Agroglobal: Semeamos negócios

Joaquim Torres, presidente

A Agroglobal, que se reclama como “a maior feira agrícola da Europa a céu aberto”, aproximou a agricultura da ciência e do empreendedorismo. Os 380 expositores e mais de 100 máquinas agrícolas deram a conhecer o que de melhor se faz na agricultura e as novas respostas tecnológicas no sector. Em entrevista à revista Business Portugal Joaquim Pedro Torres, presidente da AGROGLOBAL, fez o balanço da edição deste ano.

Qual o balanço da AGROGLOBAL 2018?

Muito positivo. Foi, sem dúvida, o maior evento agrícola alguma vez realizado em Portugal. Desde logo estiveram presentes praticamente todas as empresas que vieram em edições anteriores e, na maioria dos casos, com entusiasmo redobrado, provando que o caminho traçado vai ao encontro dos seus interesses.

Mas vieram muitas mais – foram 380 expositores – com muitas novidades e muita atividade. São elas que na realidade, quem fazem a AG são com o seu empenho e imaginação. As demonstrações de campo foram excelentes nos 150 hectares preparados para o efeito – sementes, adubos, agroquímicos, novas culturas. As máquinas em atividade, de todas as marcas presentes, mostraram-nos o que existe de mais moderno na mecanização da agricultura. De salientar que tivemos também mais empresas estrangeiras, principalmente espanholas, mas não só.

Mas, ainda mais importante que o estar, foi um saldo considerado por todos muito positivo em contactos, em negócios e novas ideias. Estão criadas as condições para que a AG prossiga a sua trajetória de crescimento firme e fiel ao seu conceito.

 

Quais as novidades desta edição?

Foi mais abrangente, com todas as nossas “agriculturas” representadas. Setores como frutas e legumes, horto-industriais, arroz, olival, frutos secos, floresta e outros reforçaram a sua presença. Alguns deles vão organizaram-se em conjunto, como aconteceu com a Portugalfresh, a Porbatata e a Casa do Arroz, conseguindo assim uma presença mais marcante.

Vai longe no tempo a feira do milho!

Também o Agro-inov cresceu, uma vez que as novas ideias e as start-ups exigiam mais protagonismo. Tivemos um pavilhão maior e totalmente reformulado, incluindo um pequeno auditório onde muitos novos projetos foram apresentados, com investidores à espreita. Os temas mais atuais do setor foram amplamente discutidos nos 2 auditórios (Companhia das Lezírias e Armando Sevinate Pinto) por personalidades experientes de cada setor e, como sempre, de outras áreas para “refrescarem” o nosso discurso e também conhecerem o que “por cá” se vai fazendo. Demos a conhecer o “estado” das negociações para a reforma da PAC com a presença do Diretor Geral de Agricultura da Comissão Europeia. Tivemos mais culturas instaladas, e muitas novidades com que as empresas expositoras nos surpreenderam.

Chegámo-nos mais às margens do Tejo pois ele é o eixo da agricultura do centro do país e pode vir, como se espera, a desempenhar aí um papel estruturante. Mas AG foi muito ativa a criar negócios e valor. Com empresas e visitantes procurando sinergias com vantagens mútuas das quais todo o setor agrícola pode beneficiar.

“Não vamos à AG só para ver o que há de novo. Vamos também para criar algo de novo!”

Por isso houve um espaço, o Business Centre, estimulando essa atitude.

 

A AGROGLOBAL sempre quis que o certame decorresse num ambiente de partilha de conhecimento agrícola e que os negócios estivessem na primeira linha. Esse espírito manteve-se?

Sem dúvida esse é o objetivo primeiro deste evento. Entenda-se negócio como criação de valor a repartir entre as partes. Para tal, é necessário conhecer bem as potencialidades de cada empresa ou entidade com vista a uma procura permanente de interesses mútuos. Assim se conseguem fileiras mais eficientes e, no final, produtos mais competitivos.

Durante o longo processo de organização da AG, identificámos muitas situações deste tipo que procuramos incentivar. Empreendedorismo não está só relacionado com novos produtos e ideias, mas também com novas utilizações ou novas combinações de ativos já existentes.

É uma outra AG. Uma plataforma de networking agrícola em atividade todo o ano, que culminou naqueles 3 dias de setembro.

 

Que diferenças encontra entre a primeira edição e a atualidade? Que caminhos percorreu a feira em termos de crescimento?

A AG mantem-se fiel à sua personalidade. Um evento profissional e dinâmico com o objetivo de ajudar à melhoria dos desempenhos agrícolas.

Há quase 10 anos atrás fomos um conjunto de empresas agrícolas que não se reviam totalmente nos certames agrícolas tradicionais. Hoje temos uma “cidade da agricultura” com todos os setores representados pelas suas empresas mais importantes, pelas novas tecnologias e sem nunca esquecer o saber ancestral de gerações de agricultores presente em todos e cada um dos visitantes. Não é muito arriscado dizer que neste espaço está a resposta para qualquer questão agrícola. Aqui chegados, com a esmagadora maioria do nosso setor agrícola presente, com importantes passos dados no sentido da internacionalização, outras metas se poderão traçar rumo a uma grande feira da Agricultura do Sul da Europa.

 

De que forma a AGROGLOBAL mudou e continua a mudar a agricultura portuguesa?

A AG foi uma aposta ganha pela fileira agrícola nacional. Agricultores e empresas associaram-se para uma demonstração inédita das capacidades e potencialidades de um setor, por vezes olhado pela sociedade como o parente pobre da nossa economia.

A opinião que a sociedade, em geral, tem da agricultura portuguesa é hoje muito melhor do que em 2009, quando nasceu este projeto. Os agricultores e todo o setor são hoje reconhecidos e valorizados.

A AG contribuiu para essa modificação mostrando uma dimensão tecnológica e profissional da agricultura que a muitos surpreendeu. Os media e o poder político aproximaram-se do setor, aproximaram-se também outras empresas, mais investidores e com todos eles novas “cabeças” e novas ideias criando uma espiral de crescimento com resultados à vista e que tem ainda muito para dar. A presença interessada do Senhor Primeiro Ministro, dos Ministros de Agricultura de Portugal e Espanha, do Ministro da Ciência e Tecnologia, de vários Secretários de Estado foram disso uma prova inequívoca.

Vamos querer continuar na primeira linha deste movimento reforçando um “espírito Agroglobal” em que agricultores e as suas organizações, empresas ou organismos oficiais constituem um verdadeiro bloco motivado, unido e orgulhoso pela sua quota-parte nos bons desempenhos da agricultura portuguesa.

 

Que radiografia faz do setor, a nível nacional, e em que pé estamos hoje, após um período de crise económica acentuada?

Um bom momento quer pelo que se tem feito, quer pela clarificação do que há para fazer. O regadio é o denominador comum de uma agricultura competitiva a definir por cada empresário de acordo com as suas ideias e o seu enquadramento. Nesse sentido, existe uma grande linha já traçada e o êxito do Alqueva criou condições para outros projetos estruturantes.

Este projeto e outros, como a Lezíria de Vila Franca de Xira, poderão incentivar outras iniciativas, criando condições para zonas mais organizadas de produção. Falo não só em rega mas também em caminhos, em drenagens, em eletricidade etc.. A partir daí podemos e devemos pensar em mais agroindústria e na valorização dos nossos produtos e da marca Portugal. Existem soluções para o Alto Alentejo, para as margens do Tejo até ao Oeste, para Trás-os-Montes… Tanto para fazer!

Por outro lado, temos zonas onde o mercado não consegue remunerar a atividade agrícola e logo surge desinteresse, abandono e desertificação. Aí vejo o “céu mais nublado”. Não acredito muito em brigadas de limpeza nem em cabras sapadoras. Só uma atividade agrícola rentável, se necessário artificialmente, pode salvar essas zonas. Esse custo social, aplicado em muitos países das formas mais diversas, é muito menor do que as consequências do abandono. O Verão e Outono de 2017 encarregaram-se de nos recordar de forma trágica.

 

A agricultura de precisão, esteve presente na AGROGLOBAL?

As exigências dos mercados muito concorrenciais obrigam-nos a utilizar todos os argumentos que possam contribuir para uma melhoria de resultados. Encontrámos pela mão dos expositores presentes, aquilo que de mais moderno está disponível para o setor agrícola. Equipamentos mais eficazes e inteligentes, monotorização das culturas, dos solos, da água, dos fertilizantes, robótica…

O conhecimento científico “debita” a todo o momento novas equipamentos, produtos e tecnologias a um ritmo muito rápido. Concentrámos os mais impactantes no Agro-Inov.

 

Falando dos cereais, tendo em conta que inicialmente a feira começou por se dedicar apenas ao milho (abrindo-se depois aos outros setores agrícolas). Como olha para a estratégia do país e que desafios imperam?

Os produtores de milho atravessam um momento de incerteza. Por um lado as produtividades continuam a evoluir de forma positiva. Por outro, existem desvantagens comparativas que tornam muito difícil acompanhar preços dos principais produtores mundiais como Brasil, Ucrânia, Argentina, Estados Unidos…

Os preços satisfatórios só ocorrem quando se verificam anomalias climáticos nalgum destes países, principalmente nos EUA.

Qual vai ser a evolução?

O futuro dos produtores de milho europeus depende muito de decisões políticas que se venham a tomar. Ou defendemos a produção na UE, sendo que nesse contexto o nosso país é eficiente, ou as áreas irão reduzir progressivamente em Portugal. Tenderão provavelmente para as necessidades de milho destinado a outras utilizações que não ração para animais, eventualmente com capacidade para valorizar um produto que é de indiscutível qualidade.

Mas não quero crer que países com uma organização produtiva em que o milho tem um papel de destaque muito enraizado e até mesmo decisivo para o ordenamento do país, como a França, Alemanha, Itália, etc. venham a reduzir significativamente a sua área cultivada. Seria, para estes países, uma radical alteração económica mas também ambiental e até cultural.

Quero por isso crer que o protecionismo ao milho europeu se manterá.

 

Em que áreas estamos mais e menos avançados?

Tem-se feito muita coisa boa no nosso país. Temos agricultores e organizações do melhor nível em todos os setores e empresas das mais diversas especialidades, com enorme capacidade. Não parece certo dizer que haja áreas de atividade em que estamos mais avançados que outras. Há produções mais “na crista da onda” como o olival, os frutos secos, outras frutas e legumes, a vinha etc.. Mas temos excelentes empresas em todas as áreas, mesmo nas menos intensivas e, não devemos esquecer, que “a melhor vaca não é a que dá mais leite mas sim mais rendimento”

Preferia destacar positivamente a rega, fator decisivo num país mediterrânico. “Damos cartas” como utilizadores de água de forma racional. Fez-se o Alqueva, uma obra de uma enorme complexidade técnica que funciona irrepreensivelmente, e que revolucionou toda uma região. Disso devemos dar insistentemente conta aos nossos parceiros da Europa do norte sempre avessos às questões do regadio.

Mas podemos fazer mais se avançarmos para outros desafios – obrigatoriamente bem avaliados, mas também sem medo de errar, pois não há soluções perfeitas.

Destaco duas situações com muita margem de melhoria e que nem são um exclusivo da agricultura.

Estado e particulares precisam de se unir em torno dos objetivos produtivos. Quer ao nível de projetos individuais, quer públicos. Nem sempre isso acontece – com culpas repartidas – o que representa um enorme desperdício de energias e desaproveitamento de capacidades.

Precisamos também de comunicar melhor o conhecimento agrícola. É obrigatório aproximar a comunidade científica e agricultores. As duas partes têm de fazer um esforço de aproximação, pois daí resultariam certamente muitos benefícios. A procura de novas tecnologias não pode parar, mas também é importante fazer chegar de forma clara e simples ao “campo” todo o “capital” já existente.

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