FCiências.ID: O fomentar da investigação

Nesta edição conversamos com José Manuel Rebordão, presidente do Conselho de Administração da FCiências.ID, Luís Carriço, diretor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e com os investigadores Henrique Leitão, Joaquim Alves Gaspar e Sara Magalhães sobre a investigação desenvolvida no âmbito das Unidades de Investigação geridas pela associação FCiências.ID, em parceria com a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Presidente do Conselho de Administração da FCiências.ID, José Manuel Rebordão.
Tendo a FCiências.ID sido constituída em 2017, a sua atividade ressalta perante a comunidade científica nacional e internacional. Descreva a importância desta instituição como veículo de ligação entre os diversos polos de investigação académica e os investigadores nacionais, explicando como os pode ajudar a concretizar os seus projetos de investigação e apoiá-los na obtenção de financiamento.
A Associação tem como principal função promover e facilitar as atividades de I&D dos investigadores dos seus associados, viabilizando a concentração destes nas atividades científicas e assumindo para si todas as atividades de natureza contratual, administrativa e financeira. Parece pouco, mas não é, dada a extraordinária proliferação de programas de financiamento, nacionais e internacionais, públicos ou privados, a profusão de leis, regulamentos e idiossincrasias próprias, e a flutuação de procedimentos das entidades nacionais. É da natureza da investigação a sua natureza colaborativa. Não é portanto anómalo termos consórcios (muitos dos quais lideramos) com 10 ou mais entidades, todas elas envolvidas na tramitação contratual e na execução financeira. Como lideramos a maior parte dos projetos, significa responsabilidades e tarefas acrescidas na ligação com os nossos parceiros. A experiência dos últimos 25 anos – pois antes da FCiências.ID já assumíamos a mesma cultura noutra instituição, a FFCUL – prova que este esforço rende, pois traduz-se numa extraordinária qualidade e diversidade da atividade científica. Constatamos ainda que rende a seriedade e rigor que temos posto nesta gestão das atividades de I&D, pois temos uma aceitação nas entidades financiadoras que apenas pode advir da nossa credibilidade.
O processo de apoio às atividades de I&D começa cedo – na compreensão e divulgação dos programas de financiamento, logo que eles são anunciados. Prolonga-se pelo apoio aos investigadores, que precisam de saber como lhes pode interessar concorrer, pela ajuda à submissão de propostas (às vezes com apoio a consultores externos, sobretudo no caso dos programas internacionais) e, mais tarde, pelas discussões com os financiadores, elaboração dos contratos, execução financeira e reporte ao financiador e documentos finais. No meio, temos contratações, aquisições, atividades de organização de eventos científicos – enfim, tudo o que for necessário para dar segurança e ambição aos investigadores e, paulatinamente, contribuir para o reforço da capacidade financeira das equipas de I&D, pois só com financiamento livre as unidades de I&D e os investigadores são capazes de determinar livremente a sua estratégia científica.
Devo realçar o peso que os recursos humanos têm neste exercício. Atualmente, assumimos as responsabilidades de contratação de cerca de 300 bolseiros de investigação, de 100 investigadores e de cerca de 40 funcionários administrativos. A responsabilidade que a FCiências.ID assume em nome dos seus associados e, sobretudo, em nome dos seus investigadores, é difícil de imaginar – mas é real, impondo uma gestão financeira e de tesouraria que nunca deixa de pôr os interesses das pessoas em primeiro lugar.

Diretor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Luís Carriço.
O ERC – European Research Council reconheceu o mérito e importância científica do trabalho desenvolvido pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, através da atribuição do financiamento a três investigadores. Refira a importância científica dos projetos de investigação e até que ponto este financiamento beneficia a reputação e credibilidade da FCUL na comunidade científica nacional e internacional.
Este tipo de financiamento atribuído pelo ERC é extraordinariamente competitivo. Baseia-se na avaliação do currículo do investigador que concorre, segundo parâmetros extremamente exigentes em todas as categorias e em particular na Advanced, e que incluem o reconhecimento da excelência do investigador pela comunidade científica internacional da área da proposta. Além disso, apoia apenas projetos com um potencial impacto científico elevado, portanto investigação de ponta, incentivando projetos com também elevado risco, para os quais é sempre mais difícil obter financiamento. Trata-se ainda de quantias substanciais que permitem ao investigador contratar uma pequena equipa focada numa investigação reconhecidamente de charneira. Tem, portanto, todos os ingredientes para elevar, ao cabo do seu termo, ainda mais a excelência do investigador que encabeça o projeto e a da sua equipa na sua área de investigação.
Ciências, como qualquer instituição a cujos investigadores seja atribuída uma ERC, fica a ganhar triplamente, pelo menos. Primeiro porque conquista duma instituição como a ERC, e por via da avaliação, da própria comunidade científica internacional, o reconhecimento da qualidade dos seus investigadores. Em segundo, porque assegura financiamento para fazer o que melhor sabe, investigação de elevada qualidade. Em terceiro, porque mostra a todos em Ciências que é possível e encoraja todos os nossos excelentes investigadores a concorrer no futuro. Pelo menos, porque todos sabemos, perdão, todo o mundo civilizado sabe, que o investimento em investigação e no ensino superior é condição fundamental para assegurar a competitividade de um país nos dias de hoje. O reconhecimento gera reconhecimento, o investimento gera investimento, e os seus resultados, materiais ou humanos, quando aproveitados, melhoram a competitividade das empresas e as próprias instituições de investigação e ensino superior, como uma bola de neve.
Nesse aspeto, infelizmente, o país parte bem de trás e é extraordinário como Ciências e as instituições Portuguesas de investigação e ensino superior e os seus docentes e investigadores conseguem ter um reconhecimento internacional de excelência apesar de tudo: do fraco investimento do próprio país, e também das suas empresas, na investigação; do fraco aproveitamento de ideias e recursos humanos por pessoas, empresas e governos do país, e da incapacidade deste (ou de todos) de serem seletivos pela qualidade, e não pelo compadrio.
Ciências e outras instituições de investigação e Ensino Superior em Portugal esforçam-se por mostrar que é possível. É possível sermos reconhecidos internacionalmente pela excelência científica e de investigação. As três ERCs mostram-no claramente. Como o mostram também todos os outros indicadores de excelência científica porque nos pautamos em Ciências. Aos nossos três investigadores a Faculdade de Ciências agradece profundamente, encorajando-os a eles e a outros a continuar o excelente trabalho.

Investigador Henrique Leitão.
Vencedor do ‘Advanced Grant’ descreva o quão pertinente é o facto de ter recebido este financiamento, explanando a sua reação.
Projeto RUTTER – Making the Earth Global: Early Modern Nautical Rutters and the Construction of a Global Concept of the Earth (dois milhões de euros) As Bolsas do European Research Council (ERC), nos seus três níveis (Starting, Consolidator, Advanced), são sempre muito difíceis de ganhar. Exigem sempre um projeto que seja muito inovador e de grande impacto, e que o investigador responsável tenha uma sólida reputação internacional, adequada ao nível a que concorre. Gostaria, no entanto, de sublinhar que, na vida académica, mesmo as conquistas que parecem muito individuais são sempre, em grande medida, feitos coletivos. Todos os investigadores beneficiam muitíssimo, até de maneiras que são difíceis de identificar, das comunidades académicas onde estão inseridos. No meu caso, este resultado não teria sido possível sem a Faculdade de Ciências e a FCiências.ID, sem o meu Departamento e o meu Centro de Investigação, e, acima de tudo, sem o grupo de investigadores (colegas e alunos de doutoramento) com quem trabalho mais diretamente todos os dias. Este enquadramento permite-me olhar com serenidade para o Projeto, sem dúvida ambicioso, que agora tenho pela frente. Trata-se de fazer uma reconstrução do processo histórico que levou à criação de conceitos científicos (meteorológicos, oceanográficos, geofísicos, etc) que permitem o estudo da Terra a uma escala global, a partir de documentação portuguesa e espanhola dos séculos XVI e XVII. Ou seja, mostrar como alguns aspetos concetuais do modo como entendemos a Terra foram resultado da deslocação física de pessoas, em viagens de escala planetária.

Investigadora Sara Magalhães
Vencedora do ‘Consolidator Grant’ descreva o quão pertinente é o facto de ter recebido este financiamento, explanando a sua reação.
Projeto COMPCON: Competition under (niche) construction (dois milhões de euros) Eu trabalho há 20 anos com ácaros herbívoros, pragas de culturas. A ERC prende-se com o estudo da interação entre o tomate e a competição entre várias espécies de ácaros. Nesta lógica produtivista de retorno rápido pela qual o mundo atual se rege, os financiamentos para a ciência fundamental são cada vez mais escassos. A ERC vem dar um novo fôlego aos investigadores que pretendem fazer ciência motivada estritamente pela curiosidade de compreendermos o mundo em que vivemos. Para além disso, permite assumir uma dose de risco e fazer essa ciência a uma escala impensável noutros tipos de financiamentos. Ironicamente, no meu caso, isso passa também por uma maior aproximação da minha investigação aos problemas reais da agricultura.
Ter a ERC permitiu-me ainda assegurar o salário e condições de trabalho maravilhosas para os estudantes, cientistas e pessoas espetaculares com quem tenho tido a sorte de partilhar o meu percurso profissional.

Investigador Joaquim Alves Gaspar
Vencedor do ‘Starting Grant’ descreva o quão pertinente é o facto de ter recebido este financiamento, explanando a sua reação.
Projecto Medea-Chart – Medieval and Early Modern Nautical Charts: Birth, Evolution and Use (1.2 milhões de euros) O projeto Medea-Chart começou em junho de 2017 e tem por objetivo resolver uma série de questões historiográficas que têm iludido os historiadores da cartografia, relativas à génese, evolução e uso das cartas náuticas durante a Idade Média e período pré-moderno (ver figura). Propomos atingir este objetivo através do uso de técnicas interdisciplinares inovadoras, em complemento dos métodos tradicionais de investigação histórica, que incluem a análise cartométrica, a modelação numérica e o exame físico dos manuscritos através de métodos multi-espectrais e de datação por carbono-14.
Com uma duração de cinco anos, o projeto conta com uma equipa residente de oito membros e com um grupo de consultores externos, que inclui alguns dos melhores especialistas internacionais em história da cartografia. Passados cerca de dois anos desde o seu início, alguns resultados importantes foram já alcançados sobre a origem da cartografia náutica medieval e a estreita relação entre as cartas náuticas antigas e as técnicas de navegação.

 

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