As alterações climáticas vão agravar as doenças alérgicas, mas pode haver solução!

As alterações climáticas vão agravar as doenças alérgicas. Esta frase é o mote da Semana Mundial da Alergia, que se celebra entre 18 e 24 de junho. Todos os anos a World Allergy Organization elege um tema que merece especial atenção e este ano a escolha recaiu no impacto das alterações climáticas no desenvolvimento e/ou agravamento das doenças alérgicas.

Dr. João Gaspar Marques Imunoalergologista no Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica

A problemática das alterações climáticas prejudica tudo e todos, das mais diversas formas, e a doença alérgica não é excepção. Estas alterações promovem uma série de eventos que englobam o aumento da temperatura global e da poluição do ar exterior, contribuindo para eventos climáticos extremos e épocas de pólenes ainda mais alargadas. Outra repercussão indireta são os efeitos dos gases com efeito de estufa na estrutura dos pólenes, o que agrava a frequência e a gravidade da asma e da rinite alérgica provocada por estes. Adicionalmente demonstrou-se a associação entre a poluição atmosférica e o aumento da alergia respiratória, alimentar e de dermatite atópica. Surgirão ainda outras alterações relevantes com impacto na doença alérgica, nomeadamente o aumento dos fogos florestais, as tempestades de poeiras do Sahara e as tempestades e inundações associadas que podem propiciar o desenvolvimento de fungos e ácaros do pó doméstico.

Os doentes com alergia respiratória podem ter queixas de asma e rinite alérgica ou, muitas vezes, estas podem coexistir. Numa consulta de Imunoalergologia, após uma avaliação clínica detalhada, é possível complementar a investigação diagnóstica com testes cutâneos e/ou análises sanguíneas para determinar o perfil de alergias individual e, com isso, traçar um plano terapêutico personalizado. Este plano terapêutico engloba medidas de evicção dos alergénios (substâncias que provocam alergia), bem como, um plano terapêutico com fármacos que visam o controlo dos sintomas. Para além disso, é ainda possível e desejável a prescrição de imunoterapia específica com alergénios, muitas vezes designada de “vacina para as alergias”.

Estas vacinas são o único tratamento específico para a alergia, uma vez que modificam a história natural destas doenças. Estas vacinas reduzem os sintomas, melhoram a qualidade de vida, previnem a progressão e a gravidade da doença, impedem o aparecimento de formas de alergia e reduzem a necessidade de medicação. Este tratamento é prescrito de forma específica para cada doente, em função do seu perfil alérgico, por um período de 3 a 5 anos. O objetivo destas vacinas é “reeducar” o sistema imunológico para que passe a tolerar os alergénios que causam a alergia.

Com o aumento previsível e esperado nos próximos anos das alterações climáticas e pelo impacto já explicitado na doença alérgica as vacinas para a alergia podem ser uma solução. Em Portugal, estas vacinas foram comparticipadas até 2011, data em que de forma inexplicável, esta comparticipação foi revogada. Apesar das sucessivas diligências das autoridades de saúde e de regulamentação do medicamento em Portugal, nestes 12 anos, muitos doentes ficaram impossibilitados desta terapêutica pelo seu custo. Neste sentido, a Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica apresentou em maio último uma petição à Assembleia da República que visa repôr a comparticipação das vacinas. Esta petição está actualmente em fase de recolha de assinaturas (https://participacao.parlamento.pt/initiatives/3332), pelo que apelamos à sua subscrição.

Em conclusão, as alterações climáticas estão a alterar o nosso mundo e vão conduzir a um aumento da frequência e gravidade das alergias. A avaliação em consulta de Imunoalergologia dos doentes com doença alérgica é fundamental para definir o melhor plano de cuidados possível, que poderá passar pela prescrição de vacinas. O nosso papel é tornar possível a sua utilização, porque não há nada pior do que ter uma terapêutica verdadeiramente modificadora de que os doentes beneficiam, mas que não é instituída, de forma justa e equitativa, pelas diferenças de acesso.

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