições reais do mercado e os recursos disponíveis. Ser empreendedora e/ou líder não se resume a ter uma ideia, mas sim em conseguir implementá-la de forma pragmática, ajustando-a sempre que necessário para garantir a sua sustentabilidade e sucesso.

O stress e o burnout são cada vez mais comuns no ambiente corporativo. Como podem as empresas e líderes empresariais atuar para promover o bem-estar psicológico dos seus colaboradores?

O stress e o burnout não surgem isoladamente, mas sim como resultado de um modelo de trabalho que normaliza padrões exigentes e que associa a produtividade à disponibilidade total do colaborador. A cultura do “bom funcionário” que está sempre acessível e disposto a sacrificar a vida pessoal pela estabilidade financeira tem sido um dos principais fatores de exaustão profissional. Em Portugal, um estudo recente da Ordem dos Psicólogos revelou que mais de 60% dos trabalhadores sentem elevados níveis de stress laboral, e cerca de 30% apresentam sinais de burnout. Esta realidade não se aplica apenas a funções operacionais, mas também a cargos de gestão, onde a pressão por resultados e a necessidade de inovar constantemente geram elevados custos psicológicos. As entidades têm um papel ativo na mitigação deste fenómeno e devem ir além das iniciativas simbólicas, como palestras sobre saúde mental. A implementação de medidas concretas, como horários flexíveis, políticas de descanso realistas e equipas dimensionadas para as exigências da função, são fundamentais. Além disso, a criação de um ambiente em que os trabalhadores se sintam seguros para expressar as suas dificuldades sem receio de represálias pode ser um fator determinante na redução do stress laboral e na promoção do bem-estar.

 

 

 

 

A acessibilidade aos serviços de saúde mental ainda é uma questão preocupante. Que estratégias a sua clínica adota para garantir que mais pessoas possam beneficiar de acompanhamento psicológico, independentemente da sua condição socioeconómica?

A acessibilidade aos serviços de saúde mental continua a ser um dos maiores desafios na área. O custo das consultas e a escassez de apoios públicos impedem que uma grande parte da população tenha acesso ao acompanhamento psicológico de que necessita. No entanto, este problema não se resume apenas ao fator financeiro. Muitas pessoas ainda enfrentam dificuldades na procura de um serviço adequado devido à falta de informação, longas listas de espera no setor público e até à insegurança quanto ao próprio processo terapêutico.

Na nossa clínica, procuramos atenuar estas barreiras através de parcerias institucionais que possibilitam o acesso a serviços de psicologia a preços ajustados à realidade económica dos pacientes.

Além disso, acreditamos que parte do problema passa pela necessidade de um trabalho preventivo, e não apenas remediativo. Por isso, investimos na promoção da literacia em saúde mental, realizando ações que informam a população sobre a importância do acompanhamento psicológico e desmistificam a ideia de que a terapia é apenas para casos de sofrimento extremo.

O objetivo não é apenas tornar o serviço acessível, mas também garantir que mais pessoas compreendem o seu valor e procuram apoio antes de atingirem um estado de exaustão psicológico.

Como a psicologia pode ajudar a repensar o conceito de “sucesso” na sociedade atual, especialmente quando a pressão por resultados imediatos pode afetar a saúde mental das pessoas?

O conceito de “sucesso” na sociedade moderna está profundamente influenciado pela pressão por resultados rápidos, visibilidade imediata e desempenho constante, elementos que podem ser prejudiciais ao bem-estar psicológico. Essa ideia de sucesso é moldada por um sistema que valoriza mais a produção e a criação, deixando de lado a manutenção e a reutilização de recursos e trabalho qualificado, o que gera um ciclo de exaustão nas pessoas.

Este conceito de sucesso não é uniforme, pois varia entre géneros, gerações e comunidades, sendo, muitas vezes, mais associado ao cumprimento de objetivos tangíveis, como riqueza, reconhecimento e produtividade. Contudo, para muitos, esse ideal é inalcançável ou insustentável, dado que não leva em conta as múltiplas dimensões do bem-estar psicológico, que hoje em dia têm mais variáveis do que em tempos passados. A realidade contemporânea exige, de uma forma quase imperativa, que as pessoas acompanhem uma velocidade de vida que nem todos conseguem suportar.

Essa pressão constante pode levar a problemas graves, como o burnout, depressão, e até doenças físicas prematuras, muitas vezes, ligadas ao stress crónico. Embora o desenvolvimento pessoal seja importante, é fundamental perceber que o sucesso não deve ser um conceito único e normativo, mas algo que respeite a individualidade de cada pessoa, permitindo uma abordagem equilibrada entre a realização pessoal e o cuidado com o próprio bem-estar. O problema é que, em muitos casos, a sociedade ainda não reconhece o valor do autocuidado como um veículo para o sucesso sustentável e saudável.

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