“Exercer a minha arte com consciência e dignidade”

Fátima Lima é Presidente da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia e construiu uma carreira notável na área da anestesiologia, ao longo dos anos. À Revista Business Portugal, falou sobre a importância desta especialidade e do compromisso que assumiu, enquanto médica, de colocar sempre a saúde dos seus doentes em primeiro lugar, mantendo e respeitando a honra e as nobres tradições da profissão que escolheu abraçar.

Fátima Lima, Presidente

Quem é Fátima Lima enquanto mulher e profissional? Em que momento descobriu a sua vocação para a Medicina?

Em toda a minha vida como mulher e como médica, sempre caminhei de “mãos dadas” com as raízes que me formaram, que me sustentam e que me mantêm, quer como cidadã, quer como médica, no meio hospitalar, que é um local de acolhimento, diagnóstico e tratamento de doentes, sem jamais esquecer o que um dia jurei. Acima de tudo, exercer a minha arte com consciência e dignidade, jurei que a saúde do meu doente seria sempre a minha prioridade. Jurei manter, por todos os meios ao meu alcance, a honra e as nobres tradições da profissão médica, não permitir que considerações de género, religião, nacionalidade, raça, partido político, ou posição social se interpusessem entre o meu dever e o meu doente e, mais importante, jurei livremente e sob compromisso de honra.

Assim me mantive e agi, quer nos atos lineares de decidir e partilhar informações de grande responsabilidade aos meus pares, quer nos atos mais complexos e em momentos de delicada e frágil condição humana, relativamente aos doentes tratados. Quanto mais aprendemos, mais sabedoria temos para ser o tipo de pessoa que toma decisões acertadas e os resultados serão seguramente os melhores.

Como mulher, sigo a bondade, integridade, a humildade e a generosidade. O caminho deve ser sempre pautado pelos nossos valores, convicções e princípios. Enquanto médica, digo-vos que devemos fazer sempre um bom trabalho. Este deve ser o mais correto e não o mais fácil e só assim vamos conseguir atingir a mestria nas áreas fulcrais da nossa vida.

Descobri a minha vocação para a medicina, quando percebi que a minha missão é cuidar dos doentes. A relação com os meus doentes é a relação mais bem alicerçada ao longo de toda a minha vida como profissional de saúde.

 

Porque é que optou pela especialização em Anestesiologia? Considera que esta especialidade é um pilar de segurança no tratamento dos doentes?

Escolhi a especialidade de Anestesiologia porque é uma especialidade transversal, com a envolvência dos seus colaboradores em múltiplas tarefas e funções, na maioria das vezes multidisciplinares, o que nos obriga a ter uma visão holística do ser humano, assim como a necessidade de aquisição de vastos conhecimentos científicos integradores e competências técnicas em diversas áreas da ciência médica.

Tudo isto, torna o anestesiologista no médico que mais zela pela segurança do doente. Ou seja, por outras palavras, os anestesiologistas são os motores dos hospitais, pela insubstituível intervenção na Medicina Hospitalar.

O dar a conhecer, junto aos seus pares, o seu saber e, junto dos doentes, a sua proteção, converte a especialidade de Anestesiologia num pilar de segurança. Como bem escreveu Albert Einstein: “A alegria de ver e entender é o mais perfeito dom da Natureza”.

 

Explique-nos que trabalho tem desenvolvido enquanto Presidente da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia-SPA? Que desafios acarreta um cargo desta dimensão?

Enquanto Presidente da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia, para o mandato 2022-2025, a Sociedade que presido atingiu, nos últimos anos, uma dimensão robusta como Associação de Saúde, da qual todos os anestesiologistas portugueses se orgulham, exigindo a esta uma nova Direção e um compromisso de dinamização crescente, mantendo, desde logo, credibilidade como entidade parceira da decisão, em muitos aspetos do panorama da saúde em Portugal.

Todo o trabalho que procuro desenvolver durante o presente mandato prende-se com a necessidade crescente em avançar com novos projetos, de forma a contribuir, em tempo real, para a formação dos futuros líderes de Anestesiologia, unindo toda uma vasta equipa de anestesiologistas. “Because together we are stronger”.

A Anestesiologia é uma especialidade em ampla expansão, nas últimas duas décadas, adquirindo novas competências e assumindo novos desafios, acompanhando a evolução da ciência médica em geral. Logo, o meu maior desafio é garantir que a Sociedade Portuguesa de Anestesiologia vai continuar a constituir um espaço que promove a melhoria da atividade individual e coletiva no âmbito da nossa especialidade.

Quer eu, como Presidente, quer a Direção, pretendemos fazer da nossa Sociedade Científica um vetor de mudança, onde cada anestesiologista aumente o seu “empowerment”.

 

Qual é, no fundo, o verdadeiro objetivo desta Sociedade? Quantos sócios a compõem atualmente?

Como Presidente, como já mencionei, pretendo que a Sociedade constitua um espaço que promova a melhoria da atividade individual e coletiva da Anestesiologia e tudo o que os sócios queiram protagonizar no âmbito dos seus estatutos.

A Sociedade Portuguesa de Anestesiologia é uma organização devotada à promoção da saúde e à defesa e concertação dos médicos anestesiologistas em Portugal.

Fiel à sua essência inovadora, dinâmica e visionária, que inspirou a sua génese, há mais de 60 anos que esta Sociedade continua e continuará comprometida com o desenvolvimento da especialidade em todas as suas dimensões: profissional, clínica, académica e social.

De acordo com os estatutos, existem, atualmente, 1562 sócios. Contudo, para o triénio 2022-2025, esta nova equipa que dirijo acredita que, no final de 2025, seremos muitos mais, ao transformar esta Sociedade Científica num vetor de confiança e de mudança, onde cada anestesiologista sinta o desejo de aumentar o seu potencial clínico.

Enquanto a Sociedade se mantiver coesa, terá todas as condições para servir os seus sócios, proporcionando a formação e os meios de divulgação científica essenciais a uma prática clínica de excelência e cumprindo a sua principal missão.

 

Empower Yourself” é o mote para o Congresso SPA 2023, a realizar-se entre os dias 24 e 25 de março. Quais são os temas em destaque?

No sentido de elevar os standards da Anestesiologia, a Sociedade Portuguesa de Anestesiologia vai realizar, nos dias 24 e 25 de março de 2023, na cidade de Vila Nova de Gaia, o seu Congresso Anual.

Para além de ser um dos principais compromissos desta nova Direção, este evento permite reunir um painel alargado de especialistas nacionais e internacionais.

O painel de especialistas vai apresentar temas de áreas em que a Anestesiologia é perita, tais como:

  • Medicina peri-operatória – “developing guidelines”; “perioperative medication reconciliation”;
  • Medicina intensiva – “paliative care in critical patient”;
  • Medicina da Dor – “education and certification in chronic pain”;
  • Educação contínua em Anestesiologia – “continued medical education-entrusted professional activities

O envolvimento das Secções e Grupos de Trabalho da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia neste Congresso foi absolutamente necessário e pertinente quando, diariamente, se enfatiza a Anestesiologia como um pilar de segurança no tratamento dos doentes.

O mote do Congresso 2023, “Empower yourself” atinge-se com a participação e o entusiasmo de todos os participantes.

 

Também exerceu funções, quer de Direção Clínica, quer de Direção do Serviço de Urgência. Que cunho procurou imprimir na sua liderança? Alguma vez se sentiu menos ouvida por ser mulher?

Durante o meu percurso profissional, fui várias vezes chamada pela tutela, para ocupar cargos de liderança, nomeadamente, como Diretora do Centro de Formação do INEM – Porto, entre 1998 e 2001, Diretora Clínica do CHVNG e EPE, entre 2015-2016, e Diretora do Serviço de Urgência e Emergência Médica do CHVNG e EPE, entre 2014 – 2017.

Não foi fácil o período em que exerci funções. Foi sempre uma preocupação minha que este fosse pautado por um elevado desempenho nestas funções. Nestes cargos de liderança, vivi dias difíceis, desafiantes, de construção e de debate, de mudança e resolução, de busca de alternativas, quando as soluções existentes a curto prazo eram escassas ou até inexistentes, e só o meu caráter determinado e perseverante, bem como o meu extremo empenho nas funções de liderança, foram determinantes para a gestão dos obstáculos que surgiram, diariamente, e que tinham de ser ultrapassados com rigor e competência, quer ao nível da Direção Clínica, como na Direção do Serviço de Urgência Polivalente, que é a principal entrada de qualquer hospital, em termos de prestação de cuidados de saúde e salvação de vidas humanas.

Como mulher, médica e líder, nunca permiti que considerações de género se interpusessem entre o meu dever e o meu doente. Reitero que o nosso caminho deve ser sempre pautado pelos nossos valores, convicções e princípios. Devemos seguir o caminho correto e não o mais fácil pois, só assim, conseguimos atingir a excelência nas áreas fulcrais da nossa vida.

 

Terminou, recentemente, o Curso de Especialização em Administração Hospitalar. Acredita que o investimento na formação é fundamental, ainda para mais quando se trata da medicina, uma área que está constantemente a sofrer atualizações?

Concordo em pleno, quando diz que o investimento na formação é fundamental, dado que, durante toda a nossa vida, o investimento na formação é algo que é intransmissível.

Quando era Diretora Clínica, percebi que havia competências que tinha de adquirir para desempenhar este cargo com mestria, principalmente em áreas que estavam fora da minha “zona de conforto”. Quanto mais aprendemos, mais sabedoria teremos para ser o tipo de pessoa que toma decisões acertadas e os resultados obtidos serão seguramente os melhores. Tendo subjacente este princípio, concluí com sucesso, em 2022, o Curso de Especialização de Administração Hospitalar ministrado pela ENSP-UNL.

 

Do seu ponto de vista, que características é que as mulheres devem possuir para conseguir singrar no seio institucional?

Para conseguirmos singrar no seio institucional, temos de estar motivados, ter disponibilidade para abraçar desafios, muitos deles repletos de “espinhos”, respeito e bons relacionamentos interpares, capacidade de adaptação a mudanças, dialogar e saber fazer um planeamento estratégico a curto, médio e longo prazo.

Atinjam as metas pela excelência do vosso trabalho, mesmo quando estão perto da exaustão e não se deixem levar pelas palavras de conforto. Escolham o caminho correto e não o mais fácil.

 

No próximo dia 8 de março assinala-se o Dia Internacional da Mulher. Sendo a Drª Fátima um exemplo de uma mulher que lutou para alcançar a carreira de sucesso que tem atualmente, que palavras gostaria de deixar àquelas que ambicionam fazer um percurso semelhante?

Never give up”.

 

A nível profissional, o que ainda lhe falta concretizar? Como é que olha para o seu futuro?

Gostava de terminar com um Doutoramento em Ciências Políticas, porque é uma área totalmente desconhecida e acrescentaria, seguramente, muito valor à minha formação académica de base.

O dia de amanhã brilhará mais do que o dia de hoje e a esperança embeleza sempre o meu futuro.

You may also like...