Miguel Raimundo, Médico Especialista em Ginecologia, Obstetrícia e PMA, dedica a sua carreira a ajudar casais a concretizar o sonho da parentalidade, desmistificando preconceitos em torno da fertilidade e da procriação medicamente assistida. Com uma abordagem centrada na empatia, rigor clínico e inovação tecnológica, Miguel Raimundo destaca a importância da informação e do apoio emocional ao longo de todo o processo.

Fale-nos um pouco sobre o seu percurso e a razão para a escolha da especialização em Medicina da Reprodução? Ao longo do seu percurso, quais foram os maiores desafios que enfrentou?
Escolhi a especialidade de ginecologia e obstetrícia porque é a área de medicina que permite conciliar a parte médica e a parte cirúrgica. O que esta área tem de vantagem é que conseguimos dar soluções às pacientes, que acompanhamos desde que são adolescentes até à fase da menopausa.
A Medicina da Reprodução surgiu na minha carreira, porque percebi que muitos casais queriam engravidar e não conseguiam e quero tornar esse desejo realidade. Motiva-me muito conseguir que as expectativas dos casais se tornem realidade.
Tendo em conta o seu objetivo de desmistificar tabus nesta área, qual considera ser ainda hoje o maior preconceito que persiste na sociedade sobre a Procriação Medicamente Assistida?
Um dos preconceitos que persiste relativamente à Procriação Medicamente Assistida (PMA) é a perceção de que recorrer a estas técnicas é, de alguma forma, uma falha e que a fertilidade “natural” é a única forma legítima para a parentalidade. Esquecemo-nos que a infertilidade é uma condição médica que pode afetar qualquer um de nós. Desmistificar este tabu significa reforçar a mensagem de que todas as formas de construir uma família são válidas, sem julgamentos e sem preconceitos.
Quais são, atualmente, as principais causas de infertilidade tanto no homem como na mulher? Que estratégias de comunicação considera essenciais ao lidar com casais que enfrentam um diagnóstico de infertilidade?
Atualmente, os principais fatores de infertilidade feminina estão relacionados com disfunções ovulatórias, como a síndrome dos ovários poliquísticos, endometriose e fatores relacionados com a idade avançada da mulher, que impactam a qualidade e a quantidade de óvulos. No homem, os fatores mais comuns de infertilidade incluem anomalias espermáticas e os maus hábitos de vida, por exemplo.
No meu ponto de vista, acho crucial existir uma comunicação clara e empática com os casais que sofrem problemas de fertilidade. Transmitir ao casal toda a informação sobre este processo e não omitir nenhum detalhe ou opção de tratamento. É também importante reconhecer o impacto que este tipo de problemas pode ter na vida dos casais e dar-lhes a possibilidade de ter todo o tipo de acompanhamento especializado.
Quando um casal enfrenta dificuldades em engravidar, quais são os critérios clínicos e emocionais que orientam a escolha entre tratamentos menos invasivos e o recurso à fertilização in vitro?
Quando um casal tem dificuldades em engravidar, a escolha entre recorrer a tratamentos menos invasivos ou à Fertilização In Vitro (FIV) depende de análise clínica e psicológica.
Após esta avaliação inicial, a escolha entre tratamentos menos invasivos e o recurso à Procriação Medicamente Assistida (PMA) depende de vários fatores, incluindo a duração da infertilidade (habitualmente superior a um ano), a idade da mulher e eventuais insucessos em tentativas prévias com abordagens menos complexas. Todas as decisões são personalizadas e ponderadas, considerando não só os dados clínicos, mas também a estabilidade emocional do casal, que assume um papel central em todo o processo.
Quais os principais avanços na área da reprodução assistida? De que forma a inteligência artificial está a ser integrada nestes processos e que impacto real tem tido na personalização dos tratamentos?
Os avanços mais relevantes na área da Procriação Medicamente Assistida incluem a melhoria dos protocolos de estimulação ovárica, a evolução das técnicas de cultura embrionária e a introdução da biópsia embrionária para diagnóstico pré-implantação que permite uma seleção mais precisa.
A introdução da inteligência artificial veio reforçar significativamente os avanços na medicina da reprodução. Para além de permitir uma avaliação embrionária mais objetiva, esta tecnologia tem também contribuído para otimizar a seleção espermática e melhorar a avaliação da qualidade ovocitária. Como resultado, é possível realizar uma seleção embrionária mais precisa, aumentando as taxas de sucesso e personalizando as estratégias de tratamento de forma mais eficaz.
Relativamente a temas como a doação de óvulos e esperma e o diagnóstico genético pré-implantação, quais são os principais dilemas éticos e como é que os profissionais equilibram a ciência com os limites legais e morais definidos pela sociedade?
Esta área da medicina exige um equilíbrio muito rigoroso entre os avanços científicos, a responsabilidade e a ética. Temas como a doação de óvulos e esperma e o diagnóstico pré-implantação trazem questões éticas complexas relacionadas com a proteção da identidade dos dadores e que tipo de informação é que pode ser disponibilizada, bem como o uso responsável da tecnologia. O nosso compromisso, enquanto profissionais de saúde, é atuar de acordo com a legislação sem nunca esquecer os princípios éticos que regem esta área.
Olhando para os próximos dez anos, que mudanças ou tendências prevê na área da fertilidade e da medicina da reprodução?
Acredito que os próximos dez anos serão marcados por uma maior integração da inteligência artificial nos processos de procriação medicamente assistida. Mas prever o que vai acontecer daqui a dez anos numa área que está sempre a evoluir é muito complicado. Não sabemos o que vai acontecer no próximo ano, que técnicas podemos implementar. Por isso, dez anos é um espaço de tempo muito grande para prever mudanças ou tendências.
No âmbito do Dia Mundial da Fertilidade e de Junho ser o Mês da Consciencialização para a Fertilidade, que mensagem gostaria de deixar aos casais que estão atualmente a enfrentar dificuldades para engravidar, muitas vezes em silêncio e com grande carga emocional e psicológica?
É importante que os casais saibam que não estão sozinhos. Procurar ajuda médica por questões relacionadas com fertilidade não pode ser um sinal de fraqueza, mas sim de coragem. Ninguém está sozinho neste processo e nós, profissionais de saúde das diversas especialidades, estamos cá para ajudar.
No próximo dia 14 de junho vai realizar-se o evento ‘Fertilidade sem tabus, Welcome Summer’. Que tipo de impacto espera que esta iniciativa venha a ter junto dos profissionais de saúde e da opinião pública?
O principal objetivo do evento ‘Fertilidade sem Tabus: Welcome Summer”, é precisamente quebrar tabus. Juntar várias especialidades para dar mais informação aos casais que querem ter filhos. Será um espaço aberto, de proximidade, para falar sobre o tema da fertilidade. Vamos levar a questão da fertilidade para lá das clínicas e hospitais, para que todos tenham acesso à informação e que tirem as dúvidas e inquietações que têm.