“Nós somos a base de tudo em qualquer parte do mundo”

José Correia Azevedo, Presidente

Ser enfermeiro em Portugal é estar enredado por um conjunto de preconceitos que mantém a Enfermagem como mão-de-obra barata, sem condições de vida e trabalho. Aproxima-se a comemoração do Dia Internacional do Enfermeiro, a 12 de maio, e José Correia Azevedo, Presidente do Sindicato dos Enfermeiros, que nos apresenta um cenário de precariedade na profissão.

O Dia Internacional do Enfermeiro que se celebra a 12 de maio, foi criado pelo Conselho Internacional dos Enfermeiros e a data escolhida remete para o aniversário de Florence Nightingale, considerada a fundadora da enfermagem moderna, que se destacou na Guerra da Crimeia com o auxílio prestado aos soldados feridos que eram vítimas, sobretudo, de erisipela e gangrena gasosa. Os soldados morriam com a falta de oxigenação porque o vírus das doenças é anaeróbico e, por isso, não sobreviviam com o oxigénio. Florence teve a ideia de arejar as salas com um jogo de janelas que ventilavam o ambiente sem o agredir e, com este método, conseguiu reduzir a mortalidade de 42 para dois por cento, tornando-se uma figura de destaque para a enfermagem.

Uma outra figura que se destacou e através do qual emergiu a profissão de enfermeiro   foi S. João de Deus, considerado o patrono universal da enfermagem e responsável pela humanização e dignificação dos cuidados de saúde a doentes psiquiátricos.

A importância dos enfermeiros na prestação de cuidados de saúde

O que é ser em enfermeiro em 2021 em Portugal? José Correia Azevedo responde com toda a certeza que “é ser um explorado das circunstâncias várias que nos põem na fila da frente para os sacrifícios, para a eficácia nos tratamentos e na melhoria das condições de saúde das pessoas, mas simultaneamente nos põem na retaguarda para compensações justas e merecidas que temos direito e não estão a ser satisfeitas”.

Esta é o cenário traçado pelo Presidente do Sindicato dos Enfermeiros que alerta para o não reconhecimento merecido e para a importância dos enfermeiros na prestação de cuidados de saúde principalmente com a Covid-19. “A pandemia está a ter desastres brutais quer na economia quer na saúde das pessoas, e se não fossem os enfermeiros, com o seu esforço e as suas próprias vidas, seria muito pior”.

A Enfermagem como classe profissional integrante e estruturante do SNS

A Enfermagem é uma profissão estrutural do Sistema nacional de Saúde (SNS) e, por isso, é primordial investir. Em Portugal, esse investimento não está a ser feito ou pelo menos nos locais certos. “Com as poucas posses que temos esbanjamos muito da nossa energia e do nosso dinheiro com corporativismos. Quem sofre as consequências? Os enfermeiros”, assevera José Azevedo. Como nos relata há neste momento uma verba de 100 por cento que sai do ministério da saúde para remunerações (vencimentos mensais e outras remunerações extra). Os médicos, que são cerca de 14 porcento de funcionários do ministério da saúde, recebem 87 por cento desta quantia e apenas 13 por cento está direcionada para os enfermeiros. E porque existe esta discrepância? “São os corporativismos, porque em Portugal ser «doutor» é tudo”.

José Azevedo relembra a greve dos enfermeiros em 1975 na qual reivindicavam o aumento do vencimento em cinco letras. “O topo estava a vencer pela base, houve uma inversão de valores. Hoje estamos nessa mesma situação”. Portanto, a categoria de enfermagem tem, nas suas palavras, de ser profundamente hierarquizada para a organização interna do serviço, para o seu funcionamento, porque tem de haver responsabilidades assumidas e uma hierarquia consistente que mantenha tudo a funcionar. “As administrações atuais não percebem que sendo a enfermagem a estrutura do sistema, para que ele assente em bases sólidas tem de ser fixo e para isso tem de criar condições de trabalho para que as pessoas se sintam bem naquilo que fazem”. Este é a grande problemática apontada pelo Presidente do Sindicato dos Enfermeiros que acrescenta que “não é tanto o comemorar o dia internacional, mas sim quanto é que lhes pagam”. Para que os profissionais possam ter um ambiente social normal têm de der o mínimo de condições porque as exigências são muitas, e a começar pela própria pessoa que tem o direito de se sentir bem na sua pele e, sobretudo, o trabalho que exercem, de primeira qualidade, tem de justificar isso tudo. José Azevedo não coloca em causa o trabalho medico que considera necessário, “mas há uma grande desproporção quando contratam médicos e enfermeiros.

Os desequilíbrios entre a saúde pública e privada

O desequilíbrio entre a saúde pública e privada é outro dos grandes problemas apontados por José Azevedo que explica a baixa remuneração dos enfermeiros. Em Portugal, neste momento, existem 119 hospitais privados e 111 públicos e embora não se possa efetivar uma comparação linear “porque há hospitais públicos com o quíntuplo do que os privados”, é certo dizer que os hospitais privados procuram nos públicos a mão de obra que necessitam. Como nos explica isto significa que o público se sente pressionado e não assegura o número de enfermeiros precisos, porque ao invés de darem o que merecem, pagam-lhes metade do seu vencimento e o restante forçam a que seja ganha na instituição privada. “Isto é um problema sério, estas pessoas não vivem, são escravos!”, atenta José Azevedo que considera um caminho para um mau ambiente e uma frustração dos profissionais que deviam trazer um sorriso.

Corrigir este cenário leva o seu tempo, mas o Sindicato dos Enfermeiros tem-se esforçado para que a realidade mude e que os enfermeiros trabalhem numa só instituição e a trabalhar sem incertezas. “Há pessoas que estão a trabalhar há 20 anos com contratos precários, que têm o mesmo vencimento como se começassem hoje a trabalhar”.

No sentido de colmatar a precariedade atual vivida pela classe dos enfermeiros, o Sindicato está a trabalhar num acordo coletivo de trabalho com o privado. “Se a qualidade é bem paga, se cativa e chama, a privada pode dar uma boa lição fazendo os melhores e dá-se o fenómeno inverso”. Um acordo que a cumprir-se irá permitir que haja mais qualidade nos cuidados privados e que o valor pago se rentabilize com mais afluência de pessoas.

O papel do enfermeiro na luta contra a Covid-19 e a carreira de enfermagem

A Covid-19 iniciou o seu impacto em Portugal em março de 2020. Desde então, os enfermeiros são a primeira linha de combate à pandemia, expondo à sociedade a importância da enfermagem como profissão autónoma, ordenada, que preza pelo cuidado humano. De acordo com o Presidente do Sindicato a pandemia tornou-se um problema sério e grave porque “evidencia mais os cuidados da enfermagem”.

José Azevedo dá-nos o exemplo da tentativa da venda das vacinas nas farmácias, que considera um risco porque “pode haver a necessidade de prestar o socorrismo” para o qual as farmácias não estão preparadas e teriam de ter um médico para prestar esse auxílio. “Este é um retrato da hipervalorização que se dá a uns e a desvalorização que se dá a outros, só que com um inconveniente: estes outros que somos nós (enfermeiros) somos a estrutura. Nós somos a base de tudo em qualquer parte do mundo”.

O Sindicato dos Enfermeiros procura acima de tudo valorizar a profissão, fazer com que as carreiras profissionais reflitam e deem o valor a quem o tem. “Não queremos tirar o valor aos outros, temos é que ter o nosso.”

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