Os desafios atuais e futuros da Imuno-alergologia

Em entrevista exclusiva, Daniel Machado Oliveira, Presidente da Direção do Colégio de Imuno-Alergologia da Ordem dos Médicos e Assistente Graduado de Imuno-Alergologia na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, analisa os desafios crescentes da especialidade, o impacto das alterações climáticas na prevalência das alergias e o papel da inovação, desde a inteligência artificial até às terapias biológicas. A importância da medicina personalizada e a necessidade de maior acessibilidade à imunoterapia também estão em destaque, numa conversa que antecipa o futuro da abordagem às doenças alérgicas crónicas.

 

Dr. Daniel Machado Oliveira, Presidente da Direção do Colégio de Imuno-Alergologia da Ordem dos Médicos, Assistente Graduado de Imuno-Alergologia na Unidade Local de Saúde do Alto Minho

 

Quais são, na sua opinião, os principais desafios que a Imuno-Alergologia enfrenta atualmente?

A Imuno-Alergologia (IA) é uma especialidade médica integradora da patologia alérgica. O não reconhecimento da doença alérgica como um todo, ou seja, como doença sistémica e não de órgão, pode conduzir, erradamente, a uma setorização da doença por várias especialidades médicas. Esta abordagem abrangente e integrada da doença alérgica permite otimizar o uso dos recursos públicos, melhorando os resultados clínicos para o doente alérgico. O especialista em IA está capacitado para uma boa gestão dos recursos disponíveis para a saúde, no melhor interesse dos doentes.

De realçar que, como noutras especialidades médicas, a diminuição de especialistas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), associado a um aumento da prevalência da doença alérgica, condicionam dificuldades na adequada orientação do doente alérgico, com impactos significativos nos resultados em saúde.

Através de que sinais e sintomas se pode aperceber que se está na presença de uma patologia alérgica e que tipo de cuidados clínicos são habitualmente prestados aos doentes alérgicos? 

A doença alérgica pode ter um atingimento sistémico, pelo que é possível encontrarmos sinais e sintomas em vários órgãos ou sistemas. Na doença alérgica respiratória são frequentes os espirros, rinorreia, obstrução nasal, prurido e congestão ocular, presentes na rinite e conjuntivite, ou a dispneia, sibilância audível (“pieira” / “chiadeira”) e a falta de ar, presentes na asma. Na doença cutânea a urticária, o angioedema e eczema. Em várias doenças alérgicas, nomeadamente, a alergia alimentar, a veneno de himenópteros e medicamentosa pode existir uma combinação de qualquer um sinal ou sintoma acima referido ou outros que possam envolver todos os sistemas. Algumas situações são de extrema gravidade, podendo ser até ameaçadoras à vida, como a anafilaxia.

A IA tem o papel de excluir ou confirmar o diagnóstico através da história clínica, à qual se associam alguns meios auxiliares de diagnóstico. O tratamento pode passar por medidas de evicção até tratamentos que podem modificar o curso natural da patologia alérgica, tal como a imunoterapia específica (vulgo “vacinas anti-alérgicas”).

Mais recentemente, têm surgido novas terapias, como os biológicos, com indicação para formas graves de patologias abordadas pela especialidade, como a asma, rinossinusite com polipose nasal, urticária, dermatite atópica, entre outras.

De que forma as alterações climáticas e o aumento da poluição estão a influenciar a incidência e gravidade das doenças alérgicas e imunológicas?

As alterações climáticas estão a interferir na síntese de várias proteínas estruturais das plantas, de forma a que estas possam estar mais preparadas a resistirem a condições adversas e até a novas pragas. Estas alterações estruturais podem conduzir ao aparecimento de novos alergénios respiratórios ou mesmo alimentares. Por outro lado, as alterações climáticas vieram alterar o padrão de polinização de muitas plantas, pois antigamente havia épocas polínicas mais definidas do que hoje em dia. Por último, as partículas de poluição, podem agregar vários alergénios, como pólens, e torná-los mais alergénicos. A poluição indoor também é muito relevante, nomeadamente compostos orgânicos voláteis, agentes químicos irritativos que podem influenciar o aparecimento e gravidade da doença alérgica.

De que maneira a inteligência artificial e o uso de big data podem contribuir para um diagnóstico mais preciso e um tratamento mais personalizado em Imuno-Alergologia?

A IA é uma especialidade médica por excelência, cuja pedra basilar é a história clínica, a informação que o doente nos dá. Não temos muitos meios auxiliares de diagnóstico que nos indiquem um diagnóstico preciso. Muitos dos nossos diagnósticos são baseados em testes in vivo, como provas de provocação diagnósticas (com o agente suspeito), e aí a inteligência artificial pode ficar um pouco aquém na avaliação real do risco versus benefício das atitudes que possamos ter com os nossos doentes.

Quais são as inovações mais promissoras na imunoterapia e que desafios ainda precisam de ser superados para a sua implementação generalizada?

A estandardização dos extratos alergénicos é o maior desafio. É importante o médico Imuno-Alergologista saber com precisão quais os alergénios e a sua concentração presentes na imunoterapia com aeroalergénios e na imunoterapia com veneno de himenópteros.

O outro desafio é o regresso da comparticipação universal da imunoterapia. A comparticipação universal a 50% em Portugal datava de 19/03/1981, mas foi revogada em 09/08/2011. Ao contrário de outros países da União Europeia, ao não haver uma comparticipação generalizada, está-se a limitar o acesso desta terapêutica potencialmente modificadora da doença alérgica.

É importante, ainda, ser implementado o fornecimento gratuito da imunoterapia com veneno de himenópteros em todos os Hospitais do SNS, situação que ainda não ocorre para todos os doentes com anafilaxia (alergia grave) ao veneno de himenópteros.

 

 

 

 

Como é que a medicina personalizada pode transformar a abordagem às doenças alérgicas crónicas, como a asma e a dermatite atópica?

Não existe um tipo de asma, mas vários tipos de asma, tal como na dermatite atópica. Temos vários endótipos destas doenças que têm de ser identificados corretamente, de forma a oferecer um tratamento mais personalizado e adequado a cada subtipo de doença, sempre com uma correta avaliação do custo-benefício.

As terapias biológicas estão a revolucionar o tratamento das doenças alérgicas mais graves. Acredita que, no futuro, substituirão completamente os tratamentos convencionais?

Não. As terapêuticas biológicas serão sempre um acrescentar no tratamento de formas mais graves. Tal como numa casa não podemos iniciar a construção pelo telhado, na doença alérgica temos de iniciar o tratamento anti-inflamatório na sua base, que serão sempre os inaladores (tal como na asma e rinite), os emolientes e anti-inflamatórios tópicos (tal como na dermatite). Por outro lado, a sua introdução generalizada no tratamento da doença alérgica grave não controlada é recente, pelo que temos de ser cuidadosos com eventuais efeitos laterais que possam ocorrer a longo prazo. De realçar que estas terapêuticas podem condicionar um impacto significativo nos sistemas de saúde, público e privado, pelo que a IA tem um papel fundamental na gestão destes doentes e destas terapêuticas.

Com o aumento da prevalência das doenças alérgicas, considera que a formação médica está a adaptar-se para preparar melhor os especialistas do futuro? Qual o papel da Telemedicina no acompanhamento e gestão de doentes com patologias alérgicas crónicas?

Sim, tem ocorrido uma modificação do plano de formação do Internato, de forma a que os internos tenham uma formação o mais abrangente possível. De igual modo, há uma dotação de conhecimentos que permite a sua integração em serviços de maiores ou menores dimensões ao longo do país, possibilitando que a IA tenha chegado a Hospitais longe dos grandes centros urbanos.

A Telemedicina será sempre um complemento ao acompanhamento destes doentes, que deve ser preferencialmente presencial.

Em vésperas do Dia Mundial da Saúde e em plena primavera, altura do ano em que se assiste a uma maior prevalência das doenças alérgicas, que conselho final gostaria de deixar aos nossos leitores?

A doença alérgica é uma doença crónica que pode envolver vários sistemas/órgãos, mas é possível atingir o controlo total dos sintomas e existem terapêuticas, como a Imunoterapia específica, passíveis de modificar o curso natural da doença, especialmente se instituídos em idade pediátrica.

 

 

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Dia Mundial da Saúde

O Dia Mundial da Saúde é celebrado anualmente a 7 de abril.

A data foi escolhida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1948, aquando da organização da primeira assembleia da OMS. Desde 1950 que o Dia Mundial da Saúde se assinala a 7 de abril.

O Dia Mundial da Saúde é uma oportunidade única de alertar a sociedade civil para temas-chave na área da saúde que afetam a humanidade, além de desenvolver atividades com vista à promoção do bem-estar das populações, tal como a promoção de hábitos de vida saudáveis.

Nas escolas portuguesas realizam-se várias atividades escolares para incutir aos alunos a importância da manutenção de um estilo de vida saudável.

Os programas apresentados no Dia Mundial da Saúde prolongam-se ao longo do ano.

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