A revolução na alfaiataria

A alfaiataria, tradicionalmente associada ao mundo masculino, ganha uma nova e inspiradora protagonista, Marta Sargento criadora do projeto “Vidas Sargento Bespoke Tailoring”. Recentemente inaugurada na Rua Machado dos Santos, em Leiria, a sua alfaiataria surge como um refúgio de perfeição e detalhe, onde cada peça é única e moldada às especificidades do cliente.

 

 

Marta Sargento

 

 

A paixão pela alfaiataria não surgiu do acaso. Antes de se dedicar de corpo e alma à costura, Marta Sargento percorreu um caminho multifacetado. “Sempre gostei de trabalhar com as mãos. O design de produto surgiu naturalmente, porque foi a minha formação base, no entanto, não me preencheu totalmente. Preciso de criar algo físico, palpável. A pintura surgiu nessa mesma linha, como uma expressão pessoal, quase terapêutica”. Embora tenha partilhado as suas obras com o mundo, a alfaiate sempre sentiu uma certa distância em relação ao processo de pintar. “Pintar desperta em mim uma inquietação profunda, nasce de um lugar muito íntimo e doloroso, mas, no final, deixa-me mais leve e bem comigo mesma”, relembra. Apesar de continuar a pintar, foi essa procura incessante por algo que verdadeiramente a completasse que a conduziu ao ofício da alfaiataria.

Após um período de pesquisa em várias criativas, a alfaiataria apresentou-se como o caminho certo. “Senti que era o que me faltava: algo com estrutura, rigor e perfeição”, afirma. Determinada a dominar esta arte, iniciou um curso de percurso de aprendizagem que a levou a Madrid, uma escolha feita tanto pela proximidade geográfica como pela riqueza da tradição alfaiate espanhola. “Procurava mestres em Portugal, mas os alfaiates com quem falei diziam-me que esta era uma profissão em vias de extinção e que não havia jovens interessados. Não me deixei desmotivar”, relembra Marta. Em Madrid, encontrou o seu verdadeiro mentor, um mestre alfaiate com mais de 70 anos e uma vida inteira dedicada à costura. “Foi uma inspiração para mim. Ele começou aos 12 anos e nunca mais parou”.

No entanto, o caminho de uma mulher na alfaiataria nem sempre é suave. Embora nunca tenha sentido preconceito por parte dos seus clientes, a experiência entre colegas revelou-se diferente. “Durante a minha aprendizagem, lembro-me de um colega me dizer que para uma mulher, saber fazer casas de botão e forrar já era suficiente. Fiquei surpreendida, mas decidi que isso não me iria parar. Eu iria ser alfaiate, e mais nada”, recorda com determinação.

A ‘Vidas Sargento Bespoke Tailoring’ é a materialização desse sonho, e Leiria, a cidade escolhida para o seu atelier, não foi um acaso. “Leiria tem um público que valoriza o bom gosto e tem uma forte componente empresarial. É o ambiente perfeito para a minha alfaiataria”, explica a alfaiate. Contudo, a escolha de uma cidade como Leiria também veio com desafios. A cultura do fato em Portugal é algo que se foi perdendo ao longo dos anos. “Em Portugal, o fato acaba por ser uma peça reservada para casamentos e eventos especiais, ao contrário de outros países, como Espanha, onde as pessoas ainda valorizam o bem-vestir no quotidiano. Eu quero mudar essa mentalidade”.

A proposta de Marta vai muito além de criar fatos exclusivos para ocasiões especiais. Ela quer que a alfaiataria seja vista como uma arte acessível e prática para o quotidiano, onde os homens possam encomendar não só fatos, mas também camisas e calças adaptadas ao seu estilo de vida. “A camisa, para mim, é a peça que mais valoriza um homem. Realça a sua figura muito mais do que uma t-shirt”, defende. No entanto, reconhece que a mudança de mentalidade será lenta. “Sei que este é um mercado exclusivo e dispendioso, mas acredito que com o tempo, as pessoas vão perceber o valor do trabalho artesanal e personalizado”. O processo de criação de um fato na alfaiataria da alfaiate é minucioso, uma verdadeira dança entre a arte e a técnica. Cada cliente é único e, para a entrevistada, isso começa desde o momento em que abre a porta do seu atelier. “O desafio começa logo ali, ao tentar perceber a personalidade do cliente. Como se senta, como fala, tudo isso vai influenciar a peça final”, explica. Após esta fase inicial, segue-se a escolha do tecido, um passo onde o cliente participa ativamente, o que torna o processo ainda mais personalizado. “Mesmo que venham com uma ideia clara do que querem, como preferir um fato em tons de castanho, muitas vezes mudam de opinião quando veem as opções disponíveis”.

 

 

 

 

Cada peça criada por Marta Sargento é um reflexo da personalidade do cliente, mas também carrega consigo a marca da perfeição que a alfaiate tanto valoriza. “Fazer um casaco pode levar até 60 horas de trabalho. Cada detalhe, desde o corte até à costura, é feito à mão. É um trabalho demorado, mas é essa dedicação que torna cada peça única e irrepetível”, explica. O processo é artesanal em todos os sentidos. “Por mais que faça dois fatos do mesmo modelo, nunca serão idênticos. O trabalho manual nunca é o mesmo de uma vez para a outra”.

Essa atenção ao detalhe é igualmente aplicada na criação de peças femininas, embora reconheça que o corte varia ligeiramente devido às formas do corpo da mulher. Ainda assim, o cuidado e a dedicação permanecem inalterados. “Na alfaiataria feminina, o corte adapta-se mais ao corpo, mas o processo de construção é bastante semelhante ao dos homens. A diferença está no ajuste das formas, mas o trabalho de montagem é o mesmo”.

Lidar com a exclusividade de um trabalho feito à medida não é tarefa fácil para a alfaiate, mas Marta faz questão de manter um envolvimento em cada etapa do processo. “Eu faço tudo. Desde tirar as medidas, cortar o tecido, até à montagem final. Para mim, ser alfaiate é isso: estar envolvida em todo o processo, sem delegar nada”, realça. Este é um dos pontos que diferencia o seu trabalho dos outros ateliers, onde muitas vezes o corte e a costura são feitos por diferentes mãos. Apesar de todos os desafios, mantém-se otimista em relação ao futuro da alfaiataria em Portugal. “Acredito que o futuro passa por uma mentalidade mais aberta. Precisamos de valorizar o trabalho manual, o detalhe e a exclusividade. E acredito que, pouco a pouco, as pessoas vão redescobrir esse gosto pelo fato feito à medida”.

Além disso, quer continuar a inovar e a expandir o seu negócio, sempre mantendo o rigor e a perfeição que define o seu trabalho. “O meu objetivo é continuar a aprender e a aperfeiçoar a minha técnica. Acima de tudo, quero que os meus clientes se sintam bem com o que vestem e que a experiência de fazer um fato à medida seja algo especial e personalizado”.

A essência de Marta Sargento transparece na sua resposta à pergunta sobre a quem ela gostaria de vestir um dos seus fatos: “Não tenho ídolos em nenhum aspeto da vida. O que realmente importa para mim é tratar todos com o mesmo respeito e igualdade, independentemente da sua profissão ou talento”.

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