“Acredito em pessoas, independentemente do seu género”

Acredita no cunho pessoal, seja ele feminino ou masculino, bem como no potencial e no diferencial que cada pessoa pode trazer às instituições. É com este espírito que Sílvia Coelho assume a liderança do CECOA, uma referência na formação para jovens, ativos e formadores, bem como em soluções à medida para as organizações.

Sílvia Coelho, Diretora Interina

Como descreve o seu percurso pessoal e profissional? Quais são as palavras que a definem? Porque valores se norteia?

Meio século de vida já não se descreve em poucas palavras. No entanto, existe uma preocupação que me acompanha desde que dei conta que tenho consciência: as pessoas (de uma maneira geral) e a compreensão do outro (em particular). Este será, talvez, o denominador comum que atravessa toda a minha história. Licenciei-me em psicologia educacional e tenho dedicado a minha vida laboral ao desenvolvimento das pessoas. Acredito que se podem salvar grandes mundos, com passos pequeninos. Acredito na força das palavras de bem, e no respeito profundo pelas circunstâncias do outro. O meu mantra, que podia ser uma frase lapidar, resume-se a: nunca julgar outro ser humano por aquilo que ele não escolhe. Espero que este seja o maior ensinamento que deixo à descendência. Nunca julgar ninguém, por ex., pela sua família, etnia, país de origem, cor de pele, género ou orientação sexual. Para além deste mantra, procuro escolher, diariamente, julgar comportamentos e factos e não as pessoas e as suas caraterísticas. Do mesmo modo, procuro relacionar-me com os outros colocando o foco no que cada um tem de melhor. Escolho centrar-me nas qualidades e nas capacidades. Em termos de desempenho profissional e de harmonia organizacional, estes ângulos fazem um universo de diferença.

Quais os principais desafios com que se defrontou na liderança do CECOA, uma instituição que hoje é, indubitavelmente, uma referência na formação para jovens, ativos e formadores, bem como em soluções à medida para as organizações?

Existiram dois desafios principais: o primeiro foi o de assumir uma direção interina, sendo prata da casa, conhecendo muito bem a dinâmica instalada e a organização. A experiência e o conhecimento podem ser inimigos da inovação e do pensar “fora da caixa”. É necessário um esforço redobrado para se sair, de forma sistemática, da zona de conforto. O segundo desafio prendeu-se com a pandemia. Assumi funções em janeiro 2020 e a pandemia estalou em março. Dar a volta por cima, manter a atividade formativa, protegendo trabalhadores, formandos e formadores, promovendo a união e o ânimo coletivo, foi “o” desafio.

 

Como se define enquanto diretora do CECOA? Que qualidades e características a Sílvia Coelho mulher empresta à Sílvia Coelho profissional?

Não acredito em pessoas parcelares, que pessoalmente são uma coisa, e profissionalmente, são outra. Acredito que colocamos diferentes filtros relacionais, de comportamento e de comunicação, em função dos contextos em que nos encontramos. Assim, a que dirige o CECOA, é a mulher que vive o dia-a-dia, o melhor que lhe é possível. O contexto CECOA apela a determinadas especificidades que devem ser atendidas. Neste caso, a capacidade de decisão e de liderança são, diariamente, desafiadas. A mulher, subjacente a tudo o que me define, ajuda-me a decidir racionalmente, levando em conta todas as questões emocionais. As organizações são organismos vivos que, para além de um clima próprio, também têm emoções, idiossincrasias e outros aspetos relacionais que devem ser considerados. Diria que as organizações são entidades femininas que devem ser compreendidas na sua generalidade. E ninguém compreende melhor o universo feminino do que outra mulher. No entanto, são necessárias a conciliação e a pacificação com o lado masculino, objetivo, lógico, racional e direcionado. Por ser mulher, acredito na complementaridade dos géneros, porque acredito na complementaridade das pessoas. Não divido o mundo entre mulheres e homens. Acredito em pessoas, independentemente do seu género. Creio e pauto a ação, dentro do possível, por princípios de equidade e de complementaridade. Estas minhas crenças de âmago pessoal, a cru e a nu, transporto-as diretamente para a esfera profissional.

Existem cada vez mais casos de sucesso de mulheres de negócios, em cargos de direção, e empreendedoras. Mas, na sua opinião, o caminho continua a ser bastante dificultado para as mulheres ascenderem a cargos de topo? Que caminho falta trilhar?

Em termos laborais, ainda não vivi essa questão. Talvez porque pertenço a uma área que é tradicionalmente associada ao feminino: a educação. Senti essa situação na pele, quando, nas aulas de eletricidade do ensino secundário, o professor me disse que não me avaliava com a nota máxima porque era uma rapariga. Simplesmente por isso. Lembro-me de ter ficado aborrecidíssima e de, a partir daquele momento, decidir que o género das pessoas não deve determinar nada. O gosto, a vontade, o carácter, a aptidão, a capacidade e a competência, esses sim, são os determinantes do percurso e da ascensão. Se todos acreditarmos que assim é, assim será.

 

Acredita que o cunho feminino traz algo de novo e diferenciador às empresas e instituições? Que palavras gostava de dirigir às mulheres que veem na Sílvia um modelo a seguir?

Acredito no cunho pessoal, seja ele feminino ou masculino. Acredito na pessoa audaz, na que sai fora da caixa, na que não pertence à média e na que não vai só porque os outros vão. Acredito na unicidade, no potencial e no diferencial que cada pessoa pode trazer às instituições. Não acredito em igualdade por decreto, nem por quotas, nem à força. Pelo menos na nossa sociedade ocidental. Tenho a felicidade de ter nascido mulher, em Portugal. Se tivesse nascido noutros contextos, o discurso seria diferente. Aliás, nem sequer teria o direito de opinar. Tendo sido bafejada pela sorte (nasci dona do meu nariz e numa sociedade imperfeitamente democrática), acredito que já devemos equacionar o passo seguinte, o da equidade e da complementaridade. Penso que o feminino é maravilhoso ao trazer o poder da sensibilidade para as organizações. É a diferença entre um grupo organizado de pessoas que trabalham para o mesmo fim, e um organismo vivo, pulsante e com coração, que é capaz de olhar para dentro e para fora, em simultâneo, com capacidade de meta análise. O masculino é igualmente maravilhoso. Traçar-se um caminho e seguir-se em frente, custe o que custar, é de valor. Desembrulhar nebulosas e explorar terrenos que à partida são inóspitos ou inexpugnáveis, não é para todos. O universo masculino é perito nestas coisas. E eu, que acredito na diferença, na complementaridade e na conjugação de esforços, digo que o equilíbrio (também de cunhos, masculino e feminino) é um dos grandes desafios das organizações. Para as mulheres, relembro que ao longo da história da humanidade, estas sempre tiveram um papel preponderante em termos de liderança. Na maioria das vezes, de forma velada, não formal, na sombra, mas bem real. Neste momento, basta o empoderamento daquilo que lhes é próprio, e tornar a liderança feminina mais visível e transparente. Este empoderamento passa pela assunção do feminino, em toda a sua plenitude. Que nunca se perca a doçura nem a suavidade, em nome do – por vezes necessário – murro na mesa. Saibamos ser o que somos de melhor: suaves com as pessoas e duras com as regras!

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