Herdade Papa Leite: um tesouro “religiosamente guardado”

Localizada no coração do Alto Alentejo, a Herdade Papa Leite é um tesouro escondido que se destaca como um exemplo brilhante de dedicação, paixão e qualidade na produção de vinhos. Com uma história enraizada no sonho de um produtor visionário, a propriedade oferece produtos de grande qualidade e procura satisfazer os seus visitantes.

O vinho sempre ocupou um lugar especial na vida de Filipe Barreiros. “Lembro-me perfeitamente que com os meus 20 anos comprava vinhos e fazia de um dos meus quartos uma garrafeira”, revela o produtor. Após vários anos a adquirir conhecimento pelo mundo fora, Filipe transformou 320 hectares num espaço dedicado à criação de gado e à produção de vinhos e azeites inovadores.

Ao contrário de alguns produtores que priorizam a produção em grandes quantidades, Filipe enveredou apenas pelas 70 mil garrafas para garantir a qualidade do produto. “Fiz tudo ao contrário. Se vejo portugueses a ir lá fora comprar vinhos ainda mais caros que os nacionais, então tenho espaço para criar algo muito bom, vender a um preço mais elevado e dar a oportunidade de as pessoas beberem um vinho de excelência”, esclarece.

Os vinhos da Herdade Papa Leite são verdadeiras obras de arte engarrafadas, onde cada rótulo representa ideias únicas do proprietário, desenhadas pelo artista alterense Pedro Ramalho. “O “Pacto do Diabo” surge porque este vinho correu demasiado bem! Era a segunda vez que fazia tinto e todos adorámos. Disse à minha mulher que ia ficar “Obra do Diabo”, como não foi do seu agrado decidi chamá-lo de “Pacto do Diabo”, revela Filipe Barreiros. Acrescenta que todo o processo criativo para a nomenclatura surge através de expressões ou de momentos únicos vividos na herdade.

A diversidade dos produtos produzidos neste monte é notável. Mas foi com os vinhos brancos que Filipe Barreiros iniciou o seu percurso. “Queria um branco para as senhoras poderem beber e que combinasse com um bom prato de carne”, esclarece. “Se conseguisse vender às senhoras, entrava num mercado de vinho tradicional ainda não explorado. Foi nessa ideia que me concentrei ao selecionar o tipo de castas, sabendo que, se as senhoras gostarem de beber, os homens também vão apreciar”, finaliza o proprietário.

Desde vinhos tintos encorpados e elegantes até brancos frescos e aromáticos, cada garrafa é um convite para uma experiência sensorial única. Os vinhos icónicos da propriedade são reconhecidos pela sua personalidade marcante e pela capacidade de transmitir a história e a paixão dos produtores. Para os vinhos brancos destacam-se as uvas das castas Viognet, Semilion, Chenin Blanc e Moscatel e para os vinhos tintos Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot e Alicante Bouschet.

Além da garantia de qualidade conferida pelas barricas, é necessário perceber a reação destas castas à terra. “O Moscatel é uma uva que tem imensa dificuldade em resistir a este calor muito alto do Alentejo e depois o frio e o excesso de água rebentam com a uva. É uma casta muito difícil de trabalhar”, explica Filipe Barreiros.

A Herdade Papa Leite foi projetada para receber unicamente 90 toneladas de uva, de modo a não criar a tentação de produzir mais vinho. Segundo o produtor, “o problema é que a partir das 100 mil garrafas as distribuidoras começam a pedir margens maiores e a tentação é ir aos supermercados quando não se consegue vender”. Na visão de Filipe “nem sempre o grande público consegue chegar ao preço destes vinhos”. No caso dos vinhos Papa Leite, a distribuição é feita de um modo distinto. Com os conhecimentos obtidos nos Estados Unidos, Filipe criou uma mailing list. “Os melhores produtores de vinhos americanos usufruem de uma mailing list e quem tem acesso a ela tem o privilégio de poder ser o primeiro a comprar”, revela. O proprietário explica que os seus canais de venda passam também por três distribuidores, restauração bem selecionada e algumas garrafeiras.

De acordo com o produtor, o segredo do negócio está na forma como a equipa trabalha e faz a vindima. “O tratamento de doenças a tempo e horas, a limpeza permanente, a monda de cachos e o tratamento analítico do terroir são procedimentos fundamentais para uma vinha saudável e maturada”, revela Filipe. Ainda assim o produtor enfatiza que “dificilmente se podem produzir vinhos iguais de ano para ano”, tendo em conta as diferentes condições climatéricas e atmosféricas.

Vislumbrando o futuro e baseando-se em exemplos do Alto Douro, Filipe Barreiros fez uma aposta no enoturismo. “Comprei uma casa muito gira e fiz um hotel para poder hospedar por mais tempo”, explica. O proprietário confessa que a ideia surgiu durante uma reflexão sobre a ligação entre a propriedade e a gastronomia local. “Temos dos melhores restaurantes em Vaiamonte, o Tintos e Petiscos, do Joaquim Ramalho. O filho, Filipe Ramalho, também tem aqui o Páteo Real onde se come primorosamente bem”, acrescenta Filipe em tom de convite. Uma característica que diferencia esta propriedade de tantas outras é o cuidado e consideração pelos negócios vizinhos. “Fazemos para meia dúzia de restaurantes um vinho da casa mais barato para poderem vender. Eles têm esse brio e eu faço uma homenagem à restauração”. Desta forma, Filipe pode dar a conhecer o que de melhor tem a oferecer e fidelizar clientes na região.

A hospitalidade e a atenção com o cliente são características marcantes da herdade. Segundo Filipe, é através de programas de provas de vinho, como “Seja enólogo por um dia” que os clientes e turistas percebem como se faz um blend e, acima de tudo, “podem testar os seus sentidos e levar algo personalizado para casa”. Confessa que gosta de receber quem os visita para “mostrar com carinho tudo o que se pode fazer no terreno”. O ambiente acolhedor e aconchegante convida os visitantes a desfrutar de momentos especiais, seja num passeio pelas vinhas, na sala de degustação ou em eventos temáticos organizados pela propriedade. Além do dom para o vinho, a herdade procura aumentar a atividade do hotel durante a semana e continuar a alimentar a criação bovina.

A reputação deste projeto de vida tem atravessado fronteiras e conquistando o reconhecimento de apreciadores. Mas o futuro e o aumento da produção só à vinha pertencem, desde que a garantia de qualidade se mantenha. A equipa procura, por fim, manter o ponto alto onde está e que o valor do vinho continue intrínseco a cada garrafa.

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