A cultura organizacional na gestão dos serviços de saúde do século XXI

Portugal e os portugueses, no âmago da sua essência, sempre se destacaram pela resiliência e capacidade de adaptação. Contudo, quando nos debruçamos sobre a gestão dos serviços de saúde, torna-se evidente que persistem estruturas arcaicas, desenhadas para um século que já não é o nosso. Há pelo menos duas décadas que defendo que o primeiro passo para uma transformação genuína do SNS reside numa mudança profunda da cultura organizacional. Este não é um processo simples, mas antes uma jornada longa, determinada e de elevada complexidade, que requer uma liderança forte e uma vontade política robusta.

 

 

 

A cultura organizacional, frequentemente subestimada, é a fundação sobre a qual se erguem todas as estratégias. Sem uma cultura sólida e alinhada, até a mais brilhante das estratégias está condenada ao fracasso. A atual cultura organizacional dos serviços de saúde em Portugal não está equipada para enfrentar os desafios do século XXI. Não se trata apenas de reestruturar as instituições, mas de fomentar uma mudança substancial nas mentalidades e práticas das principais profissões de saúde. Uma verdadeira revolução cultural, que deve ser encabeçada por líderes que compreendam a importância da cultura e que a vivam e respirem diariamente. Esta revolução cultural no setor da saúde em Portugal exige uma abordagem multifacetada, começando pela formação e pelo desenvolvimento contínuo dos profissionais de saúde.

Investir na cultura organizacional significa promover valores, crenças e práticas que sustentem a visão e os objetivos da organização. Este investimento exige uma abordagem meticulosa, onde o reconhecimento e a recompensa dos comportamentos alinhados com esses valores são primordiais. É essencial que todos os colaboradores se sintam parte integrante do processo, reforçando o seu envolvimento e motivação. Uma cultura robusta, intrínseca a cada um e partilhada por todos, cria um terreno fértil para a implementação eficaz de qualquer plano estratégico, permitindo que a inovação e a colaboração floresçam naturalmente.

Considero ainda fundamental investir-se em programas educacionais que enfatizem competências de comunicação, empatia e trabalho em equipa de forma a promover um ambiente de respeito e de colaboração entre todas as disciplinas. Além disso é fundamental que as lideranças sejam capazes de adotar uma postura de exemplo, demonstrando comprometimento com a mudança através de ações concretas e políticas que valorizem o bem-estar e o crescimento profissional dos colaboradores. A implementação de sistemas de feedback contínuo e a criação de espaços seguros para discussões abertas sobre desafios e melhorias podem fortalecer o sentido de pertença e de responsabilidade coletiva.

 

 

 

 

A gestão da cultura organizacional exige também investimento numa comunicação constante e transparente. Os líderes devem ser exemplos vivos dos valores que desejam ver replicados nas suas equipas. A sua missão não é apenas ouvir, mas entender e responder às preocupações dos colaboradores com a preocupação de garantir uma coesão interna que fortaleça a cultura. Quando esta é apropriada por todos e é bem gerida, torna-se um alicerce imponente sobre o qual qualquer estratégia pode ser construída com sucesso.

Antes de se definirem metas e de se traçarem planos ambiciosos é fundamental assegurar que a cultura organizacional está bem estabelecida e fortificada. A partir dela, todas as estratégias encontrarão um solo propício para crescer e prosperar. Uma cultura bem gerida não só facilita a execução das estratégias como também cria um ambiente onde a inovação e a colaboração se tornam naturais.

Neste contexto, a liderança assume um papel preponderante. Não basta proclamar mudanças, é preciso incutir uma verdadeira transformação cultural. Líderes visionários e comprometidos são capazes de moldar a cultura organizacional, influenciando positivamente comportamentos e atitudes. É necessária uma liderança que inspire confiança e que esteja disposta a enfrentar os desafios inerentes a uma mudança profunda e duradoura.

Assim, no cerne da gestão dos serviços de saúde em Portugal, reside a urgência de uma renovação cultural. Uma metamorfose que só será possível com uma liderança esclarecida e assertiva e uma vontade política inquebrantável. Esta transformação cultural é a chave para resolver os problemas que assolam a gestão dos serviços de saúde, preparando-os para enfrentar os desafios deste novo século com inovação, colaboração e um compromisso inabalável com a excelência.

Somente com uma cultura organizacional robusta, baseada em valores compartilhados e com um compromisso genuíno com a excelência e a inovação, o setor da saúde em Portugal estará preparado para superar as complexidades do século XXI.

 

Enfº Sérgio Serra, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da ASPE

 

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