Do desafio à excelência: A visão de Maria João Correia
Inovação, resiliência e visão estratégica definem a trajetória de Maria João Correia, Arquiteta e Fundadora do Segmento Urbano. Com 19 anos de experiência, transformou desafios em oportunidades, consolidando um modelo de conceção-construção que alia criatividade, eficiência e sustentabilidade. Nesta entrevista, reflete sobre a sua jornada, os desafios da liderança feminina no setor e o impacto da metodologia BIM na arquitetura e construção.

Maria João Correia, Arquiteta e Fundadora
Como a sua experiência pessoal e profissional influenciaram a fundação e evolução do Segmento Urbano? Quais lições aprendeu ao longo da sua carreira como arquiteta e empresária?
Sou teimosa, gosto de desafios e de excelência.
O Segmento Urbano nasceu através de um desafio, como quase tudo que tem acontecido na história do Segmento Urbano ao longo destes 19 anos. Foi me lançado um desafio, na altura para revisão de um projeto no sentido de conseguir integrar mais moradias num loteamento. Com a teimosia que me caracteriza agarrei o desafio com todas as forças e algumas noitadas depois, conseguimos uma solução arquitetonicamente interessante e diferente do “comum” que criava muito valor ao promotor. Assim surgiu o Segmento Urbano, e o seu primeiro projeto, o Condomínio Palmeiras em Luanda.
A minha experiência pessoal e profissional reflete-se na totalidade nos valores do Segmento Urbano. Sou filha de dois líderes, cada um na sua área, e cada um com as suas características, um mais conservador, o outro mais liberal, mas ambos visionários e de extrema competência e rigor. Apesar de ser o que se considera “aluna de excelência” no secundário e de poder ter tido um percurso académico normal em Portugal, optei por estudar em Inglaterra e na Austrália, sair completamente da zona de conforto e do comum e isso fez-me crescer muito quer em termos pessoais quer em termos profissionais.
Tive a sorte de “me deixarem voar” e o desejo de querer voar.
Os valores do Segmento Urbano de excelência, de inovação, de valor, de integridade, meritocracia e colaboração, são sem dúvida um reflexo da educação e formação que tive; sou imensamente grata à minha Mãe pelo rigor e ao meu Pai pela liberdade.
Aprendi a transformar a teimosia em determinação. Hoje tento com resiliência e capacidade de adaptação constante superar os desafios de todos os dias, sem perder a essência e os valores sob os quais também educo os meus filhos.
Como tem sido a sua experiência como líder feminina neste setor predominantemente masculino? Quais foram os maiores desafios que enfrentou e como os superou?
Os desafios para as mulheres ainda são enormes, não apenas na área da arquitetura e construção, mas em diversos setores profissionais.
A necessidade de resiliência é constante, pois ainda lidamos com assédio, desvalorização, preconceito e estereótipos que persistem até aos dias de hoje.
Além disso, as mulheres precisam de se esforçar significativamente mais para provar a sua competência e conquistar o seu espaço. No ambiente de negócios, é fundamental analisar cada situação com cautela, onde muitas vezes se enfrentam barreiras invisíveis.
Poucas empresas oferecem um caminho de crescimento profissional que não exija a difícil escolha entre a maternidade e a carreira. Na prática, muitas ainda são vistas como menos “rentáveis” devido às responsabilidades familiares que, culturalmente, recaem mais sobre elas.
No contexto das obras, esse desafio intensifica-se. Muitas vezes, parece necessário esconder a feminilidade ou adotar comportamentos considerados “masculinos” para se afirmar no meio profissional. Diria mais, ter muita mas muita capacidade de encaixe para “sobreviver”.
Para as mulheres, toda e qualquer atitude deve ser calculada para evitar interpretações equivocadas, algo que raramente é uma preocupação para os homens.
Além disso, há uma diferença marcante nas interações de negócios: enquanto os homens podem fechar contratos em jantares ou viagens corporativas sem grandes questões, para as mulheres isso representa um desafio extra, especialmente quando conciliam a rotina profissional com as responsabilidades familiares – como garantir o jantar dos filhos, ajuda-los nas tarefas da escola ou acompanha-los nas atividades extracurriculares.
É evidente que ainda há um longo caminho a percorrer para garantir igualdade de oportunidades e condições justas para as mulheres no setor. A mudança deve ser tanto estrutural quanto cultural, permitindo que competência e talento sejam os verdadeiros critérios de valorização profissional
Que progressos considera que ainda precisam ser feitos para alcançar a igualdade de género no setor da arquitetura e construção? De que forma a diversidade de género pode beneficiar as empresas e o setor da construção em geral?
O primeiro passo para a mudança é que as mulheres assumam o desafio e arrisquem. Não devemos temer ocupar espaços tradicionalmente masculinos, nem sentir receio de afirmar a nossa identidade feminina. Pelo contrário, ser mulher é uma vantagem, não uma desvantagem.
Com determinação e vontade, acredito que as mulheres podem alcançar posições ainda mais altas, trazendo inovação e equilíbrio ao setor. Para aquelas que são mães, o impacto vai além do profissional: a postura no trabalho educa os filhos a verem e respeitarem as mulheres como líderes em qualquer setor, contribuindo para uma mudança cultural necessária e gradual.
Imagino um futuro em que vejamos mais mulheres em funções operacionais no setor da construção, como ladrilhadoras ou armadoras de cofragem, não apenas na decoração de interiores como é tão característico. Isso traria não apenas diversidade, mas um ambiente mais saudável e produtivo para todos. No entanto, para que essa mudança aconteça, é fundamental que as mulheres também estejam dispostas a sair da sua zona de conforto e explorar novas possibilidades.
A transformação está em curso, e cada passo dado por uma mulher neste setor abre caminho para muitas outras no futuro.
Como vê o papel das empresas na promoção da igualdade de género e no empoderamento feminino? Que conselhos daria a outras mulheres que aspiram a posições de liderança na área?
As empresas têm de deixar cair o estereótipo de que os homens são mais rentáveis e mais disponíveis, porque é de facto um mito. Há mulheres no Segmento Urbano que põem muitos homens num bolso, portanto, na minha opinião as empresas devem apenas analisar soft skills e hard skills independentemente de serem homens ou mulheres, formar e dar espaço que possam atingir o máximo potencial, que se transformará em valor para a empresa. O meu conselho é que as mulheres têm de querer, ter noção das dificuldades que estão presentes à partida e acreditar que cada uma de nós pode ser veículo de mudança. Vontade, resiliência e tolerância (consigo própria) são na minha opinião fatores chave para que qualquer mulher consiga chegar a posições de topo. Nem todos os dias conseguimos ser excelentes profissionais, e nem todos os dias conseguimos ser excelentes mães, mas tenho a certeza que no dia seguinte temos capacidade de equilibrar qualquer uma das duas vertentes que tenha ficado menos bem “executada” no dia anterior.
O Segmento Urbano distingue-se por um conceito inovador de conceção/construção e pelo uso de BIM. Como essa metodologia tem transformado a forma como trabalham e como gerem os projetos?
No Segmento Urbano, garantimos a inovação, excelência e identidade em cada detalhe dos projetos através da nossa abordagem de conceção-construção. Inicialmente, focávamo-nos apenas na elaboração de projetos, expandimos para a construção, e hoje já só construímos projetos da nossa autoria (Design & Build). A concepção-construção, que só é possível porque trabalhamos em BIM (Building Information Modelling) é, na nossa opinião, a melhor forma de transformar as ideias em realidade e de criar valor, optimizando processos, controlando custos e assegurando a excelência em todas as fases da obra, desde o estudo prévio ao pedido de licença de habitabilidade.
Em 19 anos de carreira, quais foram os projetos mais marcantes? E como estes refletem a filosofia da empresa de equilibrar criatividade, funcionalidade e eficiência?
Todos os projetos ao longo destes 19 anos tiveram a sua importância quer na nossa aprendizagem quer no nosso crescimento. Talvez sejam de salientar os que marcaram a trajetória do Segmento Urbano, o primeiro, o Condomínio Palmeiras, o C-Spot, que nos colocou pela primeira vez como finalistas no Mundial de Arquitetura, e hoje o Porta do Vale, da Valenegócios em Paços de Ferreira, que é sem dúvida o puro (bom) exemplo da concepção-construção.
A sustentabilidade e responsabilidade social tem sido uma das preocupações do mundo atual. Poderia detalhar algumas das práticas e projetos que implementam para minimizar o impacto ambiental e contribuir para o bem-estar da comunidade?
A sustentabilidade e a responsabilidade social são pilares essenciais no nosso trabalho, sendo aplicadas tanto na execução das obras (uso racional de materiais, técnicas de arquitetura passiva, software BIM) quanto na formação de novos profissionais. A nossa escola de construção civil visará formar mão de obra qualificada, melhorando a qualidade das obras, reduzindo desperdícios e proporcionando um ambiente de trabalho mais seguro e digno. Acreditamos que a sustentabilidade vai além da questão ambiental, envolvendo também a valorização das pessoas e a criação de oportunidades. Com a formação, não apenas aprimoramos as obras, mas também oferecemos crescimento profissional àqueles com acesso limitado a essa área. O nosso objetivo é continuar a promover inovação e responsabilidade social, tornando o setor da construção mais eficiente, humano e sustentável.
Qual é a sua visão para o futuro da Segmento Urbano e qual o legado que gostaria de deixar no setor da arquitetura e construção?
A minha visão para o futuro do Segmento Urbano é continuar a antecipar desafios e oportunidades na arquitetura e construção, garantindo soluções eficientes e rentáveis para o mercado imobiliário. Ao prever problemas e implementar estratégias inovadoras, conseguimos um setor mais ágil, sustentável e competitivo, alinhado com as exigências do futuro.
O nosso foco é criar um modelo de investimento inteligente, onde a arquitetura e a construção estejam totalmente integradas para maximizar o retorno. Acreditamos que um projeto bem estruturado não é um custo, mas sim um ativo estratégico, capaz de potenciar a valorização imobiliária, otimizar custos e reduzir riscos.
Queremos demonstrar que investir bem começa sempre com um bom projeto, garantindo que cada edifício entregue ao mercado seja diferenciado, sustentável e financeiramente sólido. Essa é a marca que pretendemos deixar no setor: arquitetura como um motor de valorização e crescimento imobiliário.
Fotos Créditos: Francisco Miranda / Yank Creative Media