Esperança, Recuperação e Resiliência
A evolução da economia e do emprego ao longo do ano que agora termina mostrou bem a surpreendente capacidade das empresas portuguesas para enfrentar a adversidade, mesmo com menos apoios públicos do que a generalidade dos nossos concorrentes europeus.
O ponto de partida era francamente difícil: o impacto da pandemia em 2020 foi mais severo em Portugal do que na grande maioria dos países europeus, com a atividade económica a contrair 8,4% no cômputo do ano. O início de 2021 ficou marcado por uma nova escalada na propagação da pandemia e pelo regresso ao confinamento. Recorde-se que, exatamente há um ano, as projeções da OCDE apontavam para um crescimento económico de apenas 1,7% em 2021 e de 1,9% em 2022. Agora, a OCDE prevê um crescimento de 4,8% em 2021 e de 5,8% em 2022. Depois da queda em cadeia, no início do ano, em contraciclo com o resto da Europa, a atividade económica regressou à tendência de recuperação, permitindo colmatar algum do atraso relativo que Portugal vinha a registar no regresso aos níveis de atividade anteriores à eclosão da pandemia. É de destacar a resistência do investimento ao impacto da crise. Em dezembro de 2020, a OCDE previa que o investimento estagnasse, após uma queda de 4,2% nesse ano. A queda acabou por se revelar mais moderada (2,7%) e prevê-se, agora, para o cômputo de 2021 um crescimento de 5,7%.
Uma prova de que as empresas estão dispostas a investir, se forem criadas condições propícias a esse investimento, foi a forte resposta ao Convite à Manifestação de Interesse no âmbito das Agendas Mobilizadoras para a Inovação Empresarial. Foram recebidas 144 candidaturas de consórcios integrando mais de 1800 copromotores, dos quais 80% são empresas. O investimento total associado a estas candidaturas eleva-se a quase 15 mil milhões de euros. A dimensão e ambição desta resposta contrasta com os meios alocados a esta medida do PRR – 930 milhões de euros – e com a expectativa de que seriam identificadas apenas “quatro, cinco ou seis Agendas Mobilizadoras”. Visivelmente, o Governo subestimou o valor da iniciativa privada e foi surpreendido pelo seu dinamismo.
A resiliência das empresas também se mostrou surpreendente na evolução do mercado do trabalho. No terceiro trimestre de 2021, a taxa de desemprego caiu para 6,1%, longe dos 9,5% que, em dezembro, a OCDE previa para 2021, e mais baixa, inclusivamente, do que os 6,3% registados no terceiro trimestre de 2019. É certo que o aumento do emprego no sector público contribuiu parcialmente para esta evolução, mas estes dados demonstram bem a determinação das empresas na preservação dos postos de trabalho. A continuação da retoma do consumo e da procura externa permitir-nos-ia encarar o próximo ano com mais otimismo, não fossem as dificuldades do lado da oferta, com a atual escalada de custos de produção, além de graves problemas em abastecimentos indispensáveis à produção causados pela falta de matérias-primas e dificuldades nos transportes marítimos.
Acresce ainda o risco de acumulação de situações de maior debilidade financeira, que podem traduzir-se num aumento de insolvências.
Estes desenvolvimentos lançam maiores incertezas e colocam em risco as projeções de uma aceleração do crescimento económico em 2022 para valores superiores a 5%. Mas, apesar de toda a adversidade, a iniciativa privada está viva, dinâmica e empenhada em participar na recuperação e transformação da economia. A concretização deste enorme potencial será condicionada pela orientação que for dada à política económica e pela dimensão, rapidez e eficácia das medidas que forem colocadas no terreno.
Resta esperar que o início de um novo ciclo político torne possível o envolvimento de agentes políticos e parceiros sociais em compromissos efetivos e ambiciosos para promover as medidas e as reformas necessárias para vencer os obstáculos com que nos confrontamos, impulsionar a recuperação e sustentar o crescimento em bases mais sólidas e duradouras.