O Serviço Nacional de Saúde (SNS) volta a estar no centro das atenções políticas e sociais. A recente campanha eleitoral deu visibilidade à sua relevância estratégica, mas agora é tempo de passar das intenções à ação. Portugal precisa de um SNS renovado, que combine visão, rigor, inovação e humanismo, com a capacidade de responder às necessidades reais das pessoas e dos profissionais de saúde.

O modelo atual dá sinais claros de esgotamento. A sua gestão tem oscilado entre medidas avulsas, respostas reativas e ausência de planeamento estrutural. É tempo de romper com este ciclo. Precisamos de um sistema que assente numa estratégia de longo prazo, com estabilidade organizativa, financiamento adequado e liderança técnica.
As prioridades são conhecidas: requalificar infraestruturas, reforçar os cuidados primários, promover a digitalização inteligente, melhorar a articulação entre níveis de cuidados e integrar verdadeiramente a saúde pública na governação do sistema. Mas nenhuma destas medidas será eficaz se não enfrentarmos, com coragem, o desafio central da valorização dos profissionais de saúde.
O SNS só será forte se conseguir atrair e reter médicos. A ausência de condições de trabalho dignas, o bloqueio nas progressões, a desvalorização da carreira médica e a erosão da autonomia profissional explicam o afastamento crescente dos médicos do setor público. A resposta passa por políticas claras de dignificação da profissão médica, com estabilidade contratual, progressão transparente, respeito pelo ato médico e autonomia técnica real. A capacidade de cuidar começa na motivação de quem cuida. Sem médicos, não há SNS.
Reformar o SNS não pode significar apenas responder à doença. É fundamental investir na saúde antes da doença aparecer. A promoção da saúde e a prevenção da doença devem estar no centro das políticas públicas, desde os cuidados de saúde primários até à escola e à comunidade. A literacia em saúde é um instrumento essencial de cidadania. Um cidadão informado é mais autónomo, mais responsável e participa ativamente na gestão da sua saúde. A aposta na educação para a saúde, nos estilos de vida saudáveis, nos rastreios e na vigilância epidemiológica é, simultaneamente, um investimento em sustentabilidade e em justiça social. Esta visão preventiva exige articulação entre saúde, educação, autarquias e setor social. Um SNS moderno não pode limitar-se a tratar: tem de capacitar, informar, educar e proteger.
A inovação tecnológica é essencial, mas não é um fim em si mesma. Digitalização, inteligência artificial e interoperabilidade entre sistemas são ferramentas poderosas — se colocadas ao serviço da eficiência e da humanização. A gestão dos dados em saúde deve ser feita com ética, segurança e foco na melhoria da decisão clínica e da resposta ao utente. Neste domínio, também devemos explorar boas práticas internacionais e recorrer ao benchmarking, adaptando soluções com inteligência crítica à realidade portuguesa.
Falar de humanização não pode ser uma declaração de intenções. Humanizar exige reorganizar: equipas completas, tempo para cuidar, liderança clínica, estabilidade institucional e ambientes propícios ao acolhimento. Exige ainda simplificar processos, reduzir a burocracia e recentrar o sistema na relação médico-doente. A humanização é uma prática diária que se constrói em cada consulta, em cada urgência, em cada gesto clínico. O SNS tem de cuidar da saúde, mas também das pessoas.
O Ministério da Saúde que agora se inicia deverá assumir um papel de liderança técnica, responsável e agregadora. Reformar o SNS exige governação baseada em evidência, diálogo permanente com os médicos e com os outros profissionais de saúde, capacidade de execução e resistência à fragmentação decisória. O futuro da saúde pública em Portugal dependerá da maturidade dos decisores para transformar divergências em estratégias convergentes, com foco no bem comum. O SNS deve ser um projeto coletivo, não um campo de disputa político-partidária.
O SNS é um património civilizacional. Reformá-lo é uma responsabilidade nacional. Valorizar os médicos, investir na literacia em saúde, priorizar a prevenção, inovar com critério e humanizar com prática são os pilares de um sistema mais justo, mais forte e mais sustentável. Mais do que uma urgência, esta é a oportunidade de construir um SNS preparado para o século XXI — um SNS que respeite quem cuida e empodere quem é cuidado.




