“Devemos arriscar mais, não ter receio de sair da zona de conforto”
Conhecer o mundo, sair das zonas de conforto e arriscar são os princípios ideais para uma carreira evolutiva e de sucesso, que Filipa Fixe Santos, Administradora Executiva da Glintt, desde 2018, foi colocando em prática, ao longo do seu percurso pessoal e profissional.
É licenciada em Engenharia Química, Mestre em Engenharia Bioquímica e Doutorada em Bio/Nanotecnologia no desenvolvimento de chips de DNA. A paixão pela biotecnologia, saúde digital e medtech tem a ver com a mudança que estas áreas proporcionam na vida dos outros como mudou a sua?
Não há uma razão muito objetiva. No ensino secundário começou um gosto muito forte pela Biologia, Física e Química. O meu pai também esteve sempre ligado a áreas das químicas, não sei se teve alguma influência, mas efetivamente perceber o que se podia fazer com a Física e Matemática foi algo que me atraiu. Depois entrei para o curso de Engenharia Química e no 3º ano entrei para o ramo de Biotecnologia (hoje conhecido como Engenharia Biomédica) e, aí sim, descobri realmente que estava apaixonada pela área e como a área da tecnologia podia colaborar com a Medicina e impactar na sociedade no seu final.
A Medicina, a Engenharia, a Física, a Matemática, atualmente não podem viver sozinhas, têm de coabitar para que os profissionais de saúde possam aproveitar do que de melhor se faz na Engenharia, Matemática e Física para ajudar as pessoas a prevenir doenças, mas sobretudo, que tenham os tratamentos mais diferenciados e personalizados. Claramente a tecnologia tem um valor imenso e o que se faz nestas áreas, aplicado no contexto da saúde pode tornar a medicina mais participativa e de maior precisão.
O seu percurso profissional, com mais de dez anos, é caracterizado por uma forte presença em áreas ligadas à inovação, tecnologia e gestão da saúde e é, desde 2018, Executive Board Member na Glintt. O que a deixa mais feliz e realizada neste percurso?
É sempre um tema difícil! Conseguir fazer o Doutoramento, para mim foi uma vitória, porque entrei numa área muito diferente da minha formação base. Saí, claramente, da minha zona de conforto. Depois conseguir entrar no mundo empresarial, em Portugal, também considero uma vitória, porque vinha de um Doutoramento, de uma área inovadora, e no nosso país não havia a noção de que um doutorado podia aportar valor ao sector empresarial.
Não foi uma vitória fácil, porque Portugal, há 15 anos, era muito diferente e não tinha esta abertura, mas atualmente estamos num patamar totalmente diferente, evoluímos muito, e as empresas percebem o valor acrescentado.
Dentro da Glintt, liderar a área da saúde, faz-me acordar todos os dias com energia, motivação e com um brilho nos olhos, porque o futuro passa por aqui. Portanto, poder estar numa empresa que transporta a inovação para o mercado e que a aplica é uma grande conquista. Para além disso, tenho uma equipa diferente, com conhecimentos vários e muito coesa.
Os desafios colocados pela pandemia, nomeadamente ao nível da transformação digital, criaram um imperativo para as empresas reconfigurarem as suas operações e alterar a forma de liderar uma organização?
De um dia para o outro tivemos de intensificar a utilização das plataformas digitais para trabalhar em equipa com os clientes e parceiros. Foi uma mudança substancial, mas os processos estavam organizados e suportados em ferramentas únicas que nos permitiram partilhar informação.
Quando olhamos para a liderança, esta hoje assenta num modelo híbrido. Tenho de perceber as diferentes necessidades das diferentes equipas que lidero, porque a natureza de cada função também exige diferentes abordagens junto dos clientes. Para que continuemos a trabalhar, de uma forma coesa, é importante que haja uma figura motriz da empresa, para que as pessoas percebam o propósito, sintam que contribuem para a sociedade e que as empresas devem transmitir mesmo que à distância.
A Glintt continua a promover e a apostar cada vez mais nas mulheres em iniciativas como “WE Health “Empowering women entrepreneurs in health innovation” (projeto com o EIT Health) e “Glintt Women Tech Talks – GWTT”. Considera importante dar a conhecer histórias inspiradoras e de sucesso, em contexto corporativo?
Eu estudei Engenharia no Instituto Superior Técnico e, na época, os cursos tinham a predominância do género masculino. Hoje, acho que o padrão se alterou, já temos muito mais mulheres, mas efetivamente as que chegam às empresas de tecnologia são, ainda, em número muito inferior ao desejado. Vemos também que o número de mulheres, quer seja em empresas ou outras instituições, que desempenha cargos de chefia é muito inferior relativamente ao número dos homens. Portanto, temos de garantir que há muitas mulheres a entrar nas empresas e instituições, para que desenvolvam o seu potencial. Devemos arriscar mais e não ter receio de sair da zona de conforto. Para que as mulheres consigam arriscar mais, é bom ouvir outros exemplos e apresentar estes casos de sucesso, é muito importante e motivador.
Atualmente, considera que existem mulheres altamente qualificadas na área das TI em grandes empresas, mas a ascensão profissional ainda é muito reduzida? Porquê?
Acho que as mulheres têm de fazer o seu percurso. Por um lado, as empresas e instituições, devem, quando falamos nas tecnologias associadas à saúde, contratar em número igual de homens e mulheres para garantir que na base haja uma diversidade suficiente para que possam alcançar os mesmos níveis de direção. Por outro lado, as mulheres têm receio de arriscar, porque têm medo de não cumprir os requisitos ou de não estar à altura. Perdermos este receio é muito importante para avançar. Sei que não é um tema fácil para as mulheres, como somos multifacetadas não olhamos só para o emprego, mas sim para um todo. Mas temos de romper com esse estigma, arriscando.
Para as mulheres que trabalham no sector da saúde, quais as direções que aconselha para uma carreira evolutiva?
Um dos conselhos é sair das zonas de conforto para aprender, errar, corrigir e crescer. Se ficarmos sempre na zona onde estamos mais confortáveis, o mais provável é que não consigamos crescer nem aprender novas realidades. Terminar a Licenciatura e ir para um Doutoramento foi, claramente, sair da zona de conforto e arriscar a nível pessoal e profissional. Era muito mais simples ficar em Portugal, mas tomei essa decisão e fui para outro país. Foi um desafio pessoal e profissional único.Outro conselho que posso dar é conhecermos o mundo, não ficarmos apenas no conforto, porque crescemos profissionalmente com experiências, mas ainda mais pessoalmente com conhecimento.