O papel das Júnior Empresas na formação dos estudantes do ensino superior
Nos últimos anos, o ensino superior em Portugal tem sido amplamente criticado pela sua abordagem predominantemente teórica e expositiva. Em muitos cursos, as oportunidades de experiência prática são limitadas, ficando concentradas, em grande parte, em estágios curriculares oferecidos no último ano do ciclo de estudo. Essa lacuna na formação prática dos estudantes gera um desafio para o mercado de trabalho, que exige jovens profissionais cada vez mais preparados para enfrentar situações reais, resolver problemas complexos e se adaptar rapidamente ao ambiente empresarial.
Foi com o intuito de preencher essa lacuna que, em 1980, estudantes do Instituto Superior Técnico introduziram o conceito de Júnior Empresa em Portugal. Inspirados pelo Movimento Júnior Francês, que teve início em 1967 com a fundação da Junior ESSEC Conseil, os estudantes portugueses viram nas Júnior Empresas uma forma ideal de complementar a formação acadêmica com experiências práticas de mercado. Desde então, o Movimento Júnior tem crescido e, atualmente, conta com mais de 25 Júnior Empresas espalhadas pelo país, envolvendo mais de 1.250 jovens que, em paralelo aos estudos, participam ativamente em projetos nas mais diversas áreas da sociedade, atingindo uma faturação anual superior a 578 mil euros.
Uma Júnior Empresa é uma organização sem fins lucrativos, gerida exclusivamente por estudantes do ensino superior, que buscam aplicar o conhecimento adquirido nas Instituições de Ensino Superior em projetos reais para clientes de diferentes setores. Este modelo permite que os jovens desenvolvam competências técnicas e interpessoais essenciais, como gestão de projetos, prospeção comercial, tesouraria, comunicação e gestão de recursos humanos. Essas competências, muitas vezes ignoradas no currículo formal, tornam-se diferenciais significativos para os estudantes no mercado de trabalho.
De facto, empresas de diferentes ramos têm cada vez mais interesse em colaborar com as Júnior Empresas, reconhecendo um potencial para gerar inovação e trazer novas perspetivas ao setor empresarial. Segundo a Confederação Nacional de Júnior Empresas (CNJE) na França, “a maioria dos clientes escolhe trabalhar com uma Júnior Empresa para obter uma visão externa, jovem e inovadora” — um benefício que, em Portugal, também começa a ser mais valorizado, principalmente entre as multinacionais e as grandes consultoras, que vêm nestas iniciativas uma forma de atrair a maior fonte de talento do nosso país e de causar impacto direto nos seus ramos de atuação.
Impacto na Formação dos Estudantes
Os estudantes que participam nas Júnior Empresas não só se destacam academicamente, mas também profissionalmente. Ao longo de um projeto, estes jovens empreendedores enfrentam desafios reais que exigem soluções práticas e eficazes. O desenvolvimento dessas habilidades, essencialmente ligado ao modelo de “learn by doing“, proporciona uma formação muito mais completa. Estes estudantes têm de lidar com clientes, cumprir prazos contratuais, gerir orçamentos e executar projetos, desde estudos de mercado, a organização de eventos com centenas de pessoas, até protótipos que fazem uma separação automática do lixo. No mercado de trabalho, são exatamente essas capacidades — a autonomia, a capacidade de resolução de problemas, o espírito inovador e a experiência prática — que as empresas valorizam e esperam dos seus trabalhadores.
Além disso, o estatuto de trabalhador-estudante, que já aumentou cerca de 25% nos últimos cinco anos, segundo a DGES, reflete uma mudança no perfil dos jovens portugueses, cada vez mais interessados em complementar os estudos com uma experiência prática. Dados recentes da OCDE mostram que jovens que completam o ensino superior recebem, em média, 73% a mais do que aqueles que não completaram um curso de ensino superior, destacando a importância de uma formação sólida para o desenvolvimento económico e social do país.
Este dado reforça a necessidade de iniciativas como as Júnior Empresas, que, ao oferecerem uma ponte entre o mundo académico e o empresarial, preparam os jovens para uma transição suave e eficaz para o mercado de trabalho.
Os Júnior Empresários lidam também com processos de recrutamento semelhantes aos praticados no mercado, com diversas fases, entrevistas técnicas e casos de estudo. São no futuro, os jovens que se destacam nas entrevistas e que surpreendem pela positiva departamentos de recursos humanos. Isto é por si só uma experiência valiosa, que lhes dá oportunidade de no futuro marcarem a diferença por onde passarem
Modelo Francês: Inspiração e Maturidade
O Movimento Júnior Português encontra inspiração no modelo francês, que é hoje o maior movimento de estudantes empreendedores da Europa, com mais de 25.000 integrantes. A Confederação Nacional de Júnior Empresas (CNJE) da França regista uma média anual de 3.800 projetos desenvolvidos e uma faturação anual de mais de 10 milhões de euros. A sua rede alumni conta atualmente com ex-júnior empresários em altos cargos políticos, cargos de administração e carreiras amplamente reconhecidas. Esta maturidade e alcance demonstram o impacto positivo e a autossuficiência do modelo, o que representa um potencial de crescimento para o Movimento Júnior Português, que ainda enfrenta desafios para atingir maior visibilidade e reconhecimento.
Estrutura e Autonomia das Júnior Empresas: O Poder da Gestão pelos Estudantes
Uma das principais características que tornam as Júnior Empresas únicas é a autonomia dos estudantes na gestão de todas as áreas da associação. Diferente de um estágio tradicional, onde o estudante segue direções sob orientação e supervisão, numa Júnior Empresa são os próprios estudantes que assumem o papel de líderes e tomam as decisões estratégicas, podendo contar com aconselhamento estratégico da sua rede alumni e professores. Assim, desenvolvem uma série de competências práticas, como análise de mercado, planeamento financeiro, gestão de equipas, comunicação e até auditoria, que são frequentemente negligenciadas nos currículos académicos.
Este modelo de “gestão pelas próprias mãos” permite que os estudantes enfrentem, de forma direta, desafios reais e encontrem soluções criativas e eficazes, preparando-os para situações complexas que encontrarão no mercado. Cabe aos estudantes encontrar soluções para gerir a sua empresa e desenvolver a estrutura, desde o recrutamento de novos membros até ao afastamento de colaboradores. Este processo de autogestão encoraja o desenvolvimento de competências que só são adquiridas pela prática, conferindo aos membros das Júnior Empresas uma formação complementar e diferenciadora.
A Contribuição para o Ecossistema Empresarial Português
Para além do impacto direto nos estudantes, as Júnior Empresas têm também um papel relevante na dinamização do ecossistema empresarial português. Ao colaborarem com empresas de diferentes setores, estas organizações estudantis fornecem consultoria e serviços a preços acessíveis, muitas vezes atraindo empresas interessadas em obter uma perspetiva jovem e inovadora. Essa interação permite que as empresas obtenham insights diferenciados, ao mesmo tempo em que os estudantes têm a oportunidade de trabalhar em problemas reais, ampliando a sua experiência prática.
As Júnior Empresas também se destacam pela sua capacidade de inovação, tendo autonomia para incubar ideias e futuras start-ups. Esta capacidade de propor ideias a empresas e incubadoras é única e vem da necessidade de impactar o meio que as rodeiam, sendo um dos principais motivos da sua existência e procurando através destes projetos contribuir para um futuro melhor e o desenvolvimento da economia.
As empresas que escolhem trabalhar com Júnior Empresas, especialmente as pequenas e médias empresas (PMEs), também beneficiam do contacto com jovens talentos. Em muitos casos, essas parcerias permitem que as empresas identifiquem potenciais futuros colaboradores e compreendam melhor as expectativas e a mentalidade da nova geração de profissionais. Este valor, que resulta da interação direta com jovens estudantes, gera benefícios mútuos e contribui para uma melhor integração dos estudantes no mercado de trabalho.
Apesar do crescimento considerável das Júnior Empresas em Portugal, o movimento ainda enfrenta vários desafios que precisam de ser superados para alcançar o seu pleno potencial. Embora mais de 25 Júnior Empresas estejam atualmente em atividade em 13 instituições de ensino superior, existem ainda muitos cursos e regiões sem acesso a esta experiência prática.
Expandir o movimento para as mais de 100 instituições de ensino superior e diferentes regiões poderia criar um impacto significativo, democratizando o acesso a esta forma de formação prática e contribuindo para um ensino superior mais completo e diversificado, colocando os jovens portugueses entre os mais bem preparados para o ecossistema empresarial europeu.
Outra barreira importante é a necessidade de maior reconhecimento e apoio por parte das instituições, do setor empresarial e das organizações governamentais. Embora muitas empresas reconheçam o valor das Júnior Empresas, ainda existe um caminho a ser percorrido para que o movimento seja amplamente integrado como parte da formação académica em Portugal.
O Valor da Experiência Prática: Preparação para um Mercado de Trabalho Competitivo
Um dos benefícios mais evidentes para os estudantes que participam em Júnior Empresas é a possibilidade de entrar no mercado de trabalho com uma preparação prática, experiência em gestão e habilidades interpessoais desenvolvidas. Para muitos jovens, essa experiência é decisiva, pois permite-lhes destacar-se entre os seus pares e adaptar-se rapidamente ao ambiente empresarial.
Mais do que prepararem jovens estudantes, as Júnior Empresas impactam também diretamente num dos principais problemas sentidos pelos jovens: e realização no seio empresarial e académico. Ao experienciarem um ambiente empresarial ainda antes de seguir para o mercado de trabalho, os Júnior Empresários acabam por conseguir perceber e sentir qual é a área de uma empresa que se sentem mais realizados, apoiando numa fase de entrada na escolha de função a que se candidatam, setor e tipo de atividade.
Em 2024 candidataram-se ao ensino superior quase 59 mil jovens, tendo quase 50 mil sido colocados e demonstrando assim o crescente interesse das últimas décadas por uma formação académica mais especializada. Contudo, num mercado cada vez mais competitivo, possuir um diploma universitário pode não ser suficiente. A experiência prática proporcionada pelas Júnior Empresas torna-se, assim, um diferencial importante, proporcionando uma formação mais ampla e preparando os estudantes para contribuir efetivamente desde o início da sua carreira.
Conclusão: O Futuro das Júnior Empresas em Portugal
Em suma, as Júnior Empresas representam uma resposta prática e eficaz para uma das principais lacunas do ensino superior português: a falta de experiência prática. Estas associações oferecem uma oportunidade única de aprendizagem ativa, onde os estudantes podem aplicar a teoria adquirida na universidade em contextos reais, desenvolvendo competências práticas essenciais para o mercado de trabalho.
Embora o movimento tenha crescido significativamente nas últimas décadas, ainda há muito espaço para expansão e melhoria. A expansão do movimento para mais regiões e o fortalecimento do apoio institucional poderiam consolidar o papel das Júnior Empresas em Portugal, tornando-as um elemento-chave na formação dos jovens e na preparação para um mercado de trabalho cada vez mais exigente.
Para que o movimento atinja o seu potencial máximo, é fundamental que as Júnior Empresas em Portugal obtenham um reconhecimento legal formal e um estatuto de Júnior Empresário que proteja os direitos dos estudantes envolvidos. Atualmente, muitos dos estudantes que participam nestas organizações encontram-se desprotegidos face a questões como conciliação dos horários de estudo com as suas atividades na Júnior Empresa, reconhecimento formal das competências adquiridas e até mesmo a proteção da sua posição na instituição de ensino superior.
A criação de um estatuto de Júnior Empresário permitiria o reconhecimento oficial do papel formativo destas associações, garantindo aos estudantes direitos básicos como flexibilidade nos horários académicos, reconhecimento das atividades extracurriculares e proteção de seu envolvimento, para que possam desenvolver estas competências práticas sem comprometer o rendimento académico. Este estatuto não só incentivaria a adesão de mais estudantes, mas também elevaria o nível de compromisso das instituições de ensino com as Júnior Empresas, assegurando o desenvolvimento de um ecossistema onde os estudantes são apoiados, valorizados e têm um espaço para inovarem e aprenderem a errar.
Além disso, o reconhecimento legal das Júnior Empresas ajudaria a consolidar parcerias com o setor empresarial e com o governo, promovendo um ambiente onde estas organizações possam crescer e prosperar, fortalecendo o seu impacto na formação dos jovens e no desenvolvimento económico do país.
Estas medidas têm sido recorrentemente reivindicadas pela Junior Enterprises Portugal, a Federação Nacional de Júnior Empresas, que já fez chegar esboços de projetos de lei aos diferentes partidos e tem estado em constantes conversações com o governo e os partidos com assento parlamentar, para defender os direitos destes jovens e ver o seu trabalho devidamente reconhecido. Estas medidas tratam-se do reconhecimento que as Júnior Empresas são o futuro, e que todos os estudantes podem e devem investir nestas atividades para complementar a sua formação académica e seres futuros profissionais de excelência nas diversas áreas da economia portuguesa.
Francisco Gaspar