A enfermagem tem futuro

Em entrevista à Revista Business Portugal, o Prof. António Fernando Salgueiro Amaral, presidente da ESEnfC, destaca que os enfermeiros são indispensáveis para ajudar as pessoas, famílias e comunidades a manterem-se saudáveis e a garantir-lhes bem-estar.

 

Prof. António Fernando Salgueiro Amaral, Presidente da ESEnfC

A Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) é uma instituição com mais de 140 anos ao serviço da formação em saúde. Como resumiria este longo percurso que culminou no que é hoje a ESEnfC?

A Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) resulta da fusão entre a Escola Superior de Enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca (fundada em 1881) e a Escola Superior de Enfermagem de Bissaya Barreto (fundada em 1971), que eram duas grandes escolas e se assumiam como líderes no ensino de enfermagem em Portugal.

O facto de ser uma Escola com história e com uma comunidade académica muito vinculada tem contribuído para a criação e manutenção de uma cultura organizacional alicerçada nas várias transformações sociais e políticas de que foi testemunha e atora. A ESEnfC soube, em cada momento, inovar para responder às mudanças que foram trazendo novos desafios. Foi capaz de lhes responder com qualidade, sustentada em conhecimento científico o que lhe granjeou prestígio e notoriedade seja nacional seja internacionalmente. Hoje os desafios são imensos, a imprevisibilidade é grande, mas com a capacidade, disponibilidade e vontade das pessoas da ESEnfC, todos os desafios são transformados em oportunidades de desenvolvimento e melhoria.

Todas as pessoas carecem de cuidados de saúde e que esses cuidados sejam de qualidade, e a enfermagem é uma das áreas mais importantes na prestação desses cuidados. Quais são as maiores necessidades da sociedade e da enfermagem hoje em dia?  

As pessoas precisam de manter a sua saúde o que se consegue com habitação adequada, boa alimentação, trabalho digno, água e saneamento, condições ambientais seguras, lazer entre outras, para além de cuidados de saúde. Claro que a necessidade de cuidados de saúde aumenta quando as outras determinantes não estão garantidas ou falham. Os enfermeiros são indispensáveis para ajudar as pessoas, famílias e comunidades a manterem-se saudáveis e a garantir-lhes bem-estar quando existe um qualquer evento que gera perturbação ou doença, de modo que recuperem na melhor condição possível. Os desafios, hoje, são aqueles que resultam da escassez de recursos humanos na saúde, da transição epidemiológica com mais doenças crónicas e degenerativas associadas ao envelhecimento e de, apesar disso, se continuar com uma aposta muito centrada no diagnóstico médico e no tratamento medicamentoso.

Na prossecução do desenvolvimento de uma saúde global, torna-se indispensável a articulação e o contributo de diferentes profissionais de saúde. De que forma é que a ESEnfC materializa essa articulação entre profissionais?

De facto, a complexidade dos problemas na saúde exige uma resposta diferente. A articulação entre os vários profissionais da clínica ainda ocorre quase exclusivamente nos contextos clínicos, a nossa visão é que ela deve começar logo nas escolas com a criação de laboratórios multiprofissionais, onde, desde cedo, se estimule o trabalho em equipa e se potenciem as sinergias que se podem alcançar com o conhecimento de cada uma das disciplinas. O trabalho interdisciplinar não é apenas o somatório é mais do que isso.

No âmbito de uma melhor e maior organização, sustentabilidade e eficiência, nomeadamente na gestão de um sistema de informação nos métodos de trabalho, tem a ESEnfC acompanhado e implementado a atual transição tecnológica e digital? 

A ESEnfC está atenta ao desenvolvimento tecnológico e temos em desenvolvimento um conjunto de projetos de inovação pedagógica que utilizam ferramentas digitais. Ao nível dos sistemas de informação estamos a criar ferramentas para tornar mais eficientes os circuitos de informação e a melhorar as nossas plataformas. Estamos também a desenvolver um sistema de monitorização centralizado que permitirá uma maior eficiência energética.

O número de adolescentes em Portugal com sintomas depressivos tem vindo a aumentar nos últimos anos.  Que importância tem neste contexto o programa da ESEnfC “Mais Contigo” e que resultados nos pode evidenciar?

Sim, podemos identificar uma fase antes e outra depois da pandemia. Por exemplo ao nível do Mais Contigo, habitualmente a sintomatologia depressiva moderada e/ou grave era de cerca de 20% antes da pandemia e, no último ano letivo, subiu para 30,1%, nos cerca de 13000 alunos do Mais Contigo. Este programa, como outros similares, é muito importante, porque se sabe que cerca de 70% de adolescentes com necessidades ao nível da saúde mental não são acompanhados, permitindo aumentar a identificação precoce de sofrimento mental, a acessibilidade e, quando necessário, uma intervenção especializada, mas sobretudo permite combater fatores de risco (sintomatologia depressiva) e fortalecer fatores protetores (bem-estar, coping e auto-conceito) da saúde mental.

Atualmente, muitos alunos deparam-se com custos da mais variada ordem, o que acaba por se revelar um fator de pressão extra para a concretização dos seus cursos. É a ESEnfC sensível a esta realidade e terá, porventura, algum apoio de carácter social e financeiro para os alunos com maiores dificuldades?  

Desde sempre, a ESEnfC se preocupou muito com os seus estudantes. Temos um serviço de ação social que garante cuidados médicos básicos, bolsas de estudos, residência a preços controlados e possuímos um conjunto de apoios para estudantes que durante o seu percurso académico tenham de se deslocar para fora do concelho de Coimbra. Temos implantado um sistema de refood que fornece refeições aos estudantes mais carenciados. Estamos a criar um mecanismo de identificação precoce das situações de carência de forma a evitar o abandono e o insucesso escolar.

Consolidar a marca ESEnfC no panorama nacional e internacional, designadamente através da cooperação e da internacionalização, é uma das apostas do seu mandato. Que importância tem nesse contexto a qualidade do ensino, da formação profissional e da investigação?

A cooperação e a internacionalização são elementos essenciais na estratégia da escola. Para garantir que continuamos a ser atrativos necessitamos de garantir elevados padrões de qualidade nas diferentes áreas da missão. Para nós, a formação é central, mas ela só evolui se alicerçada em investigação de qualidade e correspondente transferência de conhecimento. Possuir uma estratégia de comunicação que dê visibilidade a essa qualidade é também essencial para a afirmação e atração que pretendemos.

A ESEnfC continua no seu processo natural de desenvolvimento e crescimento e tem mantido a capacidade de atrair novos alunos. Que mensagem final gostaria de deixar a todos aqueles que um dia equacionassem seguir uma carreira na enfermagem?

As profissões do cuidado e da relação são as que mais são necessárias e são as que menos potencial têm de ser substituídas por uma qualquer inteligência artificial. Por isso, a mensagem é de futuro, porque a enfermagem tem futuro.

 

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