Democracia não pode significar ingovernabilidade

 

 

Francisco Proença de Carvalho, Advogado

 

 

Quando em 2008 Manuela Ferreira Leite, com a sua especial ironia, questionou se não seria bom haver seis meses sem democracia para pôr o país “na ordem”, não lhe faltaram acusações de autoritarismo. Todos sabemos que é uma democrata e, com uma breve ponderação, facilmente se entende o que quis dizer. Para não correr os mesmos riscos e para que não haja dúvidas no que respeita ao que penso: a democracia é, sem a mais pequena dúvida, o melhor de todos os modelos políticos inventados. No entanto, não pode significar ingovernabilidade. Se isso acontecer são os próprios eleitores que começam a desvalorizar a sua importância e a tolerar regimes menos livres, mas aparentemente mais eficazes. Como sabemos, é isso que já se vai notando em múltiplas democracias que julgávamos consolidadas no mundo.

Em Portugal vamos para as quartas eleições legislativas em cinco anos e meio. Algo inédito depois da loucura do PREC, apesar de tudo num contexto revolucionário após tantas décadas de ditadaura. 51 anos depois do 25 de abril, “eleições atrás de eleições” não é propriamente um sinal de saúde democrática, mas sim de irresponsabilidade e distanciamento entre a classe política e quem a elege. Nem vale a pena perdermos mais tempo a discutir as razões de cada um dos casos que motivou a interrupção das legislaturas. Mas, especialmente em países economicamente mais frágeis e com um setor privado menos forte, a instabilidade política tem um preço elevado, gerando insegurança jurídica, imprevisibilidade, paralisação de várias decisões de investimento e perda de valor.

Temos uma administração pública cada vez mais ingovernável, ultra burocratizada e que a cada crise política se torna ainda mais inoperante. Chega a ser desesperante…

Portanto, se a política portuguesa não consegue deixar de ser a política dos “casos e casinhos”, exige-se um pouco mais de responsabilidade, pelo menos, ao denominado Bloco Central que ainda representa uma larga maioria dos eleitores. Não, não precisamos de um Bloco Central como o que tivemos nos anos 80 do século passado, mas a economia espera e desespera por um “bloquinho central” de diálogo e entendimento em prol do país. Claro que é desejável esse entendimento em setores estruturais como a Saúde, a Educação ou a Justiça. Mas, atendendo a tantos complexos ideológicos que ainda subsistem e que minam visões pragmáticas para aqueles setores, já nem me atrevo a pedir isso. Assim, precisamos de um compromisso mais estável com as empresas que são a base de qualquer sociedade livre e desenvolvida. Nesse sentido, aqui ficam duas pequenas sugestões que ajudariam a economia a conviver melhor com a instabilidade política: uma agenda para a desburocartização, simplificação e gestão da administração pública; uma reforma fiscal para vários anos que, pelo menos, simplifique e estabilize o nosso sistema (já que é tão difícil discutir redução de impostos).

Custa assim tanto entenderem-se quanto a isto?

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