“Continuo apaixonada pela oftalmologia”

 

Manuela Cidade, Administradora

Com um percurso de aproximadamente 30 anos ligada à oftalmologia, Manuela Cidade é mulher apaixonada pela profissão, com fortes princípios éticos e deontológicos. Em entrevista à Revista Business, partilhou um pouco da sua história e do cunho pessoal que colocou na liderança de vários projetos.

Conte-nos a sua história, quando é que surge o gosto por esta área?
Contrariamente a muitos dos meus colegas, esta escolha não surgiu na infância. Resultou das várias opções que fui fazendo ao longo da minha vida académica e da certeza de que o nosso percurso profissional deve também ter em conta a nossa vida pessoal. A opção pela Oftalmologia ocorreu seis anos após a conclusão da licenciatura. Eu já era casada e mãe.
No entanto, a atração pela oftalmologia era grande. Apercebi-me que esta área da medicina estava numa fase de grande evolução tecnológica.
É uma especialidade em que podemos melhorar substancialmente a qualidade de vida das pessoas e em que as componentes médica e cirúrgica estão muito equilibradas, sendo que na maior parte das situações patológicas temos acesso visual às estruturas alteradas. Felizmente, a minha classificação no exame de acesso permitiu-me ficar no serviço que me havia sido recomendado, onde tive grandes mestres e fiz a maior parte do meu percurso hospitalar.
O meu gosto pela oftalmologia foi consequência de tudo o que vivi até à altura dessa escolha determinante para a minha carreira e para meu futuro, mas tudo o que vivenciei desde então só o tem aumentado. Hoje em dia, posso dizer que continuo apaixonada pela oftalmologia.

Atualmente faz parte do Conselho de Administração da ALM Oftalmolaser, em que momento da sua vida é que abraçou este projeto?

Receção Lisboa

Dedico-me à terapêutica LASER quase desde o início da minha carreira. Também desde cedo me dediquei à cirurgia da córnea e à correção da miopia e do astigmatismo, que nesses tempos se fazia através de técnicas que implicavam incisões profundas da córnea, exigindo grande precisão cirúrgica, mas que apesar de resultados maioritariamente satisfatórios também fragilizavam o globo ocular. Foi, portanto, com grande entusiasmo que festejei a introdução na prática clínica de um novo tipo de LASER, que para além dos bons resultados clínicos permitia uma maior segurança.
Os custos associados a esta nova tecnologia eram, no entanto, muito elevados, e o tratamento cirúrgico da miopia e do astigmatismo não era uma prioridade em termos hospitalares. A Oftalmolaser foi criada em 1994, por um grupo de colegas. Esta empresa foi pioneira, em Lisboa, da cirurgia refrativa por LASER de Excimer. Na altura, todo o processo foi relativamente inovador e teve o mérito de juntar num mesmo projeto oftalmologistas oriundos de vários hospitais, ultrapassando as barreiras existentes entre as várias escolas de oftalmologia. A Oftalmolaser foi um grande sucesso e esse foi um tempo de enorme realização pessoal. Tínhamos um elevado número de doentes e o espaço físico rapidamente se mostrou exíguo. Por outro lado, éramos pressionados pelos doentes para que prestássemos todo o tipo de cuidados oftalmológicos, quer diagnósticos quer cirúrgicos. Nessa época, a cirurgia ambulatória também entrou em fase de expansão e como tínhamos muita vontade de adotar práticas de excelência e inovadoras, e de as tornar acessíveis a toda a população, em 1999, decidimos abraçar mais esse desafio e surgiu a ALM.
Ao longo destes cerca de 20 anos, a ALM tem crescido, a ponto de se ter tornado a maior clínica privada de oftalmologia da cidade de Lisboa, tendo ainda, desde há 11 anos, uma extensão em Almada. Mantemo-nos fiéis aos nossos propósitos iniciais de exercer a atividade pensando no doente, fornecendo-lhe serviços de excelência, altamente especializados e inovadores. Orgulho-me da elevada qualidade técnico-científica dos oftalmologistas que connosco colaboram, assim como da competência de todo o restante pessoal.

Bloco Operatório

Foi chefe de serviço no Hospital de S. José e diretora do serviço de oftalmologia no Hospital Garcia da Orta. Que desafios é que estes cargos de liderança lhe têm colocado?
No H. S. José não senti os vários momentos de transição na carreira como desafios. Foram etapas que percorri com prazer. É do conhecimento público o esforço que os serviços têm que fazer para com os escassos recursos postos à sua disposição conseguirem exercer uma medicina de elevada qualidade. Sob o ponto de vista organizacional, muito provavelmente, o que me deu mais trabalho foi a reativação do sistema de colheita e transplantação de córnea, mas tive sempre colegas dedicados e muito motivados, o que simplificou grandemente a implementação desse projeto.
A direção do Serviço de Oftalmologia do Garcia de Orta, em 2003, foi realmente um desafio. Implicou sair completamente da minha área de conforto e muito trabalho. O serviço tinha poucos recursos, o número de oftalmologistas era mínimo e estavam desmotivados, e havia que dar resposta a uma área com cerca de 400 mil habitantes existindo uma lista de espera para consulta de seis anos. O serviço não estava dimensionado nem equipado para a prática de uma oftalmologia altamente diferenciada tecnologicamente como é a atual. Mas também lá me dei bem e me senti feliz. Aos poucos foram-se conseguindo os equipamentos necessários e construindo um espírito de equipa – médicos, ortoptistas, enfermeiros, auxiliares de ação médica e pessoal administrativo – todos unidos pela mesma vontade de valorizar o serviço e de o “colocar no mapa”.
Nesta evolução, houve dois momentos extraordinariamente importantes: o primeiro permitiu-nos ter no serviço um bloco operatório destinado exclusivamente à cirurgia de ambulatório, tornando a resposta cirúrgica mais adequada; o segundo foi o reconhecimento pelo Colégio da Especialidade de Oftalmologia de que já reuníamos condições para o ensino.
A presença de internos nos serviços cria uma nova dinâmica e uma necessidade permanente de atualização e inovação. Optei pela reforma, no final de 2010, mas estou encantada por ver como o serviço tem continuado a crescer e a evoluir.
Quem é Manuela Cidade enquanto mulher e profissional?
Enquanto mulher sou muito parecida com a maioria: partilhamos algumas caraterísticas ancestrais, temos alegrias e tristezas. A conjugação da nossa vida pessoal com a profissional, por vezes, é difícil e, ao longo da vida, muitas vezes me interroguei sobre as escolhas que estava a fazer. Há fases em que a profissão exige muito de nós e sabemos que também fazemos falta à família e a nós próprias. É fundamental conseguir manter o equilíbrio.

Que conselhos gostaria de deixar às mulheres que desejam fazer uma carreira de sucesso?
Sempre houve mulheres excecionais que se evidenciaram ao longo dos séculos e que nos podem servir de exemplo. Se hoje gozamos de igualdade de direitos, a elas o devemos, e a lista das descobertas e feitos (científicos, artísticos, entre outros) femininos é longa. Mas também sempre houve mulheres igualmente excecionais, que por terem tarefas mais comezinhas não foram valorizadas e ficaram no anonimato. No século passado, paulatinamente, as mulheres começaram a assumir profissões das quais eram geralmente excluídas, e hoje, a importância económica do trabalho profissional das mulheres já não é posta em causa no nosso país, sendo cada vez mais aceite a paridade inteletual e laboral.
Nunca trabalhei para o sucesso, mas sim para cumprir com os objetivos que me tinham sido propostos e para ultrapassar os desafios e exigências do dia a dia. No entanto, é fundamental gostar da profissão que exercemos e escolher a melhor forma de alcançar os nossos propósitos, manter fortes princípios éticos e deontológicos, ser resiliente e acreditar que com trabalho e persistência os objetivos são possíveis de alcançar. Julgo que o sucesso nasce enquanto estamos ocupadas a fazer tudo o resto.

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