“As mulheres não têm que se afirmar, mas sim ser vistas”

Fez de Amsterdão, casa e da Filosofia e do Coaching, maneira de viver. Falamos, como não poderia deixar de ser, de Lígia Koijen Ramos, CEO da In2Motivation.

Lígia Ramos,
CEO e Master Coach

A curiosidade é um dos aspetos que a identificam. Que outras características a definem enquanto mulher, líder e empreendedora?

Eu diria que a enorme capacidade de criar, ver e transformar perspetivas. Eu olho para o empreendedor como um artista que quer transformar o mundo com uma nova ideia, produto ou solução. Acredito também que a minha noção de servir os outros é muito relevante, pois posso ter uma grande ideia, mas se ela não serve um maior número de pessoas, torna-se irrelevante.

O facto de ser mãe de três crianças, uma delas no espectro do autismo é, com toda a certeza, uma das características que me define como líder. Quando falo de diversidade e neuro-diversidade, não falo dos livros, mas da experiência real e crua dessa vivência diária. Creio que isso me traz uma sensibilidade diferente para as circunstâncias pessoais dos meus colaboradores. Eu não imagino o que eles sentem, eu sinto-o. Costumam dizer “não há segredos para a Lígia, ela sabe sempre tudo”. Este é também um aspeto que me diferencia. Vejo e oiço mais do que a maioria das pessoas.

Enquanto mulher, o facto de ter ficado sozinha com três filhos e uma empresa, num mundo de negócios de homens, devido à passagem do meu marido para o plano divino, em 2021, após um cancro cerebral, não foi fácil. Mas eu sou um pouco rebelde e isso ajuda na hora de fazer o que ninguém espera. Existe uma forte resiliência e energia na minha forma de ver o mundo.

 

Em Amsterdão há 12 anos, já olha para esta cidade como uma “segunda casa”? Considera que, comparativamente a Portugal, existem diferenças entre a liderança no feminino e no masculino?

Amsterdão é a minha casa.

As diferenças relativamente a Portugal são muitas e não é para pintar o conceito nórdico de cor-de-rosa, mas o facto é que existe uma forma de estar que transforma o nosso dia-a-dia. Isso vê-se, por exemplo, no facto de ser muito mais normal um contrato de 32 horas do que 40 horas ou de não vivermos para trabalhar, mas trabalhamos para viver.

No final de 2019, os Países Baixos tinham alcançado o equilíbrio entre géneros. Em média, as empresas constituídas tinham Conselhos de Administração com 31,4% de mulheres, e Conselhos de Supervisão com 36,6% de mulheres. O que é um passo.

Ainda assim, a grande diferença não está na capacidade e representação na liderança das empresas, mas no espaço que é dado para manifestar características de liderança.

Nos Países Baixos não recebemos rótulos negativos por mostrar liderança, não tanto como em Portugal. Essa aceitação da manifestação de liderança é que é diferente para homens e mulheres.

Um homem é assertivo, uma mulher tem maus fígados. Um homem é focado, uma mulher é obstinada. Este tipo de distinção marca e faz com que muitas mulheres não manifestem liderança, pois não querem enfrentar a possibilidade de obter estes rótulos.

Do meu ponto de vista, muito mais do que ensinar sobre liderança, é importante mostrar como se faz e dar a coragem necessária para fazer. Muito do “inner game” que falamos no “unleash your transformation”.

Não existem contextos perfeitos para manifestar a nossa liderança. Existem alguns com os quais nos sentimos mais alinhados e mais de acordo com os nossos próprios valores. Eu sinto muito esse alinhamento com os valores da cultura dos Países Baixos.

Tendo eu estudado Cultura Insights e Cultura organizacional, o meu olhar sobre este assunto também se torna muito pragmático.

Portugal tem como traços culturais, entre outros, a elevada distância do poder e o coletivismo. Em contrapartida, os Países Baixos caracterizam-se pela curta distância do poder e o individualismo. Isto faz com que as formas de ver a liderança e o poder individual sejam distintas.

Há alguns anos atrás fiz o teste “Cultura Compasso” do instituto Hofstede, que recomendo muito mais que qualquer outro teste e, quando comparados os meus valores pessoais com culturas nacionais como Portugal e os Países Baixos, eu tenho uma visão muito afastada da hierarquia. A liderança advém do meu querer pessoal, da dedicação, da criatividade, do fazer acontecer e não do poder, seja por dinheiro, posição ou papel. Assim, Portugal, em termos de hierarquia, para mim é um conflito.

Acredito que a situação esteja a mudar para melhor, apesar de ser a um ritmo lento.

 

Na sua ótica, é cada vez mais importante que as mulheres se afirmem no mundo dos   negócios? Quais as principais mais-valias da liderança feminina?

Considero que nós, enquanto mulheres, não temos que nos afirmar, mas sim ser vistas e cabe à sociedade olhar para o nosso trabalho com “olhos de ver”. Há que respeitar o nosso trabalho e a nossa presença.

Ainda assim, acredito que existem mais-valias, pois cada pessoa vê o mundo e organiza a informação de forma distinta.

Talvez possamos deixar de fazer essa referência ao género e começar a questionar mais sobre “qual a sua perspetiva sobre o mundo?”, “como gere as suas relações e como organiza a informação?”. É muito mais importante perceber o funcionamento da pessoa em si, do que o seu género.

 

Embora não tenha seguido uma carreira ligada à Filosofia, sabemos que esta tem estado presente ao longo da sua vida. Nesse sentido, que ensinamentos desta disciplina aplica no seu quotidiano?

Eu acho que segui uma carreira filosófica.

Embora não seja professora de filosofia cito, muitas vezes, a caverna de Platão, pois ainda é uma realidade que se adequa.

Considero-me uma filósofa.

Lembro-me de um momento com o meu pai. Eu já estava a trabalhar exclusivamente na área do Coaching de equipas e estava a preparar um manual que continha a minha apresentação e o meu pai, um pouco emocionado, disse ao ler essa apresentação “aquilo que muitos diziam ser uma fragilidade, é o que agora te faz tão relevante”.

Isto porque ouvimos, muitas vezes, que aquilo que fazemos de diferente é mau. Ouvi muitas vezes que me devia dedicar a um tema, um nicho, uma única coisa. Só que essa não sou eu.

Todas as coisas que fiz desde a rádio, o teatro e até estudar anatomia, yoga ou gestão na Disney Academy, deram-me esta visão do mundo.

 

A comunicação é uma das bases do seu trabalho. Foi por isso que decidiu criar um canal no Youtube? Considera que as plataformas digitais são ferramentas bastante úteis para os profissionais do Coaching?

Sim! Não como meio de exposição, mas como meio de afirmação.

Comunicarmos e relacionarmo-nos são duas das mais predominantes necessidades humanas.  Assim, acredito que cada um de nós tem agora a oportunidade de dizer, falar, filmar e mostrar o que realmente é.

Tenho um canal no Youtube, um podcast e sou bastante ativa no Linkedin. Isto só acontece porque tenho algo que entendo por relevante para dizer. Quando sinto que não vou dizer nada que adicione valor, calo-me.

Trata-se de não fazer das redes sociais uma obrigação ou uma forma de angariar clientes, mas uma representação daquilo que queremos dizer ao mundo.

 

Contando com cerca de 25 anos de experiência, o que é que ainda lhe falta fazer? Como é que olha para o futuro?

Acho que chegou o momento de mostrar ao mundo o que fiz durante estes 25 anos.

Partilhar o que faz com que, atualmente, alguns me considerem uma referência no Coaching empresarial e pessoal.

Ando um pouco “zangada” devido à forma como o Coaching tem sido tratado. Também sei que o trabalho desenvolvido nesse sentido não tem sido muito bom. Existe muita confusão entre os termos mentoria, Coaching, formação, terapia e afins.

Acredito que podemos fazer melhor e com mais eficácia e mais ética também.

Os projetos para 2023 são: continuar o programa “manifestar liderança” pelo mundo, realizar um filme/documentário, um novo programa exclusivo de Coaching para profissionais, um programa exclusivo “Inner game” para empreendores e muitas palestras com o Livro “unleash your transformation”. E provavelmente mais tendo em conta que o meu manifesto para este ano é “mais do que é para mim”.

 

Pode ficar ainda a conhecer mais sobre o pensamento e trabalho de Ligia Koijen Ramos com os livros “Espiral de super poderes” e “O mais pequeno livro de liderança”.

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