Encontro nacional da ALF coloca ênfase no investimento e desafios da transição ambiental e da digitalização

A economia portuguesa necessita de empresas profissionalizadas e com dimensão, que tenham condições de acesso a fontes de financiamento diversificadas, em linha com o que acontece com os seus pares nas maiores economias europeias. O acesso ao financiamento especializado e a diversificação de fontes de financiamento em Portugal fica ainda muito aquém dos principais países europeus, com reflexos na evolução da economia. Por outro lado, os desafios da transição ambiental e da digitalização vão exigir avultados investimentos públicos e privados, sob pena de Portugal não conseguir acompanhar os objetivos internacionais e comunitários nestes domínios. Estas são algumas das conclusões do Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting (ALF), realizado a 23 de maio, por ocasião dos 40 anos da associação.

 

 O financiamento especializado está a somar resultados históricos desde a pandemia, assinalou, nesta quinta-feira, durante o Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting, o presidente da instituição, Luís Augusto. “A recuperação tem sido notável no leasing, factoring e renting, com níveis históricos”, destacou o anfitrião do evento decorrido no Centro Cultural de Belém. Ali, marcaram também presença o Secretário de Estado da Economia, João Rui Ferreira, o ex-ministro das Finanças João Leão, o professor da Universidade Católica Paulo Cardoso do Amaral, a diretora-geral da SIVA Viktoria Kaufman, o professor da IESE e autor de “Climate Finance”, Nuno Fernandes, a diretora de supervisão comportamental do Banco de Portugal, Ana Venâncio, e os responsáveis pelo estudo da Deloitte que vai traçar o mapa do futuro do Leasing, Factoring e Renting em Portugal, incluindo Bernardo Frois Ferrão. 

Dados preliminares do financiamento no primeiro trimestre de 2024, reunidos pela ALF (associação que representa cerca de 90% do Leasing, Factoring e Renting em Portugal), revelam o reforço da aposta das empresas no Leasing, com uma subida a dois dígitos, prosseguindo a tendência de ganhos já verificada em 2023. A ALF regista ainda um novo máximo histórico para o Factoring em Portugal durante o primeiro trimestre deste ano, com valores nunca antes verificados ao longo dos 40 anos cumpridos pela ALF em 2024. Recorde-se que, em 2023, já tinha sido atingido um valor histórico em faturas tomadas pelo factoring, equivalente a 20% do PIB nacional. “O apoio às empresas na internacionalização e exportação tem sido sempre acompanhado pelo Factoring”, destacou Luís Augusto, presidente da ALF. 

As estatísticas iniciais da associação expõem ainda um primeiro trimestre com crescimento de quase 400 milhões de euros no total da frota gerida em renting, quando comparada com o que ocorria no final de março de 2023. Nesta área, a SIVA, representante automóvel histórico em Portugal, com marcas como a Audi, Seat e Volkswagen, antevê carros mais inteligentes e ágeis. Viktoria Kaufman, diretora-geral da empresa, assegura que “a mobilidade automóvel está mais forte do que nunca” e que o único caminho pela frente é o da sustentabilidade. 

 A mobilidade é apenas um dos elementos que exigirá um reforço do financiamento no futuro próximo, hoje com regras bem distintas de um passado recente, destaca por seu lado João Leão, membro português do Tribunal de Contas Europeu. O ex-ministro das Finanças recorda como, em 2021, o Governo de que fez parte emitiu dívida pública da República a taxa praticamente zero na maturidade de 10 anos, enquanto as obrigações a 30 anos foram emitidas com taxa de 1%. Já na emissão realizada pelo atual Governo, a 22 de maio último, os obrigações a 10 anos superaram 3% de taxa de juro, enquanto a maturidade de 30 anos se fixou nos 3,71%. “As condições de financiamento alteraram-se radicalmente a curto e longo prazo. Entre 2008 e 2022, as taxas de juro na Europa estiveram praticamente a zero”, nota João Leão, considerando este “um período único”. 

 A expectativa dos investidores é de que as taxas de juro de curto prazo se vão manter altas durante muito tempo, próximas dos 3% durante a próxima década ou mesmo nas próximas décadas”, nota o membro do Tribunal de Contas Europeu, alertando para a “alteração muito rápida da visão que existe sobre as novas necessidades de investimento e financiamento na Europa”. Desde logo, “serão necessárias doses massivas de investimento ambiental público e privado”, afirma, notando que o investimento anual em energia verde já é o dobro do investimento em combustíveis fósseis, e que só a energia solar já acumula mais investimento anual que o petróleo e o gás. 

 A transição ambiental e a concorrência com a China, a defesa e segurança europeias, a autonomia estratégica (com protecionismo e apoio a setores estratégicos), são pontos em que o investimento será massivo, destaca o ex-ministro das Finanças, que hoje vê uma Europa onde a pressão de consolidação orçamental dos Estados perdeu força, a reboque da pandemia, da guerra na Ucrânia e da crise ambiental. 

Neste particular dos riscos decorrentes das alterações climáticas, Nuno Fernandes, professor na IESE e autor do livro “Climate Finance”, alerta que “nos dias de hoje, todos os gestores, CEO e administradores de instituições financeiras têm de estar preocupados com o tema que está na agenda, que é a sustentabilidade. Os riscos climáticos impactam os custos dos capitais das empresas”, reforça. 

 Com esta pressão do lado do investimento, o financiamento especializado será chamado a intervir para apoiar as empresas e reforçar a formação do Produto Interno Bruto, nota a ALF. 

 

O Futuro nas suas diversas formas

Do seu lado, o Secretário de Estado da Economia, João Rui Ferreira, pede atenção particular a uma área fundamental para o país ganhar peso internacional e profissionalização: a escala e dimensão das empresas. “Vamos estar atentos a essa questão”, afirma o governante. “Hoje, em Portugal, já é mais ou menos consensual ouvirmos, de várias áreas da economia, dos setores privado e público, que os ganhos de escala e dimensão podem ser um fator competitivo muito importante. Atrás disto vem a capacidade de crescimento, de inovar, de remunerar melhor e por via disso reter talento no país”, destaca. Há ainda que estreitar cadeias de valor, aproximar as empresas portuguesas dos seus clientes, e com isto trazer mais valor para a economia portuguesa. “Será também na diplomacia económica uma área fundamental, queremos apoiar as empresas nessa análise. Por isso, estamos numa fase de ouvir muitos parceiros”, nota João Rui Ferreira. Do lado do financiamento, o Secretário de Estado da Economia anunciou que o Governo está disponível para “rapidamente encetar esse diálogo com a ALF, para se encontrarem formas de colaboração nesta lógica” do crescimento. 

 Paulo Cardoso do Amaral, professor da Universidade Católica, falou do futuro da tecnologia, desconstruindo alguns mitos e ideias feitas, e alertou para as condições de implementação do Euro digital por parte do Banco Central Europeu, destacando possíveis problemas de liquidez na banca de retalho que uma má implementação poderia originar. Acentuou ainda a importância da tokenização de ativos reais e de direitos , salvaguardando a respetiva regulamentação, proteção de dados pessoais e respeito pela privacidade individual, que trará ao mercado europeu uma maior liquidez, simplicidade, rapidez e segurança nas transações. 

 Ana Venâncio, diretora do departamento de supervisão comportamental do Banco de Portugal destacou alguns dos pontos de trabalho para 2024, incluindo a transposição da revisão à diretiva do crédito aos consumidores, que integra o método de cálculo das TAEGs máximas. Salientou ainda a importância do aumento da literacia financeira em Portugal, e o papel da ALF enquanto parceiro da comissão de acompanhamento do plano nacional de formação financeira desde o início, num quadro de crescente dinamização dos produtos. 

 Neste evento onde o futuro foi o mote, por ocasião da comemoração dos 40 anos da ALF, a Deloitte apresentou notas preliminares sobre o estudo em curso relativo aos cenários que se vão colocar perante o Leasing, Factoring e Renting. Assim, do Factoring esperam-se modelos mais ágeis de decisão e processamento com a Inteligência Artificial. O Renting, por seu lado, poderá atuar como o grande impulsionador da renovação e eletrificação das frotas e expandir a sua presença além do automóvel. Já o Leasing deverá continuar um caminho de recuperação do peso na formação bruta de capital, alavancando a vaga de investimento prevista para os próximos anos. Estas notas, deixadas por Bernardo Frois Ferrão, partner na Deloitte, apontam para um aumento do endividamento das empresas em Portugal, mas a um ritmo inferior ao do valor dos ativos e do PIB do país. Assim, apesar de a dívida das empresas se ter elevado aos 299 mil milhões de euros no ano passado (em contínuo crescimento desde 2018, quando somava 265 mil milhões de euros), a tendência é de criação de valor, retirando rentabilidade do investimento, tanto por via do aumento dos ativos das empresas, como da riqueza produzida em Portugal. No campo da mobilidade, o partner da Deloitte apontou ainda para a aceleração da procura por automóveis elétricos nos próximos anos. Até 2035, segundo o estudo encomendado pela ALF, o valor de mercado da mobilidade automóvel na Europa crescerá a um ritmo médio de 5%, culminando nesse ano em 141 mil milhões de euros. O correspondente aumento da procura por carregamentos levará a um reforço dos pontos públicos, esperando a Deloitte que em 2035 haja cinco vezes mais estruturas de carregamento nas ruas europeias do que atualmente. 

 

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