Edifícios antigos devolvem “em dobro” o que lhe damos

José António Lopes, arquiteto

A vocação conduziu-o a seguir arquitetura. É nos projetos industriais que encontra os maiores desafios profissionais. O planeamento estratégico e a coordenação de programas de desenvolvimento em cooperação (apoiados em ferramentas de financiamento) são novas áreas que está a aprofundar e onde se sente confortável, fruto da experiência profissional junto nos municípios. 20 anos após a licenciatura na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, abraçou novamente o meio académico, numa pós-graduação em Estudos Avançados em Património Arquitetónico. Mantém, desde há 20 anos, o gabinete ad quadratum, arquitetos que têm no seu portefólio obras de referência como, por exemplo, a recuperação e reabilitação parcial do Convento do Beato após um trágico incêndio.  Esta é a entrevista ao Arquiteto José António Lopes, CEO da ad quadratum, arquitectos.

 

 

Arquiteto por vocação, a paixão pelas artes tem raízes familiares?

Nunca antes tive alguém na família ligado às artes, muito menos à arquitetura, mas assumi essa opção e orgulho-me de exercer arquitetura por vocação. Licenciei-me na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, em 1994, e 20 anos depois voltei, para complementar os estudos e cimentar a experiência profissional, com uma pós-graduação em Estudos Avançados em Património Arquitetónico. A vontade de regressar à sala de aula deu-se porque os temas do património, reabilitação de edifícios antigos e técnicas de restauro despertam-me particular interesse e representam uma parte significativa do exercício da minha atividade. Por outro lado, foi bom também porque o regresso aos estudos nos obriga a adotar métodos de trabalho diferentes do que estava habituado. Para além disso, pude levar a minha experiência profissional para dentro de uma sala de aula, questionando sobre temáticas reais que podem ser aplicadas quase de imediato.

O seu percurso como dDiretor de departamento de uma autarquia dá vantagem competitiva ao gabinete de arquitetura que lidera e que fundou?

Sem dúvida. Durante 20 anos estive do ‘lado de dentro’ do balcão de uma autarquia o que me deu saber e experiência, importantes para aplicar quando ‘do lado de fora’ temos de intervir nos territórios. A minha carreira numa autarquia permitiu-me adquirir conhecimentos, por exemplo, quando no planeamento territorial se exige, entre outros desafios, a coordenação de equipas pluridisciplinares. Não é a universidade que nos dá o saber e a competência nestas áreas. Uma tarefa que recentemente abracei, de forma plena, foi a consultoria, porque acredito que posso trazer a experiência da gestão autárquica para esta prática. O conhecimento adquirido nos cargos de chefia num município, muniram-me de ferramentas que se revelam valiosas quando sou convidado a prestar consultoria a um autarca ou aos serviços das autarquias que necessitam de rever a sua gestão territorial ou outras matérias relacionadas com a consultoria em projeto e arquitetura.

A carreira de funcionário público é sempre mais confortável do que a situação de trabalho por conta própria em que há a necessidade de ‘enfrentar’ a gestão e sustentabilidade financeira de uma estrutura. O que lhe deu coragem para este salto?

Fundei o gabinete em 1999 e nunca deixei de exercer a minha prática privada, que me permitiu desenvolver projetos e consolidar prática em áreas tão diversas como a arquitetura industrial ou a reabilitação patrimonial. Ao fim de 20 anos a trabalhar num município entendi ser o momento de empreender e apostar na minha atividade privada. Estavam reunidas as condições de experiência e maturidade profissional para me centrar exclusivamente no meu próprio ‘projeto’, deixando uma situação confortável e cómoda para encetar o caminho de risco, também de ‘empresário’ porque há que ser capaz de sustentar a estrutura – o que é um grande desafio, ainda maior no domínio do trabalho intelectual, muito pouco valorizado no nosso país. As ideias parecem aos olhos de muitos clientes como algo a oferecer e não como fruto do nosso trabalho e investimento profissional, pelo que manter uma atividade de natureza intelectual exige maior coragem e determinação. É um mercado muito difícil.

São muitos os colaboradores da ad quadratum, arquitectos?

Somos aquilo que habitualmente se designa por ‘um gabinete de autor’ pelo que a equipa será sempre dimensionada tendo por base essa premissa. Relativamente à arquitetura da reabilitação ou da construção de raiz, beneficio de experiências próprias que transfiro à coordenação da minha equipa por quatro excelentes profissionais. Nas outras áreas coordeno equipas de parceiros externos em domínios muito distintos, em Portugal e não só.  Perante a necessidade de um projeto vamos à procura dos melhores parceiros para dar corpo à solução que satisfaça os padrões de qualidade que exigimos na nossa prática.

Como surge a consultoria em instrumentos de gestão territorial e a coordenação de programas de cooperação e ferramentas de financiamento?

Como há pouco referi, a experiência adquirida na autarquia, principalmente nos cargos de chefia, obrigou-me a ir para além da zona de conforto que o curso de arquitetura nos dá. Agir num território vai para além das questões ligadas à arquitetura e exige-nos um grande conhecimento de planeamento. Depois, é preciso encontrar as ferramentas que tornem exequíveis as soluções e tive de procurar conhecimentos em muitas áreas distintas da minha formação base. A gestão territorial passa também pela coordenação de programas de cooperação e das suas ferramentas de financiamento que vão para lá das nossas fronteiras. A Europa tem mais para oferecer às regiões e só tendo uma ligação a Bruxelas é possível trazer para Portugal essas janelas de oportunidade.

Como surge a ligação a Bruxelas e às ferramentas de financiamento para além dos programas nacionais?

Há em Portugal, a ideia errada de que os fundos comunitários são apenas os que conhecemos nos programas nacionais de coesão e que têm uma data para o seu fim. Não há o conhecimento nem a prática dos municípios para procurar as ferramentas de financiamento disponíveis na Comunidade Europeia e em que as regiões de toda a Europa cooperam e competem para aceder a fundos. A Europa é cada vez mais de regiões e cada vez menos de países e quem assim olhar para os territórios acede a instrumentos de financiamento fundamentais à gestão territorial.

Existe passividade na gestão territorial? Quais as principais consequências que aponta?

O desenvolvimento territorial passa pela proatividade dos municípios. Deve existir ânimo próprio por parte de quem está por detrás das instituições – entenda-se dos técnicos, dos políticos, sejam autarcas locais ou regionais. Urge uma certa inquietação de não ficar satisfeito com as ferramentas que são comuns terem ao dispor. A não se verificar este posicionamento os territórios ficam para trás. Os autarcas – salvo honrosas exceções – já racionalizaram, mas não interiorizaram, que estamos num espaço político à escala europeia. Ainda que tenhamos ferramentas de planeamento e financiamento, vindas do Orçamento Geral do Estado Português ou do Programa Portugal 2020 (acordo entre o Governo Português e a União Europeia) há, no entanto, toda uma Europa que está a cooperar noutro tipo de acordos e parcerias. Primeiro porque muitos países/regiões já não estão abrangidos pelos fundos ditos de coesão, e segundo porque existem ferramentas de planeamento e financiamento ao dispor de qualquer país da União Europeia (em que as regiões ou instituições acedem endereçando as candidaturas diretamente a Bruxelas) algo que não é comum em Portugal. Infelizmente as pessoas ainda tendem a pensar que essas verbas são só atribuídas aos países mais desenvolvidos, mas isso não é verdade, pois estas também estão ao alcance dos municípios e das regiões de Portugal.

Qual a razão que faz com que os municípios portugueses sejam os que menos procuram esses apoios na Comunidade Europeia?

Creio que a verdadeira razão seja a falta de conhecimento por parte dos autarcas, mas também do corpo técnico das autarquias que está sempre muito assoberbado de trabalho, não tendo as ferramentas para descobrir todas estas oportunidades. Por vezes, o quotidiano dos problemas de gestão de uma autarquia não permite o distanciamento para avaliar o território e encontrar soluções que, não sendo imediatistas, são o garante de uma boa gestão territorial. Há que ter tempo e disponibilidade para pensar os municípios como estando integrados na Europa. Não pretendo afirmar que os autarcas não saibam que existem esses programas, simplesmente não têm disponibilidade para tratar de todos os problemas e necessitam de ajuda especializada para o fazer. Compreenda-se que a gestão corrente de uma autarquia é muito absorvente, principalmente nas mais pequenas.

E na área do planeamento e urbanismo quer-nos referir o vosso posicionamento?

Temos a competência para interpretar e atuar sobre problemáticas territoriais. Desenvolvemos processos nos domínios dos estudos estratégicos, do planeamento territorial e ordenamento sempre em equipa com as autarquias. Desenvolvemos o que chamo planos estratégicos de ‘nova geração’ pois, ao contrário dos estudos académicos sobre os territórios, procuramos desenvolver documentos com vincada vocação para a implementação de ações e que constitua na sua elaboração um forte estímulo ao envolvimento de representantes da população e dos principais agentes económicos, sociais e culturais.

De volta à disciplina arquitetura. Qual a sua área de eleição?

A arquitetura é a minha formação e obviamente que os outros saberes a completam e, por isso, estou sempre à volta da arquitetura, mesmo quando faço gestão territorial, mas entendo a sua pergunta.  É difícil dizer que há uma área de eleição, talvez seja mais verdade afirmar ser o maior desafio: o tema industrial. Um dos meus primeiros projetos, mal terminei o curso, foi o projeto de um edifício industrial em Águas Santas, na Maia. Na época, ser confrontado com um projeto industrial, foi um enorme desafio profissional e pessoal. Obrigou-me, desde logo, a ter a estrutura adequada no gabinete e estatura a nível pessoal. Os vários projetos industriais, realizados ao longo dos anos, permitiram-me ter um vasto portefólio de que muito me orgulho.

O industrial tem duas características que me agradam muito: primeiro, a sua mente. Um industrial pretende algo muito preciso, porque o programa é sempre muito condicionado em termos técnicos e de processo. Pode transparecer a ideia de que estamos mais condicionados em termos criativos, o não é verdade, pois acredito que quantas mais condicionantes temos, maior é o estímulo com que trabalhamos. Segundo é a confiança que eles depositam no nosso trabalho, uma vez que se mantêm fiéis a quem realiza projetos de sucesso, o que é ótimo para o gabinete.

Tem em mão um grande desafio na área que mais gosta…

Os desafios são os projetos que ambicionamos fazer e o projeto industrial que estou neste momento a desenvolver foi um desafio pessoal e profissional. Esta antiga fábrica têxtil no Vale do Ave, onde nos encontramos, tem na área intervencionada, mais de 30.000m2 e nos tempos áureos empregou quase cinco mil funcionários. Na época, a Fábrica de Fiação e Tecidos do Rio Vizela, foi uma referência nacional, mas faliu com o declínio da indústria têxtil nos anos 80. Atualmente, está a ser retomada por investidores portugueses, que reconheceram o seu valor patrimonial, e pretendem reabilitá-la aproveitando estas estruturas. Quando soube desta possibilidade, concorri e ganhei o concurso para a recuperação deste magnífico e único conjunto edificado.

Apresente um balanço do seu percurso profissional.

O balanço é muito positivo. A minha carreira profissional é o resultado de toda a minha experiência e o facto de a ter começado numa instituição como uma autarquia contribuiu, em muito, para o sucesso que hoje me apraz ter. O facto de querer estar sempre atualizado, de ter voltado a estudar, ter mantido o meu gabinete de arquitetura ao longo de 20 anos, demonstrou que posso ir ainda mais longe. A área da consultoria, que agora estou a abraçar, vai ajudar-me a aplicar os conhecimentos e técnicas que aprofundei nestes anos de carreira. Atualmente, todas as diretivas comunitárias apontam para a necessidade reabilitar o edificado, não só pela recentes questões visíveis das cidades, onde há necessidade da existência de edifícios para acolher os turistas, mas sobretudo por questões profundas de sustentabilidade patrimonial e identitária. Reabilitar é muito mais barato do que construir de raiz, mas a perícia está em saber como o fazer, como reabilitar os edifícios, principalmente os mais antigos. A intervenção e a investigação em edifícios e conjuntos de interesse patrimonial e património não só o classificado são uma arte que exige um saber muito específico e obrigam a um grande respeito pelos edifícios a intervencionar. Os edifícios antigos ‘devolvem em dobro’ o que lhes damos. Intervir num edifício antigo é sempre um trabalho muito compensador pela retribuição que uma vez reabilitado este nos dá.

…então e um conselho para os leitores ?

Difícil …. Que  optem sempre pela competência e qualidade, porque este será o legado que deixarão às gerações futuras.

Peço que me indique quatro obras de referência ao longo destes 20 anos.

Só me permitindo enumerar quatro, aponto com dificuldade pois há outros projetos igualmente de referência:

Complexo Industrial do Grupo CEREALIS na Maia; Projeto de estudo urbanístico e viário envolvente à zona industrial de Águas Santas; Reabilitação e ampliação do antigo Grande Hotel do Pezo, em Melgaço; Recuperação e reabilitação parcial do Convento do Beato.

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